Esperança Moribunda 3.0 e a fuga dos angolanos

Tal como em Angola, nos anos 1990 a vida política e social da Nigéria era grandemente caracterizada pela incerteza, violência e corrupção. Neste contexto, naturalmente, as pessoas perdem a esperança no futuro da sua terra e torna-se palpável uma vontade generalizada de abandonar o país, de imediato ou no médio prazo. No magnífico romance “Americanah” de Chimamanda Ngozi Adichie há uma passagem em que se referindo à Nigéria dos anos 1990 uma personagem diz: “um dia, vou acordar e todas as pessoas que conheço, morreram ou abandonaram o país”.

“Americanah” conta a história de uma jovem nigeriana nas décadas de 1990 e 2000 mas poderia ser a história de uma jovem angolana que sem esperanças no futuro do seu país sentiu-se obrigada a emigrar mas teve a esperança renovada no final da década de 2000 e voltou à terra natal para participar no que acreditava ser uma nova era, com estabilidade política, prosperidade económica abrangente e progresso social. Infelizmente, em Angola, a crise económica iniciada com a queda do preço do petróleo em 2014 que empurrou milhões de volta a pobreza e causou uma erosão na classe média emergente começou a matar a esperança renascida na década de 2000 com o fim da guerra e o crescimento económico vertiginoso sustentado quase que inteiramente pelo mercado petrolífero favorável.

A falta de progressos significativos no campo social e a percepção generalizada de um défice democrático que limita a capacidade do cidadão comum influenciar o sentido do seu próprio destino trouxeram de volta o sentimento de fuga e confirmou a inversão da tendência dos anos 2000, com a emigração a voltar a suplantar significativamente o retorno de angolanos que viviam no exterior, tanto como estudantes ou como imigrantes económicos.

Em Novembro de 2022, o Serviço de Emigração e Estrangeiro (SME) justificou as dificuldades na emissão de passaportes com a “fuga de angolanos para o exterior“. A declaração do representante do SME só confirma a percepção de muitos de nós que conhecemos pessoas que emigraram ou pretendem fazê-lo em breve. A notícia do Novo Jornal avança como números que confirmam que os angolanos estão a “responder com os pés” a falta de esperança no futuro do país: saíram de Angola em Outubro de 2020, 3.609 angolanos que compara com 11.719 em Outubro de 2021 e 21.865 em Outubro de 2022.

Os números do Gabinete de Estudos Estratégicos de Portugal indicam que inversão da tendência da imigração angolana em Portugal teve início em 2018 que foi o primeiro ano desde 2007 que o número de residentes angolanos em Portugal cresceu.

O crescimento da emigração económica para Portugal teve um efeito significativo nas remessas de angolanos que cresceram 53,6% em Abril de 2021 face ao período homólogo segundo dados do Banco de Portugal compilados pelo jornal Expansão.

E de repente a década de 2020 começa a ficar muito parecida com a década de 1990 e início da década de 2000, com angolanos a construírem grandes comunidades lá fora, com pessoas anónimas e cada vez mais artistas a terem um país estrangeiro como casa e solução para realização dos seus sonhos. O músico angolano Don Kikas depois de fazer a música “Esperança Moribunda” viu-se obrigado a fazer a segunda parte por não vislumbrar a mudança necessária em Angola e temo que vai ter que fazer a terceira parte porque as expectativas continuam baixas e a falta de compromisso com o longo prazo de parte significativa da população tem efeitos económicos devastadores, em particular a nível do consumo de bens duradouros como compra de residências ou mesmo a realização de investimentos.

O país vive um momento em que boa parte das pessoas deposita muito pouca esperança no seu futuro e que o grosso das pessoas das classes mais afluentes encaram o país como um instrumento do presente para construção de um futuro no exterior. A percepção é que existe falta de compromisso da elite com o futuro do país – em particular a elite governativa – e esta realidade bloqueia a criação de um projecto de nação que alimente a esperança da maior parte dos angolanos. A inversão desta tendência não será conseguida com apelos ao patriotismo ou sacrifícios, Angola continua a ter um potencial inegável que apenas será realizado com reformas profundas no campo político porque continuo a acreditar que o problema económico de Angola é, na essência, um problema político.

Apesar dos factos justificarem, não gostaria de ver uma terceira versão de “Esperança Moribunda” mas não consigo fugir da realidade de acordar cada vez mais num país em que muitas pessoas que conheço ou estão fora do país ou já não estão neste mundo.

Advertisement

Angola: pobreza e baixo consumo privado

Numa economia de mercado, quem vende trava uma luta constante para ter o seu produto ou serviço entre as escolhas dos consumidores cuja decisão de compra está limitada pelo dinheiro disponível.

A redução do poder de compra das famílias angolanas nos últimos anos constitui um desafio para sobrevivência das nossas empresas. A inflação galopante dos últimos anos aconteceu num ambiente de decréscimo contínuo da economia, com aumento do desemprego que completa a fotografia de um processo de empobrecimento singular desde que o país alcançou a paz em 2002. Por exemplo, o PIB per capita de 2021 (em USD correntes) representava apenas 41% do que era em 2014.

Tenho contacto regular com planos de negócios de empresas nacionais e sempre achei estranho a pouca atenção que muitos os empreendedores dão às questões demográficas e evolução recente e prospectiva do nível de rendimento. A redução do nível de emprego e o empobrecimento contínuo significam efectivamente que os empresários estão a disputar por uma pizza que está continuamente a diminuir o que explica parcialmente a baixa taxa de sobrevivência de novos negócios e a dificuldade das empresas existentes para manterem as portas abertas.

Num país com níveis de crédito bancário às famílias tão baixo, o consumo é especialmente sustentado pelo rendimento regular do trabalho e sendo este em média muito baixo, os níveis de poupança são igualmente baixos e o grosso do rendimento é utilizado na aquisição de bens e serviços essenciais.

