Proibir importações não resolverá o défice de produção de carne

Mapa do mundo de acordo com tarifas aduaneiras médias (Banco Mundial via Wikipedia)

O mapa acima apresenta um trabalho do Banco Mundial de 2021 com uma gradação de cor que indica o nível médio de direitos aduaneiros cobrados pelos diferentes países e como é possível constatar Angola está no grupo de países com carga fiscal à importação mais elevada do mundo.

Repetidas vezes os governantes e parte do empresariado angolanos, que têm sido consistentemente os proponentes de uma abordagem aduaneira proteccionista, apresentam tais políticas como mecanismo de fomento da produção nacional ou a tábua de salvação dos nossos produtores que estão sob ataque de importadores imbuídos de ganância e desapego pelo interesse nacional.  

Em 2015, escrevi sobre uma decisão governamental para destruição de ovos importados com uma justificação pouco clara para o público em geral e o reforçar de pedidos de protecção aduaneira como política de fomento da avicultura, com foco na produção de ovos e naquela altura, apesar dos problemas a produção nacional de ovos conseguiu consolidar a sua posição na oferta de ovos e hoje sustenta a quase totalidade do consumo nacional com algumas excepções, sobretudo em regiões fronteiriças e/ou remotas. Contudo, persistem os problemas relacionados com insumos e infra-estruturas que encarecem o produto final e retiram competitividade ao ovo nacional e o problema maior é que os elementos que afectam negativamente a nossa capacidade produtiva não têm merecido a necessária atenção.

Ao longo destes 50 anos de independência Angola tem tido quase sempre uma postura proteccionista com muito poucos resultados e a mais recente medida encabeçada pelo Instituto de Serviços de Veterinária (ISV) que deixará de emitir nos próximos meses licenças de importação de diferentes tipos de proteína de origem animal é mais uma manifestação da regra do que uma excepção. A medida é bastante abrangente e tanto visa partes menos nobres da carne bovina ou suína como inclui na lista das proibições as coxas de frango.

Para além de ignorarem a nossa própria experiência, um erro comum destas medidas é a assunção que o produtor é o único elemento importante no mercado e é o único cuja actividade gera emprego. Os empregos gerados pelos distribuidores (quase sempre importadores na nossa realidade) e os custos e benefícios para o consumidor são, por norma, subalternizados apesar dos últimos constituírem sempre a maioria.

A avicultura merece especial atenção porque é a principal fonte de proteína animal em Angola tanto na forma de ovo (quase sempre produzido em Angola) como de carne (quase sempre importada). As estimativas de agentes do sector agro-pecuário angolano indicam que os produtores nacionais respondem apenas por 10% da oferta de carne de frango de um consumo total estimado em cerca de 300 mil toneladas por ano o que implica que a interrupção abrupta da importação de carne de frango irá causar um choque na oferta que irá causar escassez da proteína mais consumida em Angola e, consequentemente, uma subida acentuada nos preços.

Independentemente da nobreza da parte do frango de que estamos a falar, a abrangência da medida, o nível de consumo dos produtos e incapacidade da produção local colmatar a ausência da oferta de origem externa no médio prazo, vai significar não apenas um produto mais caro como a redução na ingestão de proteínas de uma população que já tem estado a ser fustigada pelo aumento do custo de vida, inclusive por via dos preços do frango e do ovo. Com efeito, apesar de Angola consumir essencialmente ovo nacional e existirem operadores com grande capacidade, o nosso consumo per capita anual de ovo anda a volta de 80 ovos que compara com cerca de 240 do Brasil.

O objectivo do Ministério da Agricultura e Florestas (MINAGRIF) que tutela o ISV é nobre e louvável, mas penso que temos provas suficientes na literatura económica e na história de Angola que o caminho escolhido não irá criar uma classe de produtores de carne do dia para noite com foco quase exclusivo na protecção aduaneira de uma classe pequena na esperança do seu rápido crescimento em eficiência, número de produtores e produção total. Ademais, as medidas parecem ignorar os danos colaterais que, na minha opinião, são bastante superiores aos benefícios antecipados.

O desejado crescimento da produção local poderá ser orgânico e de forma acelerada se forem atacadas as principais fragilidades como a oferta limitada de genética (quantidade e qualidade), produção reduzida e cara de insumos para ração (milho, soja, suplementos e outros), custos com vacinas e infra-estruturas de base cuja disponibilidade e baixa qualidade podem encarecer a actividade económica (acesso a àgua, electricidade, estradas, comunicações, etc.).

Efectivamente, em Março de 2022 a responsável pela gestão da Fazenda Pérolas do Kikuxi – Elizabeth Dias dos Santos – partilhou com o jornal Expansão uma avaliação da queda na produção de ovos no país que se estava a acentuar naquela altura e apontou como principais problemas a (i) qualidade da genética e capacidade de substituição atempada dos bandos, (ii) a quantidade e qualidade da ração e (iii) a qualidade da água. Na mesma peça, a produtora de ovos questionava a não priorização da importação de inputs para a indústria avícola e os seus impactos na produção doméstica de ovos. O diagnóstico parece-me bastante assertivo e simples, com dicas de como a intervenção pública poderá apoiar a produção nacional sem grande impacto na disponibilidade da oferta, designadamente promovendo programas de fomento de produtores de pintos, inputs agrícolas e químicos para produção de ração e concertando diferentes organismos públicos no sentido de melhorar as infra-estruturas com impacto positivo nos custos operacionais dos nossos empresários. 

