Tal como em Angola, nos anos 1990 a vida política e social da Nigéria era grandemente caracterizada pela incerteza, violência e corrupção. Neste contexto, naturalmente, as pessoas perdem a esperança no futuro da sua terra e torna-se palpável uma vontade generalizada de abandonar o país, de imediato ou no médio prazo. No magnífico romance “Americanah” de Chimamanda Ngozi Adichie há uma passagem em que se referindo à Nigéria dos anos 1990 uma personagem diz: “um dia, vou acordar e todas as pessoas que conheço, morreram ou abandonaram o país”.
“Americanah” conta a história de uma jovem nigeriana nas décadas de 1990 e 2000 mas poderia ser a história de uma jovem angolana que sem esperanças no futuro do seu país sentiu-se obrigada a emigrar mas teve a esperança renovada no final da década de 2000 e voltou à terra natal para participar no que acreditava ser uma nova era, com estabilidade política, prosperidade económica abrangente e progresso social. Infelizmente, em Angola, a crise económica iniciada com a queda do preço do petróleo em 2014 que empurrou milhões de volta a pobreza e causou uma erosão na classe média emergente começou a matar a esperança renascida na década de 2000 com o fim da guerra e o crescimento económico vertiginoso sustentado quase que inteiramente pelo mercado petrolífero favorável.
A falta de progressos significativos no campo social e a percepção generalizada de um défice democrático que limita a capacidade do cidadão comum influenciar o sentido do seu próprio destino trouxeram de volta o sentimento de fuga e confirmou a inversão da tendência dos anos 2000, com a emigração a voltar a suplantar significativamente o retorno de angolanos que viviam no exterior, tanto como estudantes ou como imigrantes económicos.
Em Novembro de 2022, o Serviço de Emigração e Estrangeiro (SME) justificou as dificuldades na emissão de passaportes com a “fuga de angolanos para o exterior“. A declaração do representante do SME só confirma a percepção de muitos de nós que conhecemos pessoas que emigraram ou pretendem fazê-lo em breve. A notícia do Novo Jornal avança como números que confirmam que os angolanos estão a “responder com os pés” a falta de esperança no futuro do país: saíram de Angola em Outubro de 2020, 3.609 angolanos que compara com 11.719 em Outubro de 2021 e 21.865 em Outubro de 2022.
Os números do Gabinete de Estudos Estratégicos de Portugal indicam que inversão da tendência da imigração angolana em Portugal teve início em 2018 que foi o primeiro ano desde 2007 que o número de residentes angolanos em Portugal cresceu.

O crescimento da emigração económica para Portugal teve um efeito significativo nas remessas de angolanos que cresceram 53,6% em Abril de 2021 face ao período homólogo segundo dados do Banco de Portugal compilados pelo jornal Expansão.
E de repente a década de 2020 começa a ficar muito parecida com a década de 1990 e início da década de 2000, com angolanos a construírem grandes comunidades lá fora, com pessoas anónimas e cada vez mais artistas a terem um país estrangeiro como casa e solução para realização dos seus sonhos. O músico angolano Don Kikas depois de fazer a música “Esperança Moribunda” viu-se obrigado a fazer a segunda parte por não vislumbrar a mudança necessária em Angola e temo que vai ter que fazer a terceira parte porque as expectativas continuam baixas e a falta de compromisso com o longo prazo de parte significativa da população tem efeitos económicos devastadores, em particular a nível do consumo de bens duradouros como compra de residências ou mesmo a realização de investimentos.
O país vive um momento em que boa parte das pessoas deposita muito pouca esperança no seu futuro e que o grosso das pessoas das classes mais afluentes encaram o país como um instrumento do presente para construção de um futuro no exterior. A percepção é que existe falta de compromisso da elite com o futuro do país – em particular a elite governativa – e esta realidade bloqueia a criação de um projecto de nação que alimente a esperança da maior parte dos angolanos. A inversão desta tendência não será conseguida com apelos ao patriotismo ou sacrifícios, Angola continua a ter um potencial inegável que apenas será realizado com reformas profundas no campo político porque continuo a acreditar que o problema económico de Angola é, na essência, um problema político.
Apesar dos factos justificarem, não gostaria de ver uma terceira versão de “Esperança Moribunda” mas não consigo fugir da realidade de acordar cada vez mais num país em que muitas pessoas que conheço ou estão fora do país ou já não estão neste mundo.