O país continua efectivamente a viver ao ritmo do petróleo e a recente mudança de trajectória na evolução do PIB – que beneficiou de algumas decisões de política monetária e fiscal acertadas – não pode ser dissociada do mercado petrolífero favorável. Contudo, se o país não fizer as reformas do sistema político, judicial e de educação deverá manter a correlação extrema com o sector petrolífero e a empobrecer, onde qualquer jantar fora de casa é um luxo, o turismo é inacessível para o grosso da população e pouco que há para consumir é para comer, vestir, beber e pouco mais.

Sendo visível que desalinhamento com a procura existente está na base do fracasso de muitos negócios, podemos igualmente identificar negócios de sucesso que são sustentados por uma leitura correcta do consumidor-tipo, com a clara noção que a decisão de consumo não se pode separar da diminuta capacidade de consumo como se verifica nas ideias simples mas geniais de micro-dosagem que permite compras diárias de vários produtos que em mercados maduros são comercializados em doses bem maiores, servem de exemplo os pacotes de detergente para roupa ou whisky de qualidade duvidosa vendido em doses individuais que negligenciam a qualidade e focam nos baixos rendimentos que permitem ganhar no volume.

Contudo, nem todos os negócios conseguem explorar a micro-dosagem ou o hard-discount, estratégias que pela natureza sacrificam a margem mas dependem de grande volume o que é um desafio logístico e de tesouraria.

Ademais, a natureza de isolamento da economia agudiza igualmente a dificuldade de saída do marasmo e da capacidade dos empresários em explorar oportunidades em mercados regionais para compensar as dificuldades domésticas e o círculo vicioso continuará a prevalecer sobre o necessário círculo virtuoso.

Curiosamente, a alteração da bitola dependerá sempre do engenho dos empreendedores na busca de soluções inovadoras que funcionem neste mar de problemas. Porém, o caminho mais rápido para prosperidade continua a ser a criação de condições institucionais que aligeirem o esforço dos empreendedores e criem realmente condições que nos afastem da necessidade de super-heróis para termos os negócios que criam empregos e riqueza que o país tanto precisa.

As eleições de 2022 e o baixo nível de discussão

No próximo dia 24 de Agosto os angolanos estão convocados para eleger um novo presidente e uma nova configuração da Assembleia Nacional. O país é uma coleção de problemas e neste período de campanha eleitoral os partidos e seus cabeças de lista poderiam fazer um trabalho melhor em como pretendem transformar o país.

O período eleitoral é comummente referido na comunicação social como a “festa da democracia” e este espírito poderá estar a ser levado ao extremo do literal pelos partidos que parecem dedicados à carnavalização da democracia, apostando numa comunicação dominada por cartazes “vazios” e infestação de ruas com bandeiras.

Como em qualquer parte do mundo, o eleitor comum não lê manifestos eleitorais e o conhecimento dos programas é feito sobretudo por espaços dos partidos na rádio e televisão e como estes meios cobrem os eventos de campanha dos partidos, nomeadamente os comícios. No campo da cobertura mediática as nossas televisões continuam a pautar pelo desequilíbrio com tempo de antena favorável ao MPLA e programas de opinião única, sem direito a contraponto.

O contraponto em campanha eleitoral nas democracias atinge o seu auge quando os protagonistas debatem e são forçados a convencer as pessoas dos seus projectos, preparação e conhecimento mais detalhado das suas promessas com contraditório imediato que se diferencia dos monólogos que caracterizam os comícios e o tempo de antena. Infelizmente, mais uma vez não tivemos debates presidenciais, em particular entre João Lourenço e Adalberto Costa Júnior que lideram os projectos que dominam as intenções de voto de acordo com as sondagens que têm estado a ser publicadas há alguns meses pelo Movimento Cívico Mudei.

Seria importante ver o líder da UNITA a ser questionado sobre o que se pretende com a “consagrar a terra como propriedade ancestral” ou como pretende (e com que prazo) aumentar o salário mínimo da função pública para 150 mil kwanzas.

O não debate não nos permitiu também que o presidente João Lourenço fosse confrontado com flagrantes insuficiências do seu primeiro mandado, como por exemplo (i) a não realização de eleições autárquicas, a (ii) a contínua crise económica e degradação generalizada do nível e vida, (iii) a reversão do controlo sobre a comunicação social relevante e a (iv) ocorrência de incidentes de violência policial em manifestações que resultaram em mortes de cidadãos nacionais.

Contudo, há a registar a apresentação de veios condutores dos projectos de governação nos comícios, como a promessa de revisão constitucional de Adalberto Costa Júnior ou o aumento contínuo da contribuição na economia dos sectores não directamente ligados ao petróleo até 80% como prometeu o MPLA na busca da diversificação efectiva da economia angolana.

A utilização dos cartazes está muito longe do que eu esperava para uma campanha em 2022 num país com tantos problemas. A generalidade dos partidos comunica mal com cartazes, reduzindo a sua mensagem ao fenómeno do “vota no número tal”, sem apresentação de qualquer ideia que faça merecer o voto, incluindo partidos recém-criados cuja ideologia é desconhecida da maioria dos eleitores.

Em parte, o “vota no número tal” é uma manifestação da forma como os partidos olham para os eleitores que são por estes vistos como pouco sofisticados e, por esta razão, mais facilmente votam num número por insistência da mensagem do que numa proposta concreta num cartaz ou mesmo numa referência da promessas não cumpridas pelo incumbente como é comum noutras geografias, em particular onde não existe voto electrónico e a digitação do número no momento da escolha não é necessária.

Contudo, apesar do nível de acesso estar longe do ideal, podemos dizer que com recurso à Internet vamos conseguindo acompanhar a campanha com maior amplitude do que no passado pese o facto de se manter intacto o desequilíbrio no tratamento dos concorrentes por parte da comunicação social pública que tem uma inegável inclinação para amplificar a mensagem do MPLA.

