A economia angolana 50 anos depois | A nostalgia e a busca pelo passado glorioso [Parte 3]

Luanda, Angola

O ser humano tipicamente carrega consigo memórias traumáticas e excepcionalmente positivas. No caso da economia, as memórias de momentos de crescimento económico costumam deixar marcas profundas. Ainda hoje, é comum encontrarmos em Angola gente a falar de forma nostálgica sobre a diversidade e pujança da economia colonial que é na verdade uma realidade que começou a tomar forma apenas após a segunda guerra mundial, sobretudo a parte da diversidade.

O mesmo sentimento nostálgico é visível na forma que a maior parte das pessoas fala sobre a década de 2000 e início da década de 2010 com o alcance da paz, o crescimento económico vertiginoso e o famoso “câmbio de 10”, a taxa de câmbio artificial que o momento financeiro permitia e convidava os angolanos a consumir desalmadamente e como sabemos, consumir kuya.

O início do século XXI (2000-2015) está relativamente próximo para os dias de hoje assim como a década de 1960 é uma lembrança próxima para quem em 1975 assistiu a um corte abrupto com o passado e na década de 1980, para além da guerra civil, começou-se a assistir à degradação do tecido produtivo em Angola e a não realização de expectativas sobre ganhos sociais materiais e generalizados.

Contudo, muitos anos precedentes destes dois períodos “gloriosos” (1955-1970 e 2000-2015) foram marcados por grandes planos com resultados pouco satisfatórios ou agridoces. Por exemplo, o ímpeto desenvolvimentista de Norton de Matos nos anos 1920 foi suportado por crédito que tornou a Província de Angola mais vulnerável e acabou por dar lugar a anos de anemia económica no período entre guerras, apesar do legado das infra-estruturas ter contribuindo para o período de crescimento retomado na década de 1950.

De igual modo, os anos de forte crescimento económico após a paz de 2002 ajudaram os angolanos a esquecer do período difícil que teve início com o fim do colonialismo com anos de destruição da economia, sobretudo, pela combinação da economia planificada com a guerra civil que impôs extremas limitações a movimentação de pessoas e bens e inutilizou parte importante das infra-estruturas existentes.

Entre 1975 e 2002 a economia angolana assistiu ao declínio do seu tecido industrial que progressivamente viu desaparecer a agro-indústria, as fábricas têxteis, a transformação mais complexa de madeira, produção de pneus, a montagem de motorizadas e bicicletas, etc. Praticamente toda indústria transformadora desapareceu e ficaram com capacidade limitada algumas excepções como a produção de cimento e bebidas, sobretudo a cerveja.

A indústria extractiva manteve alguma pujança, sobretudo o petróleo, mas também os diamantes que suportaram a economia da guerra com complemento de comerciantes que asseguravam o fornecimento de bens de primeira necessidade importados para consumo nos principais centros com acesso pelo mar e com desafiante distribuição para o interior. O desaparecimento da capacidade produtiva (agrícola e industrial) construída nas últimas décadas do colonialismo criou a oportunidade para comerciantes estrangeiros que se instalaram em Angola e desenvolveram a máquina importadora que continua a ocupar um lugar de relevo na nossa economia apesar da recuperação progressiva da produção agrícola e industrial dos últimos anos, parte desta suportada por empresários que no passado se dedicavam exclusivamente a importação de bens para consumo final.

Malanje, Angola

Com a transição para uma economia mais aberta iniciada em parte em 1988 com os acordos de Nova Iorque, a importação de bens de primeira necessidade passou a estar cada vez mais dependente de empresários (normalmente associados a classe política baseada em Luanda) que eram primeiramente portugueses e libaneses tendo emergido mais tarde os indianos, eritreus, oeste-africanos e, ainda mais recentemente, os chineses. A classe empresarial nascida da necessidade de importar tudo para colmatar a inexistência de produção doméstica conta hoje com alguns dos principais actores de investimentos na agricultura e indústria, dando corpo ao sonho de regresso ao “passado industrial glorioso” que muitas das vezes é identificável nos discursos políticos e de empresários com memória do período pré-independência.

A busca pelo passado glorioso, mais ou menos explicitamente, tem sido o cavalo de batalha tanto do sector público como o do privado e, muitas das vezes, o passado que se busca são os longínquos anos 1960 que até hoje continuam a ser vistos como o pico da diversidade económica apesar do regime político impor extremas restrições ao progresso da maioria para benefício desigual da minoria.

Luanda, Angola

Como é comum na classe política dirigente em Angola, que desde 1975 tem sido o MPLA quase de forma exclusiva, os planos são caracterizados por extremo optimismo, execução deficiente e inexplicável desprezo pelo poder da formação consequente. Entre erros e alguns acertos, a economia nacional vai tentando libertar-se da dependência do petróleo virando-se para produção agro-pecuária e indústria mais voltada para substituição de importações e sem grande complexidade e muito pouca inovação, o que na verdade seria um caminho surpreendente se considerarmos que sistematicamente o país tem estado a investir muito abaixo do necessário na formação dos seus quadros.

