Em Fevereiro de 2020, antes da pandemia de COVID se ter tornado realmente global, tive a oportunidade de visitar Israel e a Palestina, a região com um conflito intermitente e, infelizmente, cada vez mais previsível e com poucos avanços reais para aquele que entendo ser o sentido certo.
O conflito entre israelitas e palestinos é complexo e sobre o qual aprendo todos os dias, mas não vejo outra solução a não ser a de dois estados. Contudo, com o avançar dos anos parece ser mais difícil implementar tal solução porque (i) os colonatos judeus na Cisjordânia ocupam grosseiramente o território de um futuro estado palestino e (ii) o minguar da Autoridade Palestiniana e ascensão do Hamas deixa o povo palestino sem um representante fiável aos olhos da generalidade.
A iconografia do conflito pode deixar a ideia que em Israel vive-se em constante tensão mas nos dias que fiquei em Telavive fui surpreendido por uma calma “assustadora” porque apesar de ser comum vermos mancebos adolescentes fardados e de metralhadora a tiracolo e gelado na mão a passear em centros comercias, não me lembro ter visto polícias a patrulhar as ruas, aliás polícias em operação só me lembro de os ter visto a assegurar o desenrolar de uma manifestação de trabalhadores do sexo contra regras restritivas à sua actividade que estavam em discussão no parlamento.
Na verdade, a maior parte dos israelitas tem uma vida normal apesar das circunstâncias e suposta ameaça constante de ataque, o poderoso estado de Israel criou ao longo dos anos condições para que a sua população conseguisse levar uma vida com relativa normalidade e prosperidade cercada de muros e tecnologia de ponta que reduz a quase insignificância o impacto dos ataques episódicos da resistência palestina nas suas diferentes versões.
Contudo, o “sucesso” impressionante de Israel foi conseguido com a imposição de grandes custos à população árabe palestina que habitava a região sob gestão britânica antes da criação do estado de Israel no final da década de 1940.
As sucessivas guerras ao longo dos anos e a visível incapacidade dos diferentes movimentos palestinos em vergar Israel são mais do que indicativos que a solução militar só facilita os extremistas de ambos os lados. O cerco a Gaza é grosseiro e é natural que alimente o ódio visceral de palestinos contra Israel, mas ter o Hamas como defensor da causa cria ao mesmo tempo um argumento para as posições extremas de Israel.
Por outro lado, o PM Netanyahu é cada vez menos popular e cada vez tem mais dificuldades em formar governo sem recurso a coligações heterogéneas que invariavelmente incluem judeus radicais abertamente pró-colonatos e defensores da expansão do poder israelita em Jerusalém oriental, a revelia do mapa globalmente aceite e que não reconhece soberania israelita naquela parte da cidade.
Aliás, sobre Jerusalém tenho que dizer que é de longe a cidade mais intrigante e fascinante que alguma vez visitei. A cidade é considerada sagrada pelas três maiores religiões monoteístas e ao mesmo tempo um palco de conflito constante.
A pobreza da parte oriental sob constante ameaça da expansão judia em território historicamente muçulmano contrasta com a modernidade e riqueza do lado ocidental onde está o parlamento e a casa oficial do primeiro-ministro de Israel, onde curiosamente não se vê um aparato de segurança relevante.
Aliás, quando se passa para o lado palestino em Belém o controlo é quase nenhum para quem é turista e foi mais uma surpresa. Os palestinos não disfarçam a raiva contra Israel que exerce um poder avassalador nas suas vidas mas para um forasteiro não deixa de ser visível a semelhança entre os povos, nomeadamente na culinária. Belém é mais uma cidade com longa história e significado religioso para os cristãos, apesar de estar sob gestão de um governo marcadamente muçulmano, o respeito pelos sítios marcantes do cristianismo que garantem milhões de turistas anualmente contrasta com a visão generalizada de intolerância associada à alguns governos muçulmanos.
Parece ser mais um local em que as pessoas se acomodaram com a situação que anda longe do ideal, com muros e controlos de fronteia humilhantes para palestinos que os israelitas defendem como necessários para reduzir a vulnerabilidade do seu lado. Ramallah, mesmo ao lado de Belém é uma cidade relativamente moderna onde não se vislumbra um ambiente ameaçador, pelo contrário, as ruas estão cheias de comerciantes e é visível algum entusiasmo do sector imobiliário com prédios a crescerem de todos os lados. Curiosidade, nas caixas ATM as notas que retiras com teu cartão de crédito são de dólares dos Estados Unidos.
Gostaria imenso de voltar àquela região não apenas para explorar melhor Ramallah, mas também para visitar Sderot e Hebron como sugeriu-me o guia palestino-cristão em Jerusalém que na visão dele, sobretudo Sderot, são o exemplo acabado de normalização da situação absurda que se vive naquela região com dois arqui-inimigos que estão condenados a entender-se mas sustentam com posições utópicas que impossibilitam qualquer entendimento. Os anos passam e estes momentos de tensão são apenas uma excepção de um normal que não deveria ser porque apesar de ser geralmente pacífico para israelitas, impõe custos sociais enormes aos palestinos e impossibilita a paz permanente na região.