RDC e a dificuldade africana em compreender o valor do comércio livre

A Zona de Comércio Livre Continental Africana (ZCLCA) mais conhecida pelo acrónimo da sua versão em inglês – AfCFTA – nasceu em 2018 em Kigali com a ambição de se tornar na maior zona de comércio livre mundial e no principal acelerador do comércio intra-continental que é visto como uma das chaves para realizar o potencial das empresas que produzem em África e, sobretudo, contribuir para o crescimento económico do continente e desta forma reduzir drasticamente os níveis de pobreza actuais.

A ZCLCA carece da ratificação em cada um dos países africanos para que entre de facto em vigor o mecanismo de harmonização alfandegária e o levantamento de barreiras que condicionam o comércio livre no continente. O entusiamo demonstrado pela generalidade dos 54 signatários em 2018 para o acordo que estava agendado para entrar em vigor em 2021 se materializou na mesma medida uma vez que até a data 47 países depositaram os instrumentos de ratificação.

Infelizmente, apesar da iniciativa ambiciosa que permitiu o nascimento da ZCLCA prevalecem práticas que trafegam na contramão na liberalização do comércio que visa alargar os mercados para as empresas africanas e um bom exemplo disto é a persistência de barreiras não pautadas entre Angola e República Democrática do Congo que levou a Associação dos Transportadores Rodoviários de Mercadorias de Angola (ATROMA) a suspender a circulação de viaturas angolanas de transporte de mercadorias na RDC por tempo indeterminado uma vez que as autoridades congolesas cobram o equivalente a USD 4.000 por cada camião angolana que transita dentro do seu território, valor que eleva os custos com fretes para níveis incomportáveis para maior parte dos operadores e prejudica, naturalmente, o cliente final.

Os operadores nacionais buscavam o tratamento recíproco para elevar a taxa cobrada aos camionistas congoleses do valor equivalente a USD 50 para os USD 4.000 cobrados pelas autoridades congolesas aos angolanos e foi isto que foi decidido pelas autoridades angolanas após terem falhado as negociações com os vizinhos congoleses.

Este tipo de acções não ajuda os países africanos a aumentar a quota de produtos transformados ou semi-transformados nas suas exportações e condenam as empresas locais a um caminho bem mais complicado para prosperidade. Segundo o African Trade Report 2023 do Afreximbank, para o ano 2022 apenas 13 países africanos respondiam por 81% das exportações de produtos transformados de todo o continente (Angola representa 2%). O comércio intra-africano representa 20% das exportações dos produtos manufacturados.

A taxa exagerada cobrada pelas autoridades congolesas é mais uma demonstração da forma esquizofrénica que muitos países africanos encaram o comércio livre que é viste essencialmente como uma ameaça ao produtor nacional e não necessariamente como uma oportunidade. Os produtores angolanos, tanto de produtos agrícolas como bens manufacturados, têm experimentado um aumento das suas exportações mas o potencial é maior que a realidade actual porque continuam a enfrentar temas relacionados com o défice de infra-estruturas e questões institucionais que limitam as trocas intra-regionais. Angola não está isenta de culpas na construção deste ambiente de negócios pouco amigo das transacções transfronteiriças porque com frequência faz recurso ao protecionismo para barrar a concorrência externa como aconteceu com a produção de cimento cujos operadores enfrentaram bloqueios do outro lado da fronteira.

Enquanto os países africanos não abraçarem o comércio com os seus vizinhos mais difícil será dinamizar as suas economias domésticas e reduzir os problemas sociais que afectam boa parte das famílias africanas, condenadas a viver em sociedade politicamente instáveis e economicamente improdutivas. O comércio livre, de forma isolada, não será a panaceia para os problemas económicos e sociais de África mas certamente teria um impacto positivo que apenas por miopia ideológica não parece óbvio para as elites governativas africanas.

A proibição de produtos pré-embalados é mais um erro

O Ministério da Indústria e Comércio (MIC) vai proibir a partir de Julho de 2021 o licenciamento da importação de 15 produtos da cesta básica no formato pré-embalado e a proibição efectiva da importação destes produtos pré-embalados sentir-se-à no princípio de 2022 segundo o decreto executivo n.º 63/21 de Maço.

O racional da medida do MIC passa pelo fomento da indústria de embalamento angolana, permitindo assim a importação dos mesmos produtos em sacos a granel (big bags) e com previsão de redução dos preços para o consumidor final de acordo com um consultor do MIC.

A medida está em linha com o histórico de iniciativas governamentais de fomento industrial centralizadas no protecionismo que vezes sem conta fracassaram, sobretudo se considerarmos os seus efeitos como a criação de músculo industrial nacional, aumento da produção e redução dos preços.

Aparentemente, a base destas medidas é um equívoco que inexplicavelmente continua actual no seio dos nossos decisores políticos: o problema da nossa baixa produtividade industrial resolve-se com a eliminação da concorrência externa. Esta linha de decisões criou, por exemplo, uma indústria cimenteira ineficiente que entrega ao mercado um produto caro que prejudica 30 milhões de habitantes e beneficia meia dúzia de industriais (ou já nem isso).

Os problemas de produtividade da indústria angolana não podem ser dissociados da falta de infra-estruturas de base de qualidade que deveria ser o foco da governação angolana há décadas que por falta de solução satisfatória o governo angolano tende a abraçar expedientes deste tipo que apresenta como apoio à indústria nacional. O mais grave é que os industriais angolanos tendem a abraçar entusiasticamente estas medidas da mesma forma de demitem-se a seguir da pressão necessária ao governo para que sejam feitos os investimentos na distribuição de energia e água, na construção de estradas de qualidade e caminhos de ferro com utilidade, assim como na formação das pessoas.

Por norma, os produtos a granel são mais baratos que os produtos em formato pronto para comercialização a retalho mas isto não significa que quando empacotados em Angola serão mais baratos para os nossos consumidores porque para isso a nossa indústria de empacotamento teria que ser mais eficiente que a estrangeira. Ademais, é muito provável que alguns destes produtos venham a sofrer na qualidade como é exemplo com açúcar de produção e empacotamento nacional que apesar de ter menos qualidade que o importado não apresenta vantagens de preço evidentes.

Assim, o que se pode esperar desta medida é uma redução da oferta e consequente aumento dos preços e uma provável quebra na qualidade dos produtos. Um grupo restrito de industriais nacionais deverá experimentar um crescimento no seu negócio às expensas da maioria que passará a comprar produtos de menos qualidade e mais caros.

Menos quantidade importada ou mesmo de disponibilizada pelos produtores domésticos deverá naturalmente aumentar os preços dos comerciantes o que poderá impactar negativamente o volume de negócios das empresas do comércio e eventualmente a redução da capacidade de empregabilidade destas empresas que o governo acredita que será compensada por aumento de empregos na indústria.

Por outro lado, a medida vai na contra-mão do discurso do governo que anda a dizer aos quatro cantos que (i) está comprometido com as zonas de comércio livre da SADC e de África e (ii) com a subida asfixiante dos preços dos produtos da cesta básica. Como é óbvio, o protecionismo não coaduna com medidas de redução dos preços e amigas do comércio externo que não se limita a exportar porque comporta a componente da importação.

O nosso governo parece estar a seguir o princípio de List que defendia o protecionismo como um caminho para se chegar ao livre comércio que seria o objectivo. Contudo, mais uma vez, espero pelo melhor apesar de estar à vista o pior.