Em 1975 os angolanos receberam um país com número reduzido de quadros, mas com um conjunto de infra-estruturas bastante decente para construção de um caminho de prosperidade económica caso tivesse sido evitada a guerra fratricida e a escolha de orientação política e económica tivesse sido diferente, designadamente mais inclusiva e menos centralizadora.

Porto Amboim (Kwanza-Sul), Angola

O principal empecilho ao progresso económico e social abrangente em Angola continua a ser mais um tema político do que económico. Contudo, há sinais de termos uma classe política mais aberta aos contributos dos “civis” mas continua a ser necessário criar mais espaço para os empreendedores operarem e impõem-se a retracção do Estado na direcção da economia enquanto se assume um papel de principal facilitador para realização da actividade económica privada. O futuro glorioso continua a ser uma possibilidade mas sem grandes mudanças na forma que estamos a construir a nação será impossível.

A economia angolana 50 anos depois | O que é hoje [Parte 2]

Como foi partilhado no artigo anterior, focado em como era a economia angolana nas décadas de 1960 e 1970, as exportações de petróleo estavam a ganhar representatividade de forma acelerada anos antes da independência, mas o que exportávamos era um cabaz bem mais diversificado do que é hoje. Nos nossos dias, apesar de várias manifestações de intenções temos uma “pizza” dominada por um único ingrediente com os mais de 90% do petróleo que compara com 51% em 1974, ano em que terminou a guerra pela independência e antecedeu a saída do governo colonial em Novembro de 1975.

O processo de recomeço iniciado com o fim da guerra civil que coincidiu com o aumento assinalável da produção e preço de petróleo, demorou a gerar frutos em outras áreas da actividade económica como a agricultura e a indústria transformadora. Eventualmente, os ventos favoráveis na década de 2000 ditaram o investimento displicente na diversificação cuja ênfase aumenta sempre nos períodos baixos do mercado petrolífero, mas a verdade é que diferentes programas públicos e investimentos privados realizados no final da década de 2000 e na seguinte produziram resultados abaixo do necessário para transformação material da economia angolana, designadamente na recuperação de um tecido produtivo mais diversificado, redução das importações, diversificação das exportações e robustez na geração de empregos para uma população crescente e jovem.

A paz duradoura efectivada em 2002 coincidiu com o aumento da produção e preço de petróleo bruto o que levou Angola a experimentar um período de crescimento económico acelerado com influxo de fundos de receitas fiscais associadas às exportações de petróleo e empréstimos de instituições chinesas que sobreaqueceram a economia que, dentre outras consequências, catapultou Luanda para o topo das cidades mais caras do mundo, posição que entretanto deixou de ocupar muito por culpa da depreciação do Kwanza dos últimos anos.

O boom económico alicerçado no sector petrolífero suportou o crescimento de outros sectores com destaque para telecomunicações, construção e serviços financeiros. O sector da construção foi suportado pela grande procura por obra pública e privada, com a recuperação e construção de novas infra-estruturas cuja execução, em grande medida, não obedeceu às exigências mínimas de qualidade. O papel central das instituições do Estado na dinamização do sector da construção num país com grande défice no controlo das finanças públicas e com mecanismos de punição igualmente deficientes explicam tanto a aceleração do enriquecimento ilícito de uma minoria como a destruição de fundos públicos que foram convertidos em obras sem a durabilidade necessária para afectar positivamente o desenvolvimento.

Por seu turno, o sector financeiro beneficiou do aumento da transaccionalidade na economia, que pelas características apresentadas tinha no Estado o seu maior protagonista, embora seja inegável o aumento do consumo privado (incluindo famílias) nos anos de crescimento económico acelerado. A inversão de sentido da economia angolana acentuada em 2014 deu início ao processo de empobrecimento que vivemos há uma década com consequências a nível do consumo privado e público, sendo que o Estado se manteve como principal cliente de crédito do sector bancário, tanto pela emissão de dívida como pela contratação de crédito directo. Por seu lado, o sector das telecomunicações experimentou taxas de crescimento e rentabilidade ainda mais impressionantes que as dos bancos na década de 2000, mas a estrutura dominada por um operador e o modelo de preços fixados acabaram por entregar um sector pouco inovador (sobretudo, comparando com outros países africanos) e com níveis de rentabilidade afectados pela dinâmica de preços fixados centralmente em kwanzas numa indústria exposta a necessidade de investimentos recorrentes em moeda forte.

A nível de investimento público, outros sectores centrais para construção de prosperidade duradoura foram igualmente negligenciados como é o caso da educação que forma consistente integrou o grupo de parentes pobres do investimento público, sobretudo considerando a dimensão do desafio (ponto de partida baixo e crescimento acelerado da população). A educação vive com uma situação crónica de subinvestimento que não permite a formação de quadros em quantidade e qualidade para que o sector produtivo tenha disponível localmente as pessoas necessárias para fazer crescer a economia, com menos custo e dependência de importação de capital humano.

