A economia angolana 50 anos depois | O que era pouco antes da independência [Parte 1]

Largo da Mutamba na década de 1960, Luanda

Os primeiros contactos entre portugueses e povos que séculos depois passaram a ser colectivamente conhecidos como angolanos, começaram em 1482 quando uma expedição comandada por Diogo Cão chegou a foz do rio Zaire no Soyo. A relação evoluiu ao longo dos anos tendo sido dominada nas primeiras décadas pela diplomacia entre os reinos de Portugal e do Congo, sendo que este acabou por ser absorvido pelo que se tornou na Colónia de Angola, período em que a relação entre os reinos já tinha passado a ser caracterizada pelo domínio indirecto e exploração. A colónia começou a sua longa consolidação em Janeiro de 1576 com a fundação de Luanda por Paulo Dias de Novais. Quase 400 anos depois, do dia 11 de Novembro de 1975 três movimentos que combateram com armas o colonialismo português declararam separadamente a independência de Angola.

Em Novembro de 2025 serão celebrados 50 anos de independência de Angola e com este artigo (primeiro de três), em jeito de reflexão, buscarei avaliar a evolução da economia de Angola nos últimos 75 anos, começando por apresentar uma fotografia do que era esta circunscrição 15 anos antes da independência e o que é o estado da economia angolana em 2025.

No final da década de 1940 e início da década de 1950 vários movimentos culturais e sociais começaram a politizar as suas intervenções públicas no que era na altura a colónia de Angola, advogando pela revisão das relações entre africanos e pessoas de origem europeia que persistentemente não evoluíam para um plano de igualdade de tratamento e oportunidade. A ausência de respostas das autoridades sedeadas em Luanda e Lisboa alimentaram o extremar das posições que culminou com o início da luta armada do período pós segunda guerra mundial.

O sector agrário, que na primeira metade do século XX experimentou um forte crescimento com sisal, algodão, café e outros produtos de exportação era igualmente palco para contínuos abusos contra trabalhadores rurais africanos e revelou-se num espaço fértil para reivindicações contra o poder colonial, sendo que o ano de 1961 acabou por ser o mais consequente com eventos que cumulativamente despoletaram a guerra pela independência de Angola, referida na historiografia portuguesa como “guerra colonial”. 

Em Janeiro de 1961 as reivindicações na Baixa de Cassange acabaram em massacre de milhares de produtores agrícolas que protestaram contra os preços baixos impostos pelo comprador único de algodão (COTONANG), mas no quarto dia do mês seguinte Luanda testemunhou uma revolta que buscava a libertação de presos políticos, em particular os condenados no “Processo dos 50”. Após dois meses com eventos explosivos em Malanje e Luanda as autoridades portuguesas foram surpreendidas por ataques violentos às fazendas no norte de Angola que tiveram início a 15 de Março e António de Oliveira Salazar ordenou uma resposta extrema e rápida com a frase “para Angola, rapidamente e em força”. 

Paralelamente a resposta militar aos pedidos de reforma e justiça das populações africanas, o governo metropolitano em Lisboa deu início a uma era de maior abertura ao investimento estrangeiro em indústrias-chave, incluindo a exploração e refinação de petróleo, e expandiu a produção agrícola e transformação de alimentos primários. O crescimento económico foi o resultado imediato e na década de 1960 Angola vivia em guerra mas experimentava igualmente a aceleração do desenvolvimento económico que seguia o mesmo padrão dos quatro séculos antecedentes: aumento da riqueza e melhoria da condição social da classe minoritária (europeus e brancos euro-descendentes) às expensas da maioria (africanos) que embora tenham registado melhorias sociais, continuavam em grande medida a ser tratados como cidadãos de segunda classe na sua própria terra, uma dinâmica que de forma alguma reduzia a aspiração de viver numa Angola independente do poder colonial e mais inclusiva.

Com efeito, a década de 1960 (como escrevi aqui em 2015) foi aquela em que a então colónia de Angola registou o maior crescimento no longo e transformador século XX com destaque para o crescimento exponencial da indústria extractiva que por ser intensiva em capital esteve refém da incapacidade financeira de Portugal e dos princípios do Acto Colonial de 1930 que priorizavam a produção de matérias-primas para alimentar as indústrias da metrópole e limitavam a importação de manufacturas e o investimento de países terceiros.

