Angola: pobreza e baixo consumo privado

Numa economia de mercado, quem vende trava uma luta constante para ter o seu produto ou serviço entre as escolhas dos consumidores cuja decisão de compra está limitada pelo dinheiro disponível.

A redução do poder de compra das famílias angolanas nos últimos anos constitui um desafio para sobrevivência das nossas empresas. A inflação galopante dos últimos anos aconteceu num ambiente de decréscimo contínuo da economia, com aumento do desemprego que completa a fotografia de um processo de empobrecimento singular desde que o país alcançou a paz em 2002. Por exemplo, o PIB per capita de 2021 (em USD correntes) representava apenas 41% do que era em 2014.

Tenho contacto regular com planos de negócios de empresas nacionais e sempre achei estranho a pouca atenção que muitos os empreendedores dão às questões demográficas e evolução recente e prospectiva do nível de rendimento. A redução do nível de emprego e o empobrecimento contínuo significam efectivamente que os empresários estão a disputar por uma pizza que está continuamente a diminuir o que explica parcialmente a baixa taxa de sobrevivência de novos negócios e a dificuldade das empresas existentes para manterem as portas abertas.

Num país com níveis de crédito bancário às famílias tão baixo, o consumo é especialmente sustentado pelo rendimento regular do trabalho e sendo este em média muito baixo, os níveis de poupança são igualmente baixos e o grosso do rendimento é utilizado na aquisição de bens e serviços essenciais.

O país continua efectivamente a viver ao ritmo do petróleo e a recente mudança de trajectória na evolução do PIB – que beneficiou de algumas decisões de política monetária e fiscal acertadas – não pode ser dissociada do mercado petrolífero favorável. Contudo, se o país não fizer as reformas do sistema político, judicial e de educação deverá manter a correlação extrema com o sector petrolífero e a empobrecer, onde qualquer jantar fora de casa é um luxo, o turismo é inacessível para o grosso da população e pouco que há para consumir é para comer, vestir, beber e pouco mais.

Sendo visível que desalinhamento com a procura existente está na base do fracasso de muitos negócios, podemos igualmente identificar negócios de sucesso que são sustentados por uma leitura correcta do consumidor-tipo, com a clara noção que a decisão de consumo não se pode separar da diminuta capacidade de consumo como se verifica nas ideias simples mas geniais de micro-dosagem que permite compras diárias de vários produtos que em mercados maduros são comercializados em doses bem maiores, servem de exemplo os pacotes de detergente para roupa ou whisky de qualidade duvidosa vendido em doses individuais que negligenciam a qualidade e focam nos baixos rendimentos que permitem ganhar no volume.

Contudo, nem todos os negócios conseguem explorar a micro-dosagem ou o hard-discount, estratégias que pela natureza sacrificam a margem mas dependem de grande volume o que é um desafio logístico e de tesouraria.

Ademais, a natureza de isolamento da economia agudiza igualmente a dificuldade de saída do marasmo e da capacidade dos empresários em explorar oportunidades em mercados regionais para compensar as dificuldades domésticas e o círculo vicioso continuará a prevalecer sobre o necessário círculo virtuoso.

Curiosamente, a alteração da bitola dependerá sempre do engenho dos empreendedores na busca de soluções inovadoras que funcionem neste mar de problemas. Porém, o caminho mais rápido para prosperidade continua a ser a criação de condições institucionais que aligeirem o esforço dos empreendedores e criem realmente condições que nos afastem da necessidade de super-heróis para termos os negócios que criam empregos e riqueza que o país tanto precisa.

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Estará Angola “oficiosamente em recessão”?

A meio do ano o Orçamento Geral do Estado (OGE) aprovado para o corrente ano tinha sido parcamente executado, a razão principal para a baixa execução da receita (38,6%) e do investimento (6,1%) é a mesma: o preço do petróleo no período foi abaixo do que estimou o Governo e o domínio exercido pelo petróleo nas nossas contas públicas esteve bem patente. Historicamente, mesmo nos tempos das vacas gordas, a execução do OGE sempre deixou muito a desejar, a tal ponto que o dito orçamento muitas vezes parecia um guia com linhas mestras e não propriamente um plano para realização de receitas e despesas por parte dos organismos públicos.