A indústria transformadora, fruto da necessidade de substituir importações com o que é possível produzir localmente (preferencialmente) de forma competitiva, tem experimentado anos de expansão apesar de desafios a nível do acesso a técnicos devidamente formados, matéria-prima local, divisas para insumos e serviços importados e qualidade das utilidades e infra-estrutura básica (energia, água, saneamento, estradas, etc.). Contudo, o grosso dos produtos manufacturados em Angola continuam as ser importados, incluindo da indústria alimentar que, apesar de tudo, tem subsectores maioritariamente suportados pela indústria nacional.  

Actualmente, a nossa economia tem como fonte única de divisas as exportações de petróleo bruto apesar de sinais inconsistentes no aumento de exportações de produtos agrícolas que poderá beneficiar do aumento da produção de commodities agrícolas para venda aos grandes centros de consumo do mundo (como abacate e café) ou produtos com forte procura regional e potencial de produção local (como feijão). Outro sector que apesar de sinais positivos está muito longe do seu potencial é o turismo, que acaba por ser dependente da qualidade de sectores complementares como infra-estrutura de transporte e comunicação, segurança pública e jurídica, sistema de saúde e pessoal com formação básica ao longo de toda cadeia de valor.

O processo de destruição da base produtiva diversificada teve início com a escolha de economia planificada por parte do MPLA que após 1975 assumiu progressivamente o governo de Angola independente. A economia angolana pré-independência era suportada pela combinação de gestão empresarial com práticas abusivas da mão-de-obra local e este último elemento era apresentado com motivo principal para uma alteração completa que trouxe-nos a administração pública dos negócios que acabou por afectar negativamente a sustentabilidade de empresas em sectores altamente produtivos (como o café) e, a prazo, acabou por destruir os empregos que estas medidas buscavam, em parte, tornar mais dignos. A guerra civil que aumentou de intensidade na década de 1980 contribuiu para paralização ou redução material de muitas actividades económicas. O estado em que se encontram hoje as instalações da antiga Companhia Angolana de Agricultura (CADA) é demonstrativo de como as escolhas políticas e o conflito armado destruíram peças importantes da economia diversificada herdada em 1975.

Pouco depois da independência
49 anos depois da independência

50 anos depois Angola e num contexto de transformação acelerada a nível de tecnologia com a mobilidade a virar-se para electricidade e tudo o resto a ser assaltado pela inteligência artificial, Angola é está hoje a buscar o seu futuro num passado em que o sector agrícola tinha relevância e a indústria extractiva começava consolidava o seu papael como motor da economia.

O país certamente beneficiaria muito se ocorresse no curto prazo uma revisão do modelo de governação a favor de um modelo que privilegie os mecanismos de negociação de prioridades entre governados e governantes, com uma estrutura de decisões políticas que acomoda diferentes ideias, tendo no mérito o critério principal de selecção. Afinando o modelo político, é expectável que os escassos recursos sejam alocados de forma mais racional, permitindo ao país tirar melhor proveito da sua riqueza hídrica para geração de energia eléctrica limpa e produção agro-pecuária, da sua posição geográfica para conexão entre diferentes interesses globais, da sua cultura, história e beleza natural para progressivamente construir uma indústria turística de referência e finalmente transformar Angola num país com prosperidade partilhada pela maioria, com bases numa economia de mercado e diversificada, que respeita os direitos de todos os intervenientes na geração da riqueza.

A economia angolana 50 anos depois | O que era pouco antes da independência [Parte 1]

Largo da Mutamba na década de 1960, Luanda

Os primeiros contactos entre portugueses e povos que séculos depois passaram a ser colectivamente conhecidos como angolanos, começaram em 1482 quando uma expedição comandada por Diogo Cão chegou a foz do rio Zaire no Soyo. A relação evoluiu ao longo dos anos tendo sido dominada nas primeiras décadas pela diplomacia entre os reinos de Portugal e do Congo, sendo que este acabou por ser absorvido pelo que se tornou na Colónia de Angola, período em que a relação entre os reinos já tinha passado a ser caracterizada pelo domínio indirecto e exploração. A colónia começou a sua longa consolidação em Janeiro de 1576 com a fundação de Luanda por Paulo Dias de Novais. Quase 400 anos depois, do dia 11 de Novembro de 1975 três movimentos que combateram com armas o colonialismo português declararam separadamente a independência de Angola.

Em Novembro de 2025 serão celebrados 50 anos de independência de Angola e com este artigo (primeiro de três), em jeito de reflexão, buscarei avaliar a evolução da economia de Angola nos últimos 75 anos, começando por apresentar uma fotografia do que era esta circunscrição 15 anos antes da independência e o que é o estado da economia angolana em 2025.