Fonte: “Pacto colonial e industrialização de Angola (anos 60-70)” de Adelino Torres

A economia herdada pelos movimentos independentistas, em particular o MPLA, que a meio da década de 1970 assumiu os destinos de Angola como país independente, começou a ser construída em 1960 e combinava um consolidado sector agrícola, indústria transformadora em expansão contínua e afirmação da indústria extractiva. Com os primeiros sinais na década de 1950, o país também experimentou na década de 1960 um boom imobiliário nas principais cidades como Luanda, Huambo (Nova Lisboa), Benguela e Lubango (Sá da Bandeira) que ajudou a sustentar o crescimento da banca e também de indústrias associadas a construção civil que beneficiou igualmente da expansão da rede de infra-estruturas.

O petróleo começou a assumir algum protagonismo no final da década de 1960, mas Angola conservava ainda um tecido produtivo diversificado com vários sectores em consolidação ou com produção em expansão como era o caso da agricultura, pescas, produção de bebidas e alimentos, tabaco, exploração florestal, papel e derivados, cimento, produtos químicos e o nascer de indústrias anteriormente bloqueadas para benefício da produção de Portugal como têxteis e calçados.

Fonte: “A evolução económica de Angola durante o segundo período colonial” de Nuno Valério e Maria Paula Fontoura

O fomento industrial em Angola da segunda metade do século XX resultou da necessidade de resposta a diferentes fenómenos, como o fim do condicionamento industrial na colónia que foi desenhado para proteger as indústrias da metrópole, mas acabou por ter um efeito nefasto na balança de pagamentos da colónia que levou à adopção de uma política de industrialização para substituição das importações. Com o eclodir da guerra a necessidade de aceleração do desenvolvimento e criação de emprego na colónia como contrabalanço das revindicações da maioria colocou o fomento industrial no centro da política colonial. Contudo, com a abordagem de substituição de importações, a indústria transformadora local servira essencialmente as necessidades internas uma vez que os bens primários continuaram a dominar as exportações, com crescimento exponencial do petróleo que em 1969 representava apenas 5% das exportações e na véspera da independência em 1974 já era responsável por 51% das exportações.

Fonte: “Pacto colonial e industrialização de Angola (anos 60-70)” de Adelino Torres

A característica de exportações dominadas por matérias-primas e quase sem qualquer produto transformado em Angola prevalece ainda hoje, com a agravante de ser quase tudo petróleo bruto como já acontecia 10 anos após a independência com mais 90% das exportações que resulta da combinação do aumento da produção de petróleo com a destruição quase absoluta da capacidade de produção agrícola orientada para a exportação como é o caso do café e do algodão. A produção agro-pecuária, pelas suas características é particularmente difícil de ser executada com sucesso em tempos de instabilidade e a combinação de centralismo político e guerra civil que se seguiram após a independência ditaram o declínio da generalidade da indústria transformadora angolana, com a excepção da produção de cerveja que manteve considerável resiliência ao longo de todo período pós-independência incluindo os anos de guerra.

Em resumo, Entre 1950 e 1960 a economia da Angola colonial experimentou alguma expansão com o aumento de exportações agrícolas e viu – na primeira parte da década de 1960 – o ritmo do crescimento acelerar com a adoptação de algumas políticas económicas mais liberais no seguimento do agudizar da luta contra o colonialismo e em 1973, apesar do crescimento da representatividade do petróleo nas exportações, a colónia tinha uma economia diversificada com indústria ligeira e pesada em consolidação e com maior robustez do sector financeiro e de seguros.  Apesar dos 14 anos de guerra, do ponto de vista económico, os guerrilheiros que deixaram Angola na primeira metade da década de 1960 encontraram em 1974 uma Angola melhor estruturada para construir prosperidade no pós-independência, mas como sabemos as infra-estruturas são apenas uma parte da equação que demanda muitas outras variáveis para que se alcance o resultado desejado e por melhor que seja o hardware o bom desempenho é função da qualidade do software que potencia a estrutura física. 

Portugal deve compensar as ex-colónias pela ocupação e escravatura?

Segundo foi reportado, o presidente de Portugal – Marcelo Rebelo de Sousa – num encontro com representantes da imprensa estrangeira em Portugal sugeriu que o seu país deveria pagar reparações às antigas colónias pela ocupação e pela escravatura. Desconheço a profundidade em que abordou o tema, mas segundo uma peça da Reuters o presidente Rebelo de Sousa sugeriu que a implementação da sua sugestão poderia passar pelo perdão da dívida de antigas colónias ou mesmo a concessão de financiamentos.

A compensação ou reparação associada a escravatura é um tema muito discutido em alguns países da Europa com passado colonial e sempre circundados de polémica e reconhecendo a diversidade da história de exploração dos países africanos, sempre achei a intenção de difícil execução tão simplesmente porque o prazo para uma execução satisfatória está vencido há mais de 100 anos no caso da escravatura e algumas décadas no caso da ocupação colonial pós Conferência de Berlim.