Espero que nos próximos pleitos a transparência e confiança no processo deixe sejam boas o suficiente para que o discurso da desconfiança deixe de fazer sentido que a comunicação seja melhor e focada na discussão do presente e do futuro de Angola com um olho nos feitos e desfeitos do passado.

Como a guerra na Ucrânia afecta Angola

Os alertas dos serviços secretos dos Estados Unidos que Vladmir Putin e Sergei Lavrov apressaram-se a chamar de “histeria ocidental” ganharam forma quando em 24 de Fevereiro os russos invadiram a Ucrânia e instalaram o caos no país vizinho e na economia global, cujo impacto foi agudizado pelas sanções impostas à Rússia pelos Estados Unidos, União Europeia e outros países.

Angola não deixará de sentir o impacto da guerra no leste da Europa e neste artigo tentarei destacar os principais efeitos do conflito na nossa economia e sociedade.

Petróleo

O preço do petróleo já estava a apresentar uma trajectória crescente com o aumento da tensão em Janeiro e o início do conflito fez disparar o preço do petróleo bruto com expectativa de redução significativa das exportações de petróleo (e gás) da Rússia. O aumento dos preços são boas notícias para as finanças públicas angolanas uma vez que o OGE considera um preço médio de 59 dólares quando o preço actual (11 de Março) anda a volta dos USD 110.

A ministra das finanças comunicou no entanto que os acordos com credores obrigam o Estado angolano a aumentar o ritmo dos reembolsos sempre que o preço do petróleo ultrapassar os USD 65, num mecanismo que em finanças se costuma chamar de “cash sweep“. Contudo, é expectável que o diferencial do preço orçamentado e do real não seja totalmente consumido com o serviço da dívida externa e é recomendável que parte sirva para liquidação de dívidas à fornecedores locais e para financiamento de diferentes programas de infra-estruturas.

Custo dos alimentos

A Rússia e a Ucrânia são ambos produtores relevantes de cereais, em particular de trigo. As sanções contra Rússia e a exclusão da Ucrânia, por força da guerra, do comércio internacional vão reduzir a oferta deste produto e, consequentemente, conduzir ao aumento do preço dos produtos derivados do trigo, em particular o pão. Sendo o trigo uma matéria-prima transaccionada globalmente, o efeito será sentido no mundo todo e não há muito que se possa fazer para reduzir o impacto da diminuição da oferta. O tombo na oferta de cereais não impacta apenas o pão, produtos como cerveja deverão também experimentar aumento dos preços ou reformulações para redução da incorporação de trigo ou cevada.

O preço dos alimentos poderá ser igualmente influenciado pela redução da oferta de fertilizantes de que a Rússia é igualmente um fornecedor global relevante. Em 2019 o empresário russo Dmitry Mazepin, pai do piloto de Fórmula 1 recentemente forçado a abandonar a Haas na sequência da invasão russa, visitou Angola na qualidade de líder da Uralkali que é um player mundial e que também fornece fertilizantes aos produtores angolanos. Uma redução na fertilização implica menor produtividade e com menos colheita o resultado é o aumento de preços.

Dmitry Mazepin recebido pelo presidente João Lourenço em 2019 em Luanda

Diamantes

As sanções à Rússia limitam grandemente a capacidade de realização de transacções financeiras com entidades residentes na Rússia e com alguns cidadãos ou empresas daquele país. A multinacional Alrosa é um dos maiores produtores de diamantes do mundo e tem participação na Sociedade Mineira do Catoca, asa sanções impostas à empresa pelos Estados Unidos e o boicote crescente à compra de diamante russo podem afectar o negócio da Sociedade Mineira do Catoca a prazo e de outras empresas com participação russa ou relação relevante com a Rússia. Por outro lado, a proibição de importação em mercados relevantes ou boicotes podem diminuir a oferta de diamantes no mercado e inflacionar o preço do produto, efeito que poderá beneficiar as exportações angolanas de diamantes em termos nominais.

Estudantes angolanos

A comunidade de estudantes angolanos na Rússia e na Ucrânia será afectada por razões distintas. Os angolanos na Ucrânia viram a sua vida interrompida e estão impossibilitados de dar o seguimento normal às suas vidas naquele país, tendo já alguns destes estudantes regressado à Angola num voo de repatriamento organizado pelas autoridades diplomáticas nacionais. Por outro lado, os estudantes angolanos residentes na Rússia dependentes de fundos vindos de Angola terão muita dificuldade em ver estas transacções realizadas com a exclusão do sistema financeiro russo do SWIFT e da descontinuação dos serviços de empresas como a VISA e Mastercard na Rússia.

Partindo do pressuposto que grande parte dos formandos regressam ao país após a formação, Angola perde potencialmente um grupo relevante de pessoas formadas em unidades de qualidade, pelo menos no prazo inicialmente antecipado.

Taxa de câmbio

Algumas pessoas têm estado a manifestar excitação com a possibilidade do aumento do preço do petróleo acelerar a tendência de apreciação do kwanza. Contudo, o aumento da receitas públicas pode levar ao aumento do consumo público e da procura por divisas, quer por parte do governo como por parte das empresas e famílias que podem passar a ter maior disponibilidade para consumir bens e serviços do exterior (importações e viagens) como aproveitar o momento para constituir poupanças em moeda forte. Caso se verifique o aumento da procura por moeda externa, a tendência apreciadora do kwanza poderá ser atenuada (ou revertida) e não acelerada.

Banca

As limitações impostas ao sector financeiro russo dificultam a realização de qualquer operação bancária que tenha como parte envolvida um banco russo. Assim, as transferências para aquele país estão extremamente limitadas porque a exclusão destas instituições do SWIFT deixa apenas como alternativa real o sistema chinês CIPS que não goza da mesma profundidade. Por outro lado, opera em Angola o banco VTB África que integra o grupo financeiro russo VTB que foi alvo de sanções e a liderança do banco em Angola aconselhou os clientes a se absterem das transferências segundo noticiou o jornal Expansão.