No final da década de 1940 e início da década de 1950 vários movimentos culturais e sociais começaram a politizar as suas intervenções públicas no que era na altura a colónia de Angola, advogando pela revisão das relações entre africanos e pessoas de origem europeia que persistentemente não evoluíam para um plano de igualdade de tratamento e oportunidade. A ausência de respostas das autoridades sedeadas em Luanda e Lisboa alimentaram o extremar das posições que culminou com o início da luta armada do período pós segunda guerra mundial.

O sector agrário, que na primeira metade do século XX experimentou um forte crescimento com sisal, algodão, café e outros produtos de exportação era igualmente palco para contínuos abusos contra trabalhadores rurais africanos e revelou-se num espaço fértil para reivindicações contra o poder colonial, sendo que o ano de 1961 acabou por ser o mais consequente com eventos que cumulativamente despoletaram a guerra pela independência de Angola, referida na historiografia portuguesa como “guerra colonial”. 

Em Janeiro de 1961 as reivindicações na Baixa de Cassange acabaram em massacre de milhares de produtores agrícolas que protestaram contra os preços baixos impostos pelo comprador único de algodão (COTONANG), mas no quarto dia do mês seguinte Luanda testemunhou uma revolta que buscava a libertação de presos políticos, em particular os condenados no “Processo dos 50”. Após dois meses com eventos explosivos em Malanje e Luanda as autoridades portuguesas foram surpreendidas por ataques violentos às fazendas no norte de Angola que tiveram início a 15 de Março e António de Oliveira Salazar ordenou uma resposta extrema e rápida com a frase “para Angola, rapidamente e em força”. 

Paralelamente a resposta militar aos pedidos de reforma e justiça das populações africanas, o governo metropolitano em Lisboa deu início a uma era de maior abertura ao investimento estrangeiro em indústrias-chave, incluindo a exploração e refinação de petróleo, e expandiu a produção agrícola e transformação de alimentos primários. O crescimento económico foi o resultado imediato e na década de 1960 Angola vivia em guerra mas experimentava igualmente a aceleração do desenvolvimento económico que seguia o mesmo padrão dos quatro séculos antecedentes: aumento da riqueza e melhoria da condição social da classe minoritária (europeus e brancos euro-descendentes) às expensas da maioria (africanos) que embora tenham registado melhorias sociais, continuavam em grande medida a ser tratados como cidadãos de segunda classe na sua própria terra, uma dinâmica que de forma alguma reduzia a aspiração de viver numa Angola independente do poder colonial e mais inclusiva.

Com efeito, a década de 1960 (como escrevi aqui em 2015) foi aquela em que a então colónia de Angola registou o maior crescimento no longo e transformador século XX com destaque para o crescimento exponencial da indústria extractiva que por ser intensiva em capital esteve refém da incapacidade financeira de Portugal e dos princípios do Acto Colonial de 1930 que priorizavam a produção de matérias-primas para alimentar as indústrias da metrópole e limitavam a importação de manufacturas e o investimento de países terceiros.

Fonte: “Pacto colonial e industrialização de Angola (anos 60-70)” de Adelino Torres

A economia herdada pelos movimentos independentistas, em particular o MPLA, que a meio da década de 1970 assumiu os destinos de Angola como país independente, começou a ser construída em 1960 e combinava um consolidado sector agrícola, indústria transformadora em expansão contínua e afirmação da indústria extractiva. Com os primeiros sinais na década de 1950, o país também experimentou na década de 1960 um boom imobiliário nas principais cidades como Luanda, Huambo (Nova Lisboa), Benguela e Lubango (Sá da Bandeira) que ajudou a sustentar o crescimento da banca e também de indústrias associadas a construção civil que beneficiou igualmente da expansão da rede de infra-estruturas.

O petróleo começou a assumir algum protagonismo no final da década de 1960, mas Angola conservava ainda um tecido produtivo diversificado com vários sectores em consolidação ou com produção em expansão como era o caso da agricultura, pescas, produção de bebidas e alimentos, tabaco, exploração florestal, papel e derivados, cimento, produtos químicos e o nascer de indústrias anteriormente bloqueadas para benefício da produção de Portugal como têxteis e calçados.

Fonte: “A evolução económica de Angola durante o segundo período colonial” de Nuno Valério e Maria Paula Fontoura

O fomento industrial em Angola da segunda metade do século XX resultou da necessidade de resposta a diferentes fenómenos, como o fim do condicionamento industrial na colónia que foi desenhado para proteger as indústrias da metrópole, mas acabou por ter um efeito nefasto na balança de pagamentos da colónia que levou à adopção de uma política de industrialização para substituição das importações. Com o eclodir da guerra a necessidade de aceleração do desenvolvimento e criação de emprego na colónia como contrabalanço das revindicações da maioria colocou o fomento industrial no centro da política colonial. Contudo, com a abordagem de substituição de importações, a indústria transformadora local servira essencialmente as necessidades internas uma vez que os bens primários continuaram a dominar as exportações, com crescimento exponencial do petróleo que em 1969 representava apenas 5% das exportações e na véspera da independência em 1974 já era responsável por 51% das exportações.