Ainda vamos a tempo?

Quando a escravatura foi abolida no Brasil, em 1888 a discussão a volta das indemnizações tinha como sujeito os detentores de escravos para quem foram previstas medidas compensatórias que passavam por indemnizações ou a extensão do período de usufruto da mão-de-obra escrava dos filhos de “ventres livres”. O que não aconteceu naquele momento foi a compensação dos escravos libertos ou dos descendentes de escravos e aquele era o momento mais fácil para executar (pelo menos localmente) qualquer reparação directa às vítimas vivas da escravatura.

E os outros envolvidos no comércio de escravos?

As sociedades escravocratas africanas do período do comércio transatlântico eram complexas com envolvimento de vários actores na comercialização desumana de pessoas, incluindo soberanos e comerciantes africanos e esta realidade cria espaço para que se questione quem deverá compensar quem, ainda que seja óbvio que em sociedades ocupadas a responsabilidade pelas decisões governativas recaem sobre maioritariamente sobre a força ocupante.

Que camisola vestirá o Brasil?

Admitindo um possível programa de reparação liderado por Portugal é igualmente legítimo ser discutido se o Brasil deverá ser colocado no lugar de vítima a compensar ou se será um compensador com Portugal, porque o Brasil pós independência se manteve como principal sociedade escravocrata da época e tinha em Angola a sua principal fonte de mão-de-obra escrava e, por esta razão, o território que é hoje Angola foi o que mais gente viu partir para as Américas entre os seus pares africanos e o Brasil foi de longe o maior destino de escravos nas Américas.

E os museus, é tudo a mesma coisa?

Um tema comum na questão das reparações é o espólio dos museus, em particular na Europa, que foram muitas das vezes construídos com a subtração forçada e violenta de artefactos de povos ocupados. Neste campo, o mais avisado é procurar investigar a forma de obtenção dos referidos artigos uma vez que a história colonial dos países (como colono ou colonizado) é diversa e a aplicação uniforme de regras para recuperação ou reparação pode atropelar a história. Por exemplo, existem registos de várias trocas voluntárias entre povos de diferentes nações do que é hoje Angola com portugueses que envolviam artefactos de marfim ou outras peças representativas da arte e riquezas africanas, mas é igualmente conhecida a história do saque violento dos bronzes do Benim por parte de uma “expedição punitiva” britânica naquele território que é hoje parte da Nigéria, boa parte do espólio continua em exibição ou guardado no British Museum em Londres e é fácil defender e até executar o retorno das peças.

E o passado próximo?

Em resumo, montar um modelo de reparação para as vítimas da escravatura no universo da CPLP (ou noutros) é complexo. Contudo, ocorreram alguns eventos bem mais próximos do presente cujo caso para instituição de reparações poderá ser de mais fácil materialização, em particular, acções militares do Estado Novo português na guerra pelas independências que resultaram em massacres e assassinatos cujas vítimas e seus descendentes são muito mais fáceis de identificar.

A sul de Angola, por exemplo, após anos de discussão a Alemanha aceitou em 2021 avançar com reparações ao povo namibiano após reconhecer ter cometido um genocício contra os Hereros e Nama entre 1904 e 1908, uma história magistralmente contada por David Olusoga no livro “Kaiser’s Holocaust: Germany’s Forgotten Genocide and the Colonial Roots of Nazism”.

Será que as reparações terão o impacto desejado?

A maior parte dos países que formam os PALOP vive com grandes insuficiências a nível institucional que resultam em problemas sócio-económicos que não só não serão resolvidos com qualquer acto de reparação de iniciativa portuguesa como podem limitar o impacto de qualquer compensação pecuniária e este é um facto que não pode ser ignorado.

Independentemente de tudo, vale sempre a discussão

No meio da polémica que o tema levantou em Portugal, mais uma vez foi dado algum espaço na comunicação social portuguesa para uma discussão mais aberta sobre o passado colonial português que está longe de ser tão rosado como uma franja da sociedade portuguesa defende, apesar de a mim não ser um choque que continue a ser fonte de orgulho e inspiração para Portugal como defendi no artigo “Portugal e a celebração no presente de um passado complexo” publicado neste blogue.