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Contudo, o baixo nível de execução do actual OGE, que na verdade será substituído por um OGE rectificado, demonstra a fragilidade do nosso modelo económico e como a âncora das exportações do petróleo pode revelar-se uma armadilha para o crescimento económico. Sem dinheiro do petróleo o Estado ficou sem fundos para alimentar o programa de investimentos públicos que está cada vez mais dependente do financiamento externo, vale de alento o sinal positivo dos mercados internacionais onde a Eurobond angolana está a negociar a yields abaixo da taxa de emissão apesar de continuar a ser relativamente alta (9,50% vs. 9,45%). Com estes condicionalismos, o investimento público terá de ser 15 vezes superior no segundo semestre para que se alcance o valor orçamentado segundo o jornal Expansão e certamente não será o motor que a economia precisa. Ademais, como sabemos, o investimento privado não tem sido o substituto das aplicações de capital do Governo porque continuamos com sérias makas no ambiente de negócios apesar do discurso oficial em contrário.

Com os empresários a reportarem quebras significativas na produção, com as empresas a reduzirem pessoal, com o investimento público diminuto e com IDE pouco auspicioso, é mais do que certo que não existe possibilidade de evolução positiva do PIB angolano. Para 2016 é “matematicamente” impossível Angola apresentar um crescimento do PIB positivo e provavelmente esta evolução do PIB já foi negativa no primeiro semestre, mas infelizmente não temos publicação intercalar das contas nacionais em Angola assim como não são publicados por organismos oficiais tantos outros indicadores económicos e sociais como, por exemplo, a taxa de desemprego. O Instituto Nacional de Estatística (INE) publica mensalmente a taxa de inflação mas é necessário alargar o número de indicadores para termos em tempo real melhor informação sobre o estado geral da economia.

Seria óptimo termos dados sobre a evolução do PIB trimestralmente mas a falta de publicação de informação oficial não se limita ao INE (que até publica trimestralmente o Índice de Produção Industrial), a nível ministerial a pouca informação produzida é muitas vezes encarada como segredo de Estado e muito do que deveria ser publicado não é partilhado com quem é governado e na ausência de informação reina a especulação. A Nigéria está oficialmente em recessão económica mas nós, não tendo a publicação oficial de dados intercalares não podemos estar “oficialmente” em recessão apesar de ser sensível e visível. Os dados económicos intercalares são nalguns casos comunicados por representantes do Governo, mas a periodicidade e o modelo de divulgação não são convencionais nem facilmente acessíveis. Quando o INE passar a publicar as contas nacionais trimestralmente poderemos afirmar que estamos “oficialmente em recessão” mas até lá só poderemos estar “oficiosamente em recessão”.

China ultrapassa EUA? Sim, mas apenas em termos PPP

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Tive uma professora de história que dizia que “se  o mundo fosse perfeito a China seria o país mais rico do mundo” pelo simples facto de ter mais pessoas, ora bem, segundo o FMI a República Popular da China ultrapassou os Etados Unidos como a maior economia do mundo na perpectiva PPP, ou seja, usando uma taxa de câmbio que procura igualar o poder de compra entre os países.

Segundo o FMI, a economia chinesa produziu $17,6 biliões contra os $17,4 biliões (dito triliões pelos anglo-saxões e brasileiros, i.e., 12 dígitos a seguir ao 17!).

É verdade que em termos de PIB a taxas de câmbio correntes e per capita o fosso entre a China e os Estados Unidos continua gigante mas a história de crescimento da China, numa combinação entre economia de mercado e estado autocrático é impressionante, a recente desaceleração do crescimento não é uma grande preocupação em ermos económicos mas poderá colocar maior pressão no lado político com o aumento de tom daqueles que pedem reformas democráticas no mais populoso país do mundo.

Na lógica da minha professora, no mundo perfeito, o PIB per capita deveria ser muito semelhante entre todos os países e sendo a China o país com mais pessoas no mundo, o seu PIB em termos nominais deveria ser o maior de todos e o aumento acelerado da riqueza por cada chinês nos últimos anos permitiu ao regime chinês gerir com relativa facilidade todas as pressões sociais mas esta realidade poderá ser diferente nos próximos tempos neste mundo cada vez mais difícil de controlar e com as pessoas a verem a sua riqueza crescer cada vez menos.

Usando taxas de câmbio correntes, o PIB dos Estados Unidos continua a ser muito superior ao chinês, $17,4 biliões contra $10,3 biliões e não deverá ser nesta geração que a China vai conseguir destronar os Estados Unidos.