Fonte: “Pacto colonial e industrialização de Angola (anos 60-70)” de Adelino Torres

A característica de exportações dominadas por matérias-primas e quase sem qualquer produto transformado em Angola prevalece ainda hoje, com a agravante de ser quase tudo petróleo bruto como já acontecia 10 anos após a independência com mais 90% das exportações que resulta da combinação do aumento da produção de petróleo com a destruição quase absoluta da capacidade de produção agrícola orientada para a exportação como é o caso do café e do algodão. A produção agro-pecuária, pelas suas características é particularmente difícil de ser executada com sucesso em tempos de instabilidade e a combinação de centralismo político e guerra civil que se seguiram após a independência ditaram o declínio da generalidade da indústria transformadora angolana, com a excepção da produção de cerveja que manteve considerável resiliência ao longo de todo período pós-independência incluindo os anos de guerra.

Em resumo, Entre 1950 e 1960 a economia da Angola colonial experimentou alguma expansão com o aumento de exportações agrícolas e viu – na primeira parte da década de 1960 – o ritmo do crescimento acelerar com a adoptação de algumas políticas económicas mais liberais no seguimento do agudizar da luta contra o colonialismo e em 1973, apesar do crescimento da representatividade do petróleo nas exportações, a colónia tinha uma economia diversificada com indústria ligeira e pesada em consolidação e com maior robustez do sector financeiro e de seguros.  Apesar dos 14 anos de guerra, do ponto de vista económico, os guerrilheiros que deixaram Angola na primeira metade da década de 1960 encontraram em 1974 uma Angola melhor estruturada para construir prosperidade no pós-independência, mas como sabemos as infra-estruturas são apenas uma parte da equação que demanda muitas outras variáveis para que se alcance o resultado desejado e por melhor que seja o hardware o bom desempenho é função da qualidade do software que potencia a estrutura física. 

O paradoxo da perfeição

Os regimes autoritários caracterizam-se pelo controlo da comunicação e dedicam-se a apresentar sempre uma visão rosada dos factos ou uma narrativa positiva divorciada dos factos. Infelizmente continuamos a viver num regime não-livre, apesar de sermos formalmente uma democracia a nossa vivência e diferentes organizações que hierarquizam o nível de liberdade e democracia continuam a questionar quão democrática é a nossa nação.

A postura de adopção de uma realidade alternativa leva-nos muitas vezes a situação de conflito entre a versão adoptada e aquilo que realmente as pessoas vivem e até com dados oficiais de organismos públicos, como o “Inquérito de Despesas e Receitas” publicado pelo INE em 2020 (dados de 2018-2019) que indicavam que e famílias angolanas eram muito pobres como atestam os Kz 15,5 mil/pessoa por mês a nível nacional.

Se olharmos para a abordagem multimensional da pobreza (que vai para além da lógica material) os números são ainda mais graves com quase 90% da população rural a viver em situação de pobreza e estes números são também do INE (“Relatório Índice de Pobreza Multidimensional de Angola” publicado em Julho de 2020).

Apesar de frequentemente o presidente João Lourenço apresentar nos seus discursos e entrevistas vários sucessos registados ao longo da governação que lidera, a sensação de satisfação generalizada não é partilhada pela população e os números sobre a evolução da economia do país desde o final de 2017 não contam uma história rosada e este contraste entre o discurso dos governantes e a dura realidade dos governados é o que eu chamo de “paradoxo da perfeição”. Como sabemos, a melhor forma de medir a qualidade de uma governação é o impacto na vida das pessoas e quando temos uma classe governativa que se apresenta como perfeita e o nível de vida de quem governam está em degradação contínua a conclusão simples é que a perfeição projectada é paradoxal.

Todo o governo, naturalmente, investe sobretudo em comunicar feitos que considero positivos e procura não dar visibilidade aos resultados menos lustrosos ou desastrosos. Mas no nosso caso há uma acção constante em cobrir a realidade dura com uma ficção celestial que busca esconder dificuldades óbvias e substituí-las por maravilhas duvidosas.

A dissonância gritante entre as dificuldades crescentes e o discurso optimista do governo geram frustração numa população que entende que o seu grito de socorro é sistematicamente ignorado a tal ponto que deixa de acreditar nos mecanismos previstos no livro das regras (constituição) para influenciar pacificamente a mudança.

Os actos de vandalismo condenáveis que tiveram lugar no final de Julho (com epicentro em Luanda, mas com réplicas em Icolo e Bengo, Malanje e Huambo) são a manifestação do desespero de uma maioria ignorada que deixou de acreditar na sua capacidade de influenciar o seu destino com o voto e com a reclamação pacífica.