Comércio com a Rússia

Angola exporta essencialmente petróleo bruto e a Rússia sendo um dos maiores produtores de petróleo do mundo não é cliente relevante de Angola. O nosso país é contudo importador de bens da Rússia, nomeadamente equipamento militar e produtos químicos e estas compras passam a estar comprometidas com a impossibilidade de realizar pagamentos à entidades residentes na Rússia. Contudo, a Rússia não consta entre os 12 maiores fornecedores de Angola, conforme quadro abaixo.

Estatísitcas do Comércio Externo – 4.º Trimestre de 2020, INE – 20221

Longo prazo

Os efeitos no curto e médio prazo da guerra na Ucrânia são mais visíveis, sobretudo a inflação global criada pelo aumento dos custos com energia mas a guerra trará igualmente efeitos no longo prazo que serão sentidos em Angola e o principal está relacionado com as energias renováveis. A dependência europeia do gás russo vai acelerar o processo de transição energética e reduzir a quota dos combustíveis fósseis na oferta de energia global o que reduzirá o preço do “ouro negro” no longo prazo e se Angola não acelerar o processo de diversificação e manter a dependência de exportações de petróleo dentro de 30 anos, o nosso país será mais pobre.

A possibilidade dos principais consumidores de energia acelerarem o processo de adopção em massa de energias alternativas implica não apenas a produção de mais energia de fontes não esgotáveis como a alteração tecnológica que reduzirá a necessidade de produção de petróleo e gás no futuro e poderá obrigar Angola não apenas a diversificar a sua economia como a investir na conversão das suas infra-estruturas nas próximas 4 à 5 décadas e este desafio exige melhor qualidade nos investimentos e na condução da vida económica e social do país.

Empreendedor angolano e o ecossistema débil

Os empreendedores angolanos, como boa parte das pessoas que habitam a nossa terra, têm vocação para o heroísmo. Criar um negócio em Angola é uma tarefa hercúlea mas manter o negócio vivo é ainda mais complexo.

O que torna a vida empresarial complicada em Angola é a inexistência de um ambiente propício para desenvolver negócios, é o que o Banco Mundial chama de “ambiente de negócios” e o pessoal dos projectos de raiz da nova economia (startup) chama de “ecossistema”.

A grande maka em Angola é a ineficiência grosseira do sistema político que se traduz numa vida económica e social regida por um conjunto de instituições que incumprem com o que delas é esperado. Por exemplo: (i) o sistema de educação não consegue capacitar com qualidade e quantidade a mão-de-obra de base, (ii) o sistema de justiça não oferece confiança no seu papel de árbitro neutro nos diferentes diferendos entre partes ou para assegurar que os crimes são tratados de forma isenta independentemente do seu autor, (iii) as aspirações da população não são acomodadas nas políticas públicas porque o poder político actual parece convencido que são imunes aos processos eleitorais.

Contudo, os empreendedores não podem esperar que o país magicamente se transforme naquilo que a maioria sonha, com escolas de qualidade, hospitais que funcionam dentro do desejável, estradas que merecem este nome, telecomunicações modernas e a preços decentes e financiamento diverso e abundante para as melhores ideias. Assim, os nossos empresários são forçados a desenhar os seus negócios para sobreviver a uma série de obstáculos desnecessários e assim perseguem os seus sonhos de criar riqueza para si e para os seus colaboradores.

A criatividade é um trato comum em todos os humanos, independentemente da sua origem, apesar de alguns ambientes serem mais propícios e receptivos à criatividade. A criatividade tem um papel importante na construção contínua de uma economia mas ela é mais produtiva quando associada à educação formal e técnica de qualidade que nos permite transformar uma ideia num negócio funcional ou, pelo menos, atractivo aos detentores de fundos para financiar meritocraticamente quem se destaca pelas suas ideias.

A capacidade de aproveitar as melhores ideias para somar à riqueza acumulada por uma sociedade (infelizmente, muitas vezes com níveis de distribuição que dificultam a vida social) é que diferencia as economias mais dinâmicas das menos preparadas. Por exemplo, nos Estados Unidos as melhores ideias mais vezes sim do que não encontram financiamento para chegarem ao mercado porque o capital é ávido a tomar partido no processo de criação de riqueza com base nas ideias e por é por esta razão que nos Estados Unidos continuam a surgir produtos e serviços que marcam a tendência, apesar do inegável crescimento da China, a combinação de liberdade social com economia de mercado, sistema de educação superior produtivo, disponibilidade de capital e uma cultura empreendedora e ambiciosa constituem a base da economia mais dinâmica do mundo.

Entre nós falta tudo o que foi enumerado acima, com excepção da criatividade. Os nossos empreendedores, regra geral não têm meios financeiros e a banca comercial não é desenhada para o apoio de projectos de raiz, sobretudo os da nova economia que por norma têm na base uma solução tecnológica (web, mobile ou as duas). A banca comercial empresta fundos dos seus depositantes e está sujeita a regulação do banco central que limita a exposição a certos tipos de risco o que reduz a atractabilidade do financiamento de startups. Nas economias mais maduras, existem alternativas de financiamento que colmatam este desencontro entre bancos comerciais e empreendedorismo com necessidade e seed capital, nomeadamente: (i) capital de risco ou venture capital (ii) business angels ou investidores anjo e (iii) mercado de capital.

