Corredor do Lobito: minerais, agricultura e diversificação de exportações

O Corredor do Lobito é a designação atribuída a zona de influência a volta da linha-férrea que separa o porto do Lobito em Benguela e o Luau no Moxico, localidade fronteiriça entre o leste de Angola e a região sul da República Democrática do Congo que tem longa e contínua história com a produção de metais estratégicos como cobre e cobalto. Contudo, esta linha-férrea concebida por Robert Williams e concretizada num projecto liderado por este escossês no princípio do século XX que já tinha como objectivo primordial ligar as minas de cobre de Katanga na antiga colónia belga que se tornou na RDC com o porto do Lobito, abrindo assim uma rota mais rápida para exportação para os países da Europa e Américas que partilham connosco o oceano Atlântico.

A saída pelo Atlântico via Lobito da produção mineira do Cinturão do Cobre (Copperbelt) na RDC e Zâmbia deixou de ser viável com o agudizar da guerra civil em Angola nos anos 1980. Com o reestabelecimento da segurança a partir de 2002 as condições de viabilização reapareceram mas a linha reabilitada por empresas chinesas na década de 2010 não conseguiu recuperar o seu lugar entre as alternativas para exportação de metais preciosos de regiões sem acesso ao mar na África Central e Oriental, num mundo com uma geografia do comércio externo muito diferente de 1902 quando Robert Williams formalizou com Portugal a concessão de 100 anos dos CFB.

Valor e geografia do comércio externo da RDC (c. 74% exportado para Ásia)

O modelo adoptado após a retomada da ligação entre o Lobito e Luau e com extensão para os países vizinhos por via de parcerias não teve sucesso e o governo angolano abandonou a modalidade de gestão 100% pública do empreendimento e voltou ao modelo do início do século XX concedendo por 30 anos a exploração do transporte de carga à três empresas europeias que formaram a Lobito Atlantic Railway (LAR) cujas necessidades de investimento vão ser colmatadas com capitais próprios e, sobretudo, financiamento vindo de entidades de financiamento dos países do G7 que pretendem usar o Corredor do Lobito como poster boy de um novo compromisso com o desenvolvimento do continente africano, ideia reforçada várias vezes pelo presidente dos Estados Unidos Joe Biden na sua recente visita a Angola.

Foto: Angop

Na sequência da visita de Biden surgiram na Internet alguns comentários carregados de ceticismo que, dentre outras coisas, apontavam para repetição da lógica colonial de exportação de matérias-primas e com impacto reduzido nas populações da região. Estes comentários correctamente apontam que os países do G7 procuram com esta iniciativa assegurar o fornecimento de matérias-primas chave para transição energética mas ignoram que existem projectos paralelos para fomento da agricultura nas províncias angolanas na esfera do Corredor do Lobito e o melhor exemplo é o Cluster do Abacate que envolve financiamentos do Banco Mundial e de entidades dos Países Baixos cuja embaixada em Angola coordena uma série de acções que se espera que culminem, no médio prazo, com a utilização da Plataforma Logística da Caála como base para exportação de abacate produzido em Angola para Roterdão (Países Baixos) via Lobito.

A possibilidade de utilização da região centro-sul, nesta primeira fase, como base par produção agrícola destinada à exportação cria uma grande oportunidade para o desenvolvimento agrícola empresarial e fomento da agricultura familiar em Angola uma vez que, funcionando, o cluster do abacate pode ser facilmente replicado com outras culturas tropicais.

A LAR tem estado a reportar o aumento do transporte de carga para RDC e a empresa ambiciona fazer 6 viagens por dia para a RDC quando tiverem concluídos os investimentos necessários para garantir a qualidade da linha e a capacidade de transporte de mercadorias, com impacto na segurança no transporte de pessoas, cujas locomotivas continuam a ser operadas pelos CFB. Caso seja concretizado este projecto, os produtores de alimentos da região podem igualmente exportar para RDC e os produtores industriais ao longo do Corredor do Lobito, em particular de Benguela, passam a ter mais condições para servir o mercado de um país com cerca de 102 milhões de habitantes (6 milhões na província de Katanga).

Sendo a província de Benguela produtora de cimento e bebidas (como cerveja) o mercado do Congo fica mais fácil de alcançar, sendo que não é expectável que as barreiras impostas pela burocracia e grupos de pressão na fronteira do Luvo se repitam nos entrepostos ferroviários que ligam os dois países.

Adicionalmente, é importante acrescentar que existem projectos de exploração de metais estratégicos no leste de Angola que também poderão beneficiar da linha-férrea em questão, provavelmente com a necessidade de novos investimentos em ramais não previstos na linha original. No presente, algumas províncias do leste do país já estão a receber combustíveis pelo Corredor do Lobito e os investimentos para melhorar a segurança da linha beneficiam estas regiões.

A procura global por cobre, cobalto, coltan e outros minerais que abundam, sobretudo, na RDC e na Zâmbia deverá se manter robusta nas próximas décadas para realização da aprojectada transição energética e os portos de escoamento das regiões encravadas deverão continuar com grande procura, sendo que o porto do Lobito se apresenta como o mais próximo. Contudo, o Corredor do Lobito se estende por uma região com grande potencial agrícola que não pode ser negligenciado pela expectativa de se poder tornar no catalisador de um desenvolvimento e crescimento económico mais abrangente.

Mais uma vez Angola tem diante de si uma oportunidade para transformar potencial em realidade e o desafio é contrariar o histórico de oportunidades desperdiçadas e aproveitar a infra-estrutura para potenciar o comércio regional e exportações por via do Atlântico. O sucesso da concesssão à LAR poderá também incentivar a adopção do mesmo modelo nas outras linhas em Angola, em particular a CFM cuja qualidade da linha tem se revelado abaixo do nível necessário para utilização mais regular por parte das empresas que exploram ferro gusa no Kuando Kubango.

CFB, 48 horas do Lobito ao Luau?

Caminho-de-ferro de Benguela, do Lobito ao Luau
Caminho-de-ferro de Benguela, do Lobito ao Luau

Criar infra-estruturas que tornam o transporte de pessoas e mercadorias mais eficiente e barato é uma condição de base para se desenvolver um país. Não sei se a viagem “inaugural” entre o Lobito e o Luau (1300 km) foi mais longa do que o normal mas se 48 horas para ligar o Porto do Lobito a vila do Luau no Moxico for a norma, tenho muitas dúvidas sobre a eficiência do projecto. Em 2015, um percurso de 1300 km tem de ser feito em menos de 24 horas porque se para as mercadorias já é puxado para as pessoas é inadmissível.

Parece que muitos investimentos públicos realizados em Angola têm como principal missão a realização de um acto de “corte da fita” e as questões sobre a operação pós-inauguração tendem a ser negligenciadas. Muitas vezes vemos grandes investimentos órfãs de um estudo de viabilidade que possa validar a necessidade da realização de tal investimento. Por exemplo, o Luau, terra de menos de 90 mil habitantes vai ganhar também um aeroporto “internacional”, será que era urgente nesta fase? Será que o aeroporto inaugurado em Ndalatando em 2012 serve melhor a cidade do que uma auto-estrada Luanda-Dondo-Huambo? Será que o aeroporto do Luau serve melhor o país do que a inexistente auto-estrada Luanda-Benguela-Lubango?

Desenvolver não é fácil e com recursos limitados é mais difícil ainda. É um exercício que exige sentido de missão e serviço público, sensibilidade social e competências sobre desenvolvimento económico.

Criar uma infra-estrutura que pouco serve a sociedade não é investir. É fundamental definir prioridades e escolher em conformidade.