O bom senso recomenda que quando a panela de pressão está a chiar, o cozinheiro deve aliviar a pressão para evitar a explosão. Ignorar o chiar enquanto se abafa o seu “grito” aumentando o volume do rádio que toca a “música deflectora” não evita nem a explosão nem as suas consequências.

Ainda vamos a tempo de evitar que o nosso belo país caminhe para instabilidade destrutiva. O país continua com um potencial inegável que há muito tempo tem sido adiado, sobretudo, por uma classe governante que se recusa a abraçar um modelo de governação mais inclusivo e acolhedor de novas ideias e a recusa em abandonar o modelo actual tem invariavelmente afastado o país da realização do seu potencial como atesta a nossa trajectória de subprodução crónica.

Neste ano que Angola comemorava 50 anos de independência temos 70% da população a manifestar vontade de emigrar, não tinha de ser assim, sobretudo não deveríamos ter políticos constantemente a dizer (directa ou indirectamente) que são perfeitos àqueles que sentem na pele a ineficácia das suas políticas e experimentam a degradação contínua da sua condição social.  

Donald Trump e o esoterismo económico pro max

O presidente do Estados Unidos, Donald Trump, repetiu durante a campanha nas eleições que resultaram na sua vitória em Novembro de 2024 que “ama as tarifas”. O presidente Trump tem uma visão muito peculiar sobre o comércio internacional e entende que os impostos a importação (tarifas) são a ferramenta ideal para “equilibrar” o comércio entre nações. Para Trump, o défice na balança comercial entre dois países significa que o país que mais exporta está a explorar quem mais importa o que não só não é verdade como assume a premissa errada que o comércio moderno funciona na base de permuta bilateral.

Para calcular o “nível de barreiras” ao comércio livre que obrigam à aplicação de pesadas tarifas a equipa de Donald Trump recorreu a uma fórmula que não se reconhece em nenhum manual de economia para um tema que é discutido de forma estruturada desde os primórdios da ciência económica no final do século XVIII e início do século XIX, altura em que David Ricardo destacou que comércio baseado na exploração das qualidades de cada parceiro comercial produzia melhores resultados económicos para todos os envolvidos.

Donald Trump entende que a desindustrialização dos Estados Unidos é, na essência, o resultado de políticas desleais dos seus parceiros comerciais (em particular a China) que bloqueiam a entrada de produtos americanos com barreiras alfandegárias e não-alfandegárias que criam vantagens artificiais para as suas indústrias. Ainda que seja inegável que muitos países usaram e usam mecanismos de protecção da indústria doméstica esta realidade não explica a deslocação de grande parte da produção industrial para o Oriente onde foi possível combinar qualidade industrial com custos de mão-de-obra muito mais baratos do que nos países desenvolvidos que, na generalidade, viram a sua economia crescer mais na prestação de serviços e desenvolvimento de tecnologia, inclusive muitas empresas dos Estados Unidos escolheram voluntariamente produzir na Ásia os produtos que desenvolveram no seu país, sendo a Apple o exemplo mais visível.

No seu diagnóstico sobre os resultados da desindustrialização Trump ignora o crescimento do sector dos serviços, o aumento contínuo da produtividade e da prosperidade dos Estados Unidos que nas últimas décadas distanciaram-se dos seus pares do mundo desenvolvido e mantiveram relativamente intacta a posição de maior potência económica mundial. Pelo contrário, Trump partilha a fotografia de um país vítima de aproveitadores e em decadência, aludindo que o mundo a sua volta está a experimentar um crescimento invejável às custas dos americanos e a “prova científica” desta realidade é o défice comercial observado com cada país individualmente e deste princípio surgiu a fórmula que acusa economias muito menores de estarem a explorar os Estados Unidos sem avaliar particularidades de cada país e o tipo de trocas que existem entre estes países e os Estados Unidos.

A imprensa americana destacou o absurdo da situação do Lesotho, um pequeno país encravado na África do Sul que é exportador nato de diamantes e tem um PIB de USD 2,1 mil milhões. Por ser um país relativamente pobre e geograficamente cercado pela África do Sul o Lesotho importa grande parte dos seus produtos da África do Sul  (~80%), por esta razão importam muito pouco do resto do mundo e por exportarem diamantes para os Estados Unidos têm um superavit comercial os Estados Unidos o que na “fórmula trumpista” de cálculo do abuso comercial resultou numa tarifa geral para as importações do Lesotho de 50% que de forma alguma irá contribuir para aumentar as exportações americanas para o Lesotho.

A situação do Lesotho é equiparável a de Angola que tem em termos globais uma balança comercial positiva porque apesar de importar muitos bens de consumo continua a ter o valor das exportações superior ao das importações. Por exemplo, Angola tem um superavit comercial com os Estados Unidos e na leitura de Trump andamos a abusar da benevolência americana e por isso os importadores americanos que comprarem produtos comprados em Angola terão de pagar uma tarifa de 32% o que, presumindo a descontinuidade de programas como AGOA na administração Trump inviabiliza o potencial de exportações agrícolas para os Estados Unidos. Na lógica de Trump, o facto dos americanos comprarem petróleo bruto angolano força os angolanos a comprar mercadorias de igual valor a fornecedores americanos.