Começando pelo mercado de capital, a sua inexistência até ao momento (existe bolsa em Angola que infelizmente transaciona apenas títulos de dívida) é o testemunho do atraso do nosso sistema financeiro que coloca o crédito bancário no centro do financiamento à economia, seja para o sector público como para entidades privadas. A possibilidade de listar um negócio a prazo numa bolsa sustenta a actividade do capital de risco e investidores anjo dos Estados Unidos porque é mais fácil apoiar uma ideia quando é fácil montar uma estratégia de saída e existe todo um sistema desenhado para suportar as melhores ideias, desde advogados à engenheiros e sempre subjacente a ideia que em caso de diferendos os tribunais cumprirão o seu papel e estas ideias facilitam e promovem os negócios.

Em Angola existe uma actividade minúscula de capital de risco que não tem a capacidade necessária para alavancar as milhares de ideias que não se conseguem financiar na banca e muitas das vezes este capital vem de entidades estrageiras apesar de termos entre nós um grupo de pessoas com invejável fortuna em nome próprio que na sua maioria encaixam no perfil do “marimbondo” como definiu o presidente João Lourenço quando se referia aos políticos que enriqueceram servindo-se dos cargos e capacidade de influência para aceder ao dinheiro público.

O elemento da origem da riqueza é indissociável do apetite para investimento em ideias de terceiros por duas razões principais:

  • o dinheiro ganho no mercado desenvolve o apetite para investir noutras ideias em que se acredita que podem triunfar no mercado e num país em que o grosso da classe mais afluente depende do acesso directo ou indirecto ao Orçamento do Estado para acumular riqueza, não se desenvolveu a cultura do capital de risco seja a nível colectivo como individual

  • a forma que as pessoas acumularam riqueza não só não as ensinou a valorizar os resultados do trabalho na transformação de uma ideia num negócio que passa a prova da negociação voluntária em mercado como as condiciona a envolver-se como investidores a luz da promessa de uma nova era que inibe a exteriorização de fortuna, sobretudo quando sobre esta pairam dúvidas sobre a origem honesta.

A exígua disponibilidade em Angola de capital para financiamento da fase inicial de investimento (seed capital) é só um dos obstáculos que enfrentam os nossos empreendedores num mar de horrores criados por décadas de governação não orientada para priorização dos problemas do colectivo. A qualidade da nossa educação, combinada com a falta de infra-estruturas num mundo que anda cada vez mais rápido está a afastar Angola da convergência com a modernidade, sendo que hoje registamos atrasos em algumas áreas bastante significativos relativamente aos nossos pares africanos como é o caso de pagamentos móveis, mecanização agrícola ou produção científica.

Os anos passam mas parece que o país não avança. Pelo contrário, Angola é persistentemente empurrada para trás com políticas erradas e com prevalência de um sistema deliberadamente desenhado para não responder aos anseios e reclamações dos governados. A inegável criatividade e o brio de muitos empreendedores ajuda a alimentar a esperança numa mudança de ciclo para breve, mas esta jamais ocorrerá com a manutenção da actual organização política que permite aos governantes ignorarem olimpicamente os problemas reais de Angola sem quaisquer consequências.

As contas da Sonangol e o país real

A Sonangol, a maior empresa nacional, considerando a sua abrangência e dimensão dos activos, publicou recentemente o Relatório & Contas referente ao exercício de 2020 (R&C 2020). O primeiro ano da pandemia de COVID-19 foi marcado pela quebra de expectativas e redução do consumo global que arrastaram para baixo os preços do petróleo e, consequentemente, para os resultados historicamente negativos da Sonangol. O resultado líquido negativo de Kz 2.384 mil milhões (c. USD 4,1 mil milhões) representa cerca de 6,6% (!) do PIB angolano de 2020 de acordo com estimativa apresentada pelo FMI.

Contudo, folheando o relatório, dei por mim fascinado pelo mapa que indica o número de postos de abastecimento da Sonangol Distribuidora espalhados pelo país e fui transportado para um artigo que escrevi em Fevereiro de 2015 titulado “A geografia do comércio externo angolano e a ‘luandização’ do consumo” em que procurei expor o peso desproporcional de Luanda no consumo da economia angolana.

Considerando as exportações por casas fiscais, sobressai a delegação do Soyo com exportações de $50,7 mil milhões em 2012 e $49,7 mil milhões em 2013, as exportações processadas no Soyo, no total do país, em 2012 e 2013 representaram 71,9% e 73,5% respectivamente. Cabinda ocupa o segundo lugar com 25,3% (2012) e 23,2% (2013) enquanto que Luanda aparece em terceiro lugar entre os principais portos de exportação com 2,8% (2012) e 3,3% (2013).

O contraste aparece com os números sobre as importações. Luanda aparece a cabeça com $23,1 mil milhões em 2012 e $21,4 mil milhões em 2013 (80,2% e 77,4% do total), segue-se o Lobito com 8,2% (2012) e 11,3% (2013) e depois aparece Cabinda com 5,7% (2012) e 7,4% (2013).

Na página 54 do R&C 2020 é apresentado um mapa com a dimensão da rede de postos de abastecimento (PA) e quotas de consumo que é demonstrativo do nível de desequilíbrio do consumo na nossa economia com Luanda a chamar a si 57,3% do consumo da rede da Sonangol apesar de ser a casa de 27,4% da população nacional segundo estimativa do INE (8,8 milhões de 32,1 milões de habitantes em 2021). Curiosamente as províncias integrantes da proposta de nova divisão político-administrativa estão na parte de baixo do ranking do consumo de combustíveis, o que indica a dimensão das suas economias e níveis de consumo em particular. As 5 províncias em causa respondem em conjunto por 8,1% do consumo de derivados de petróleo na rede da Sonangol que pode ser usada como proxy para o consumo nacional, uma vez que em 2020 a rede contava com 959 postos de abastecimento (Luanda com 345) e a segunda maior rede (Pumangol) tem apenas 79 postos de abastecimento.

Este mapa é mais uma ilustração de como a centralização do poder e da economia em Luanda tem criado uma país desequilibrado em que Luanda se constitui como um íman para grande parte das outras províncias que assistem a um êxodo contínuo que agrava a situação económica e afasta as perspectivas de desenvolvimento local num contexto de défice crónico de infra-estruturas e incapacidade institucional para alteração do quadro.