Como é óbvio, um programa nacional para melhorar e manter infra-estruturas é mais desafiante, mas deve ser o foco da intervenção pública e não a insistência na “solução” rápida da protecção aduaneira como política de fomento industrial. Os produtores nacionais continuam a necessitar de quadros melhor formados, infra-estruturas de melhor qualidade e financiamento menos caro e a proibição isolada de importações não resolve nenhum destes problemas e a prazo vamos criar uma classe ineficiente e dependente de favores legislativos e com tendência para se transformarem nos maiores advogados da não formalização da entrada na Zona de Comércio Livre da SADC, limitando o seu próprio potencial para exportação enquanto contribuem para perpetuação da nossa dependência da exportação de petróleo como fonte dominadora de moeda forte que precisamos para importar bens e serviços.

Contrastando o mapa apresentado acima com o mapa seguinte, podemos observar que Angola não integra o grupo de países com o nível de riqueza per capita mais elevada como é comum entre os países com maior carga fiscal aduaneira. Podemos sempre usar a máxima muito apreciada na estatística e econometria que diz que “correlação não é necessariamente casualidade”, mas também não podemos ignorar que os países mais prósperos tendem a caminhar no sentido contrário da protecção aduaneira como medida isolada para o fomento industrial doméstico. O fomento industrial costuma ser mais eficaz com programas de subsidiação bem desenhados e controlados do que imposição de bloqueios aduaneiros, sem considerar possíveis contenciosos a nível da Organização Mundial do Comércio ou medidas de retaliação como tem anunciado o novo presidente dos EUA, Donald Trump, que claramente também é céptico sobre as observações que David Ricardo fez no início do século XVIII e até hoje se mantêm como quase unanimidade entre economistas: o comércio internacional, quanto mais livre for melhor será para todas as partes.

A proibição de produtos pré-embalados é mais um erro

O Ministério da Indústria e Comércio (MIC) vai proibir a partir de Julho de 2021 o licenciamento da importação de 15 produtos da cesta básica no formato pré-embalado e a proibição efectiva da importação destes produtos pré-embalados sentir-se-à no princípio de 2022 segundo o decreto executivo n.º 63/21 de Maço.

O racional da medida do MIC passa pelo fomento da indústria de embalamento angolana, permitindo assim a importação dos mesmos produtos em sacos a granel (big bags) e com previsão de redução dos preços para o consumidor final de acordo com um consultor do MIC.

A medida está em linha com o histórico de iniciativas governamentais de fomento industrial centralizadas no protecionismo que vezes sem conta fracassaram, sobretudo se considerarmos os seus efeitos como a criação de músculo industrial nacional, aumento da produção e redução dos preços.

Aparentemente, a base destas medidas é um equívoco que inexplicavelmente continua actual no seio dos nossos decisores políticos: o problema da nossa baixa produtividade industrial resolve-se com a eliminação da concorrência externa. Esta linha de decisões criou, por exemplo, uma indústria cimenteira ineficiente que entrega ao mercado um produto caro que prejudica 30 milhões de habitantes e beneficia meia dúzia de industriais (ou já nem isso).

Os problemas de produtividade da indústria angolana não podem ser dissociados da falta de infra-estruturas de base de qualidade que deveria ser o foco da governação angolana há décadas que por falta de solução satisfatória o governo angolano tende a abraçar expedientes deste tipo que apresenta como apoio à indústria nacional. O mais grave é que os industriais angolanos tendem a abraçar entusiasticamente estas medidas da mesma forma de demitem-se a seguir da pressão necessária ao governo para que sejam feitos os investimentos na distribuição de energia e água, na construção de estradas de qualidade e caminhos de ferro com utilidade, assim como na formação das pessoas.

Por norma, os produtos a granel são mais baratos que os produtos em formato pronto para comercialização a retalho mas isto não significa que quando empacotados em Angola serão mais baratos para os nossos consumidores porque para isso a nossa indústria de empacotamento teria que ser mais eficiente que a estrangeira. Ademais, é muito provável que alguns destes produtos venham a sofrer na qualidade como é exemplo com açúcar de produção e empacotamento nacional que apesar de ter menos qualidade que o importado não apresenta vantagens de preço evidentes.

Assim, o que se pode esperar desta medida é uma redução da oferta e consequente aumento dos preços e uma provável quebra na qualidade dos produtos. Um grupo restrito de industriais nacionais deverá experimentar um crescimento no seu negócio às expensas da maioria que passará a comprar produtos de menos qualidade e mais caros.

Menos quantidade importada ou mesmo de disponibilizada pelos produtores domésticos deverá naturalmente aumentar os preços dos comerciantes o que poderá impactar negativamente o volume de negócios das empresas do comércio e eventualmente a redução da capacidade de empregabilidade destas empresas que o governo acredita que será compensada por aumento de empregos na indústria.

Por outro lado, a medida vai na contra-mão do discurso do governo que anda a dizer aos quatro cantos que (i) está comprometido com as zonas de comércio livre da SADC e de África e (ii) com a subida asfixiante dos preços dos produtos da cesta básica. Como é óbvio, o protecionismo não coaduna com medidas de redução dos preços e amigas do comércio externo que não se limita a exportar porque comporta a componente da importação.

O nosso governo parece estar a seguir o princípio de List que defendia o protecionismo como um caminho para se chegar ao livre comércio que seria o objectivo. Contudo, mais uma vez, espero pelo melhor apesar de estar à vista o pior.