New York Times

O “dia de libertação” prometido por Donald Trump revelou-se a confirmação dos piores medos uma vez que na sua tentativa mal informada de reformar o sistema comercial global o presidente dos Estados Unidos criou condições para o encolhimento da economia global e injectou uma dose violenta de pessimismo e incerteza nos mercados organizados.

Para piorar, o nível de incoerência a volta das medidas de Trump e o seu histórico de mudanças bruscas de direcção agudizam os piores sentimentos o que congela decisões de investimento e impacta a confiança dos consumidores que está na contramão da aparentemente inabalável confiança de Trump nas suas decisões, por mais esquisitas e idióticas que possam parecer.

As exportações agrícolas com alguma materialidade, no momento, são sobretudo aspiracionais e no médio prazo poderão de ser um tema se Trump revisitar as suas posições ou se o pr´óximo ciclo eleitoral americano devolver a normalidade a Casa Branca. Contudo, no curto prazo, a expectativa de desaceleração económica global já está a empurrar os preços do petróleo para baixo e o nível de preocupação em Angola segue no sentido inverso.

Proibir importações não resolverá o défice de produção de carne

Mapa do mundo de acordo com tarifas aduaneiras médias (Banco Mundial via Wikipedia)

O mapa acima apresenta um trabalho do Banco Mundial de 2021 com uma gradação de cor que indica o nível médio de direitos aduaneiros cobrados pelos diferentes países e como é possível constatar Angola está no grupo de países com carga fiscal à importação mais elevada do mundo.

Repetidas vezes os governantes e parte do empresariado angolanos, que têm sido consistentemente os proponentes de uma abordagem aduaneira proteccionista, apresentam tais políticas como mecanismo de fomento da produção nacional ou a tábua de salvação dos nossos produtores que estão sob ataque de importadores imbuídos de ganância e desapego pelo interesse nacional.  

Em 2015, escrevi sobre uma decisão governamental para destruição de ovos importados com uma justificação pouco clara para o público em geral e o reforçar de pedidos de protecção aduaneira como política de fomento da avicultura, com foco na produção de ovos e naquela altura, apesar dos problemas a produção nacional de ovos conseguiu consolidar a sua posição na oferta de ovos e hoje sustenta a quase totalidade do consumo nacional com algumas excepções, sobretudo em regiões fronteiriças e/ou remotas. Contudo, persistem os problemas relacionados com insumos e infra-estruturas que encarecem o produto final e retiram competitividade ao ovo nacional e o problema maior é que os elementos que afectam negativamente a nossa capacidade produtiva não têm merecido a necessária atenção.

Ao longo destes 50 anos de independência Angola tem tido quase sempre uma postura proteccionista com muito poucos resultados e a mais recente medida encabeçada pelo Instituto de Serviços de Veterinária (ISV) que deixará de emitir nos próximos meses licenças de importação de diferentes tipos de proteína de origem animal é mais uma manifestação da regra do que uma excepção. A medida é bastante abrangente e tanto visa partes menos nobres da carne bovina ou suína como inclui na lista das proibições as coxas de frango.

Para além de ignorarem a nossa própria experiência, um erro comum destas medidas é a assunção que o produtor é o único elemento importante no mercado e é o único cuja actividade gera emprego. Os empregos gerados pelos distribuidores (quase sempre importadores na nossa realidade) e os custos e benefícios para o consumidor são, por norma, subalternizados apesar dos últimos constituírem sempre a maioria.

A avicultura merece especial atenção porque é a principal fonte de proteína animal em Angola tanto na forma de ovo (quase sempre produzido em Angola) como de carne (quase sempre importada). As estimativas de agentes do sector agro-pecuário angolano indicam que os produtores nacionais respondem apenas por 10% da oferta de carne de frango de um consumo total estimado em cerca de 300 mil toneladas por ano o que implica que a interrupção abrupta da importação de carne de frango irá causar um choque na oferta que irá causar escassez da proteína mais consumida em Angola e, consequentemente, uma subida acentuada nos preços.

Independentemente da nobreza da parte do frango de que estamos a falar, a abrangência da medida, o nível de consumo dos produtos e incapacidade da produção local colmatar a ausência da oferta de origem externa no médio prazo, vai significar não apenas um produto mais caro como a redução na ingestão de proteínas de uma população que já tem estado a ser fustigada pelo aumento do custo de vida, inclusive por via dos preços do frango e do ovo. Com efeito, apesar de Angola consumir essencialmente ovo nacional e existirem operadores com grande capacidade, o nosso consumo per capita anual de ovo anda a volta de 80 ovos que compara com cerca de 240 do Brasil.