Na visão do governo uma reorganização das fronteiras sem alteração do modelo de governação é a solução para inverter a situação mas é pouco provável que a manutenção do modelo centralizado e centralizador que vigora com ligeiras alterações desde 1975 colocará a maior parte das províncias no caminho do desenvolvimento. Na verdade, Luanda é igualmente prejudicada pela falta de equilíbrio na distribuição da riqueza em termos geográficos porque passa a viver sob constante pressão demográfica que debilita a qualidade de vida na província.

Luanda é territorialmente uma das menores províncias do país e a sua população é 1/3 do total dos habitantes de Angola e consome, no mínimo, entre 55-70% do total consumido em Angola e estes números deveriam alimentar um debate sério sobre a forma que se está a construir Angola e como pode ser melhor aproveitado o potencial de todo o território nacional.

No R&C em que a Sonangol apresenta os seus piores resultados de sempre, foi o desequilíbrio na distribuição da riqueza em termos geográficos apresentado no mapa acima que deixou-me mais preocupado e acredito que este tema tem de passar a ser central nas discussões sobre o futuro de Angola, só espero que a sua solução não se resuma à discussão de uma nova divisão político-administrativa de mérito duvidoso como já discuti aqui.

Desemprego é uma maka séria

O Instituto Nacional de Estatística (INE) publicou há dias os números da evolução do emprego em Angola em que ficou evidente que o INE usou um artifício para suavizar a gravidade da situação do desemprego em Angola ao apresentar a queda significativa do emprego formal com números “positivos” do “emprego informal”.

Fonte: INE

O desemprego é um dos indicadores do estado de saúde de uma economia em termos globais e a destruição de empregos formais evidenciada nos números do INE é indicativa do que tem estado a ser evidenciado pela evolução do PIB que, segundo estimativa mais recente do FMI, deverá cair pelo sexto ano consecutivo. Por outro lado, a evolução dos números do emprego informal, independentemente de questões que os critérios do seu cálculo possam levantar, adiciona ingredientes para percebermos o impacto da prolongada crise económica que Angola vive.

Os dados do INE indicam que comparando com o registo de 2020 com o de 2018, foram destruídos cerca de 723 mil empregos formais com impacto visível nos níveis de consumo privado. Como Arthur Okun teorizou nos anos 1960, a redução do emprego impacta fortemente o crescimento económico até que se inicia um novo ciclo e nosso ciclo negativo tem sido prolongado. Contra nós joga a exiguidade das finanças públicas que impossibilitam a criação de programas de iniciativa pública para indução do consumo como se assiste nos países mais ricos com programas de suporte às empresas, famílias e consumo público.

Angola voltará a crescer com a melhoria do ambiente para se realização de negócios para atracção de investidores internacionais que possam colmatar a falta de capacidade de investimento interna com investimento directo estrangeiro. A alteração de quadro para uma mudança duradoura pressupõe investimento na melhoria da produtividade geral como (i) no sistema de educação, (ii) infra-estruturas que concorram para redução dos custos de contexto actuais e na (iii) operação geral das instituições públicas, designadamente o fundamental sistema de justiça.

A quebra do ciclo que parece ser auto-alimentado poderá levar algum tempo porque mesmo que a economia registe um crescimento em 2022 como estima o FMI a dimensão deste crescimento será insuficiente para recuperação dos níveis de emprego de 2013, por exemplo.

A degradação económica contínua conduz invariavelmente à destruição de empregos e o prolongar da recessão económica propicia o início de um processo de empobrecimento acelerado com sérias consequências sociais e políticas, por exemplo, crises económicas prolongadas costumam favorecer a oposição em processos eleitorais democráticos.

A falta de dinamismo da nossa economia coloca-nos a espera de um elemento externo de grande impacto para inversão acelerada do ciclo, sendo que a alternativa passa por um longo período de decréscimo que dá lugar ao crescimento nulo ou muito tímido com ganhos marginais na geração de emprego que, em última análise, suporta o consumo que joga um papel importante em qualquer recuperação económica. Até lá, adivinha-se que o angolano continue a penar pela falta de emprego numa economia que encolhe ano após ano e sem qualquer rede de suporte social para acudir a miséria.

A corrupção continua a bloquear a democratização de Angola

A TPA voltou a carga com a sua série de reportagens sobre a corrupção em Angola. As novidades não são o forte do conteúdo apresentado pela TPA, o elemento diferenciado é ser a TPA a apresentar estes casos que envolvem figuras relevantes da política nacional como políticos e seus familiares, altas patentes militares e outros servidores públicos.

O timing e formato das reportagens deixam espaço para questionarmos as intenções da TPA que parece estar a cumprir o papel de porta-voz de uma agenda política que procura responder à pressão social por resultados da luta contra corrupção. Contudo, é inegável que pela abrangência da TPA em Angola (muito maior do que a Internet ou livros) constitui um marco na exposição dos principais actores dos casos de corrupção que há décadas bloqueiam o país em diferentes dimensões.

Ainda assim, temo que se esteja a perder o foco do combate a corrupção e está em curso uma tentativa de reduzir o dito combate à um elemento propagandístico que está a falhar grosseiramente no que se espera do combate aos crimes financeiros: punição dos prevaricadores e recuperação dos meios obtidos ilegalmente.

Os números da recuperação de activos demonstram isto mesmo quando o ministro Adão de Almeida que anunciou em Nova Iorque que foram recuperados até agora cerca de 5,3 mil milhões de dólares em activos mobiliários e imobiliários (cuja avaliação vale o que vale) e nas reportagens da TPA desta semana foram reportadas transferências em negócios que envolvem o estado de valores muito acima disto, incluindo uma soma que supera mil milhões de dólares em transferências ao exterior iniciadas por um major que trabalhava na presidência que foi apanhado com quilos de dólares, euros e kwanzas.