O desafio reside na diversificação das exportações

O maior desafio da economia angolana é a diversificação. Mais do que fazer crescer e diversificar o tecido produtivo, Angola precisa de diversificar as suas exportações.  Antes do fim do tráfico de escravos na segunda metade do século XIX, o comércio de pessoas escravizadas dominava as exportações angolanas, onde figuravam igualmente alguns metais e marfim. No século XX o Estado Novo português comprometeu-se com uma nova abordagem colonial apostando primeiro na agricultura e, depois do extremar de posições em 1961 , apostou na indústria transformadora e extractiva com forte participação de investimento externo.

A nova abordagem da política colonial que visava contrapor algumas revindicações que conduziram à guerra de libertação nacional significou o levantamento de barreiras que protegiam a economia da metrópole que permitiram o fomento industrial em Angola. A política do Estado Novo falhou o objectivo desejado pela maioria (autodeterminação política, integração económica e melhor distribuição das oportunidades e da riqueza) mas o aumento do investimento na indústria transformadora, indústria extractiva, sector financeiro e crescimento do consumo suportaram um período de crescimento económico apreciável entre 1961 e 1974.

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Fonte: “A evolução económica de Angola durante o segundo período colonial – uma tentativa de síntese” (de Nuno Valério e Maria Paula Fontoura in ‘Análise Social’)

Durante a década de 1960 as exportações angolanas eram dominadas por produtos agrícolas (café, algodão, sisal) sendo que os investimentos no sector extractivo começaram a alterar a estrutura do PIB e das exportações apenas no final da década. Com efeito, em 1969 os diamantes já valiam 20% da carteira de exportações, o petróleo representava 5% e o café ainda dominava com 35%.

O reinado do petróleo começou a ganhar forma pouco antes da independência nacional sendo que em 1974 já representava 51% das exportações. Em 1979, quatro anos após a independência as exportações de petróleo ocupavam 72% da carteira do que vendíamos para o exterior, quando a guerra civil e o modelo de economia centralizada estavam já a produzir os seus efeitos nocivos na indústria transformadora e na agricultura.  14 anos após à independência, em 1989, as exportações de petróleo já representavam 94% das exportações totais de Angola.

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Desde 1984, as exportações de petróleo têm representado de forma sistemática mais de 90% das exportações de Angola, ou seja, há mais de 3 décadas que diferentes iniciativas e intenções têm fracassado o objectivo de diversificar as nossas fontes de divisas.

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Fonte: ONU, International Trade Statistics, INE

Ao longo da sua história como nação independente, Angola não tem conseguido diversificar a sua economia. O país é praticamente refém de um sector cuja produção e preço são dependentes de factores externos. Nos últimos anos, vários sectores têm vindo a apresentar interessantes taxas de crescimento, como comunicações e serviços financeiros mas a produção de bens continua a ser baixa e as exportações tanto de serviços como de bens feitos em Angola fora do sector petrolífero é quase zero.

Todos os sectores continuam muito colados à saúde do sector petrolífero. Por isso, falar em “economia não-petrolífera” em Angola é um exercício exótico porque a economia continua a ser rebocada pelo ouro negro. Quando o preço do petróleo baixa para níveis indesejados para as nossas aspirações reduz-se o influxo de divisas que implica menos capacidade para gestão da taxa de câmbio por parte do BNA, as importações ficam mais caras, o Estado arrecada menos receitas fiscais e, consequentemente, vê diminuída a sua capacidade de realizar despesa pública incluindo despesa de capital. Com menos dinheiro na economia, os bancos emprestam menos, as empresas vendem e investem menos e reduzem o seu pessoal, com menos emprego e rendimentos nas mãos dos angolanos o consumo privado retrai. A redução do consumo privado é igualmente afectada pela saída em massa de estrangeiros, sectores como imobiliário, hotelaria e restauração são particularmente afectados pelo “êxodo de expatriados” porque a triste estrutura da nossa economia implica que os rendimentos de grande parte dos nacionais não combinam com os níveis de preço dos hotéis e restaurantes.

Angola precisa de maior abertura, atacar os problemas que fragilizam o ambiente de negócios como a burocracia, o proteccionismo, a corrupção, os oligopólios apadrinhados pelo Estado, o sistema de justiça pouco confiável e as debilidades a nível da formação de pessoas. Ademais, é urgente repensar e acelerar a integração regional e criar um espaço mais saudável para o debate de ideias, não só as internas como as externas.

As reformas que precisamos para crescer e diversificar a economia são essencialmente políticas. Temos que abandonar o modelo de partidarização extrema da vida económica e social do país, privilegiar a formação e as políticas que afectam positivamente as famílias e as empresas. É necessário dar mais espaço ao mérito e à criatividade e investir menos energia na mediocridade. Desenvolver um país não é fácil e as várias versões do modelo que temos adoptado desde 1975 têm fracassado, é preciso mudar.