Num país em que as pessoas morrem todos os dias por doenças evitáveis com melhores políticas públicas (como urbanização para eliminação dos habitats de mosquitos) e tratáveis com medicação barata é uma afronta estarem a ser reportados estes valores e existir tão poucos activos recuperados e não haver sinal de responsabilização criminal à dimensão do universo de corruptos e do volume de meios envolvidos.

Como defendi aqui no passado, a corrupção endémica é uma derivada da impunidade que acompanha a história do nosso país que tem sido governado pelo MPLA desde 1975 e cuja filosofia de actuação política está alinhada com a lógica maquiavélica “aos amigos favores, aos inimigos a lei”. Infelizmente, a história mostra que é insustentável construir uma nação com tal nível de desequilíbrio na justiça porque favorece o abuso de poder e a corrupção e a longo prazo bloqueia reformas necessárias para correcção do trajecto como parece estar a ser o caso entre nós porque em todas as alas do MPLA militam figuras manchadas pela corrupção e este facto limita o compromisso com o combate isento à este crime porque potencialmente pode ser auto-destrutivo.

A prosperidade experimentada por Angola na década de 2000 e na primeira metade da década de 2010 foi sempre suportada por elementos exógenos, quase que independente de decisões políticas que nunca foram orientadas para construção de uma economia diversificada e na democratização real do país.

As escolhas políticas, visivelmente erradas a partida, estiveram na base do descalabro económico em que se encontra o país e a resistência em empreender mudanças no sentido de maior fiscalização e equilíbrio de poderes (incluindo dos cidadãos para influenciar as decisões políticas) está a bloquear o país e não permite, por exemplo, que o combate à corrupção resulte na recuperação mais expressiva de activos.

Angola precisa de eliminar os poderes excessivos e ilhas de intocabilidade no serviço público para acabar com a iconoclastia anacrónica da nossa sociedade que é caracterizada por políticos milionários que governam os destinos de uma sociedade extremamente desigual e com uma vasta maioria de pobres, despidos de poderes para influenciarem o seu destino de forma efectiva pela ineficiência deliberada do sistema democrático implementado no país mais para satisfação dos interesses do MPLA do que para construção de uma nação livre, democrática e com potencial de geração de prosperidade sustentada pelo engenho e livre interação dos cidadãos.

A proibição de produtos pré-embalados é mais um erro

O Ministério da Indústria e Comércio (MIC) vai proibir a partir de Julho de 2021 o licenciamento da importação de 15 produtos da cesta básica no formato pré-embalado e a proibição efectiva da importação destes produtos pré-embalados sentir-se-à no princípio de 2022 segundo o decreto executivo n.º 63/21 de Maço.

O racional da medida do MIC passa pelo fomento da indústria de embalamento angolana, permitindo assim a importação dos mesmos produtos em sacos a granel (big bags) e com previsão de redução dos preços para o consumidor final de acordo com um consultor do MIC.

A medida está em linha com o histórico de iniciativas governamentais de fomento industrial centralizadas no protecionismo que vezes sem conta fracassaram, sobretudo se considerarmos os seus efeitos como a criação de músculo industrial nacional, aumento da produção e redução dos preços.

Aparentemente, a base destas medidas é um equívoco que inexplicavelmente continua actual no seio dos nossos decisores políticos: o problema da nossa baixa produtividade industrial resolve-se com a eliminação da concorrência externa. Esta linha de decisões criou, por exemplo, uma indústria cimenteira ineficiente que entrega ao mercado um produto caro que prejudica 30 milhões de habitantes e beneficia meia dúzia de industriais (ou já nem isso).

Os problemas de produtividade da indústria angolana não podem ser dissociados da falta de infra-estruturas de base de qualidade que deveria ser o foco da governação angolana há décadas que por falta de solução satisfatória o governo angolano tende a abraçar expedientes deste tipo que apresenta como apoio à indústria nacional. O mais grave é que os industriais angolanos tendem a abraçar entusiasticamente estas medidas da mesma forma de demitem-se a seguir da pressão necessária ao governo para que sejam feitos os investimentos na distribuição de energia e água, na construção de estradas de qualidade e caminhos de ferro com utilidade, assim como na formação das pessoas.

Por norma, os produtos a granel são mais baratos que os produtos em formato pronto para comercialização a retalho mas isto não significa que quando empacotados em Angola serão mais baratos para os nossos consumidores porque para isso a nossa indústria de empacotamento teria que ser mais eficiente que a estrangeira. Ademais, é muito provável que alguns destes produtos venham a sofrer na qualidade como é exemplo com açúcar de produção e empacotamento nacional que apesar de ter menos qualidade que o importado não apresenta vantagens de preço evidentes.

Assim, o que se pode esperar desta medida é uma redução da oferta e consequente aumento dos preços e uma provável quebra na qualidade dos produtos. Um grupo restrito de industriais nacionais deverá experimentar um crescimento no seu negócio às expensas da maioria que passará a comprar produtos de menos qualidade e mais caros.

Menos quantidade importada ou mesmo de disponibilizada pelos produtores domésticos deverá naturalmente aumentar os preços dos comerciantes o que poderá impactar negativamente o volume de negócios das empresas do comércio e eventualmente a redução da capacidade de empregabilidade destas empresas que o governo acredita que será compensada por aumento de empregos na indústria.

Por outro lado, a medida vai na contra-mão do discurso do governo que anda a dizer aos quatro cantos que (i) está comprometido com as zonas de comércio livre da SADC e de África e (ii) com a subida asfixiante dos preços dos produtos da cesta básica. Como é óbvio, o protecionismo não coaduna com medidas de redução dos preços e amigas do comércio externo que não se limita a exportar porque comporta a componente da importação.

O nosso governo parece estar a seguir o princípio de List que defendia o protecionismo como um caminho para se chegar ao livre comércio que seria o objectivo. Contudo, mais uma vez, espero pelo melhor apesar de estar à vista o pior.

Autarquias: a saga que precisa de um fim em 2021

Angola é um caso raro de poder local centralizado em África (e no mundo) e ao fim de 20 anos no século XXI continuarmos a apresentar um sem número de razões para não realizar um acto que não é novidade para humanidade há séculos é injustificável. Uma nação que em pleno século XXI encontra na criação do poder local democrático uma tarefa hercúlea está a passar a si mesma um triste diploma de incapacidade.

No nosso caso particular, o modelo existente tem falhado há décadas na provisão dos mais básicos serviços aos cidadãos, na preservação elementar de espaços públicos, manutenção de vias de comunicação e criação de sistemas de mobilidade eficientes (vem aí o metro de Luanda, numa inicitiva do governo central que apoio e espero que cumpra com os objectivos). O modelo anacrónico de gestão que atribui o poder à um governador nomeado de forma centralizada que governa cidadãos sem poderes para de forma efectiva influenciarem a governação está na base da ineficácia governativa que gera cidades sujas, mal iluminadas, com défice crónico de infra-estruturas e a operar sistematicamente abaixo do seu potencial.

As eleições autárquicas deveriam ter acontecido em 2020 mas estamos a entrar em 2021 com incertezas quanto a sua realização como transpareceu a comunicação do presidente João Lourenço no encontro que manteve com os jovens, nas sequência de manifestações que, dentre outras questões, reclamavam pela institucionalização das autarquias em Angola. O PR alega que é incapaz de prever a compleição e aprovação dos dispositivos legais necessários para realização das eleições e estabelecimento do poder local democrático e o que não percebo é a inexistência de uma data limite para tal acto que force a negociação entre os partidos representados na Assembleia Nacional para que se chegue à um acordo e que se avance finalmente para uma alternativa ao modelo actual.

As eleições autárquicas deveriam ser uma prioridade para qualquer pessoa interessada em alterar o estado das coisas em Angola, não serão de forma alguma a panaceia para todos os nossos problemas (que são muitos) mas se criadas sob as regras minimamente exigidas como (i) eleição de quem governa por sufrágio dos constituintes, (ii) equilíbrio de poderes entre o executivo e a assembleia local, (iii) capacidade de influência dos eleitores durante o mandato e (iv) garantia de que não existem intocáveis perante a lei poderá ser criado o desejado ambiente em que a pressão social e da oposição combinadas com o engenho e empenho da governação geram resultados tendencialmente alinhados com o interesse comum, sob pena dos mandatos dos governantes não serem renovados ao fim do mandato ou mesmo interrompidos durante a sua vigência.

Um poder local pressionado pelos eleitores será forçado a ser criativo e encontrar soluções à todos os níveis. Se o município tiver desafios que não cabem nas suas finanças o governante deverá encontrar o equilíbrio entre a tributação local e a negociação junto do governo central por mais fundos, se as estradas do município estiverem degradadas e forem da responsabilidade das autoridades locais a mensagem chegará mais rápido e a pressão social empurrará o executivo para  soluções de forma expedita para evitar a degradação da sua popularidade, que é uma divisa relevante para um político em regimes democráticos.

A concorrência e o efeito imitação entre localidades autonomamente governadas, sobretudo por governantes eleitos, tem historicamente um impacto positivo apesar de ocasionalmente contribuir para o endividamento excessivo ou para a construção de infra-estruturas com utilidade socioeconómica duvidosa. Por exemplo, se o município de Viana tiver um executivo voltado para recuperação e construção de espaços verdes que mude a cara da localidade e nos municípios vizinhos como Cazenga e Kilamba Kiaxi os jardins estivem maltratados, a pressão das realizações de Viana poderão empurrar os governantes dos municípios vizinhos para o mesmo caminho, o mesmo acontece com a disponibilização de equipamentos sociais e culturais como piscinas municipais, espaços para prática multidisciplinar de desporto, salas de teatro ou a simples iluminação e pavimentação das ruas.

Outro elemento relevante na eleição de um titular do poder executivo local em detrimento de um governante nomeado centralmente é o carácter concorrencial e, por norma, voluntário do acto eleitoral. O candidato às eleições, pela natureza da disputa eleitoral é obrigado a preparar-se, conversar com os eleitores e produzir um programa minimamente pensado num processo de constante enriquecimento do seu conhecimento sobre a circunscrição que pretende governar. Por seu turno, no modelo actual os governadores são quase sempre nomeados sem previamente terem um programa de governação e assumem o cargo com conhecimento muitas vezes superficial da localidade para a qual são enviados para liderar e, pior, esta nomeação acontece sem que tenha havido qualquer manifestação voluntária da vontade de governar a localidade o que transforma o modelo actual alinhado com uma governação militar em que o chefe ordena e o soldado cumpre. Este modelo é globalmente adoptado pelos exércitos do mundo, o que sinaliza algum sucesso na sua adopção para a vida castrense mas a nível da governação local é uma raridade e infelizmente Angola integra este grupo das aberrações.  

A panóplia de insuficiências do modelo actual e todos os expectáveis benefícios para o comum cidadão da mudança não impedem que a disputa política desemboque num exercício de avanço lento e tentativo para democratização do poder local, sobretudo, porque a força hegemónica da política angolana – o MPLA – tem grande aversão à qualquer forma de redução do seu poder e tem se revelado no maior travão para institucionalização do poder local apresentando em todas as oportunidades um leque de dificuldades que alegadamente atrasam a implementação das autarquias.

Que 2021 seja um ano de mudança real na forma de gestão das nossas localidades e que esta mudança se revele uma injecção de democracia para todo o sistema político nacional e que o nosso país avance decididamente para mudanças consequentes na vida da maior parte dos cidadãos que habitam este país adiado há demasiado tempo.