O objectivo do Ministério da Agricultura e Florestas (MINAGRIF) que tutela o ISV é nobre e louvável, mas penso que temos provas suficientes na literatura económica e na história de Angola que o caminho escolhido não irá criar uma classe de produtores de carne do dia para noite com foco quase exclusivo na protecção aduaneira de uma classe pequena na esperança do seu rápido crescimento em eficiência, número de produtores e produção total. Ademais, as medidas parecem ignorar os danos colaterais que, na minha opinião, são bastante superiores aos benefícios antecipados.

O desejado crescimento da produção local poderá ser orgânico e de forma acelerada se forem atacadas as principais fragilidades como a oferta limitada de genética (quantidade e qualidade), produção reduzida e cara de insumos para ração (milho, soja, suplementos e outros), custos com vacinas e infra-estruturas de base cuja disponibilidade e baixa qualidade podem encarecer a actividade económica (acesso a àgua, electricidade, estradas, comunicações, etc.).

Efectivamente, em Março de 2022 a responsável pela gestão da Fazenda Pérolas do Kikuxi – Elizabeth Dias dos Santos – partilhou com o jornal Expansão uma avaliação da queda na produção de ovos no país que se estava a acentuar naquela altura e apontou como principais problemas a (i) qualidade da genética e capacidade de substituição atempada dos bandos, (ii) a quantidade e qualidade da ração e (iii) a qualidade da água. Na mesma peça, a produtora de ovos questionava a não priorização da importação de inputs para a indústria avícola e os seus impactos na produção doméstica de ovos. O diagnóstico parece-me bastante assertivo e simples, com dicas de como a intervenção pública poderá apoiar a produção nacional sem grande impacto na disponibilidade da oferta, designadamente promovendo programas de fomento de produtores de pintos, inputs agrícolas e químicos para produção de ração e concertando diferentes organismos públicos no sentido de melhorar as infra-estruturas com impacto positivo nos custos operacionais dos nossos empresários. 

Como é óbvio, um programa nacional para melhorar e manter infra-estruturas é mais desafiante, mas deve ser o foco da intervenção pública e não a insistência na “solução” rápida da protecção aduaneira como política de fomento industrial. Os produtores nacionais continuam a necessitar de quadros melhor formados, infra-estruturas de melhor qualidade e financiamento menos caro e a proibição isolada de importações não resolve nenhum destes problemas e a prazo vamos criar uma classe ineficiente e dependente de favores legislativos e com tendência para se transformarem nos maiores advogados da não formalização da entrada na Zona de Comércio Livre da SADC, limitando o seu próprio potencial para exportação enquanto contribuem para perpetuação da nossa dependência da exportação de petróleo como fonte dominadora de moeda forte que precisamos para importar bens e serviços.

Contrastando o mapa apresentado acima com o mapa seguinte, podemos observar que Angola não integra o grupo de países com o nível de riqueza per capita mais elevada como é comum entre os países com maior carga fiscal aduaneira. Podemos sempre usar a máxima muito apreciada na estatística e econometria que diz que “correlação não é necessariamente casualidade”, mas também não podemos ignorar que os países mais prósperos tendem a caminhar no sentido contrário da protecção aduaneira como medida isolada para o fomento industrial doméstico. O fomento industrial costuma ser mais eficaz com programas de subsidiação bem desenhados e controlados do que imposição de bloqueios aduaneiros, sem considerar possíveis contenciosos a nível da Organização Mundial do Comércio ou medidas de retaliação como tem anunciado o novo presidente dos EUA, Donald Trump, que claramente também é céptico sobre as observações que David Ricardo fez no início do século XVIII e até hoje se mantêm como quase unanimidade entre economistas: o comércio internacional, quanto mais livre for melhor será para todas as partes.

Multicaixa Express e os pagamentos móveis em Angola

No princípio de Janeiro de 2025 a EMIS, o principal provedor de serviços de pagamentos electrónicos em Angola publicou os dados de utilização da Rede Multicaixa que bateram todos os recordes anteriores e que pela primeira vez apresentam o Multicaixa Express (MCX) como o principal canal de realização de transacções da Rede Multicaixa e, consequentemente, o principal mecanismos para realização de transacções financeiras em Angola.

O modelo de criação de uma empresa para prestação de serviços de pagamentos detida pelos bancos comerciais que foi criada com suporte e participação do regulador (BNA) foi copiado ao modelo português. Assim, a EMIS em Angola nasce como “sósia” da SIBS portuguesa que até hoje é a principal fornecedora da tecnologia da EMIS e este modelo combinado com um sistema nacional de pagamentos funcional e adoptado pela generalidade do sector bancário angolano está na base da grande divergência com a revolução dos pagamentos móveis em África que teve início no Quénia com m-Pesa da Safaricom/Vodafone e espalhou-se pelo resto da África Oriental antes de se estabelecer como relevante em outras regiões do continente.

Relativamente ao volume transaccionado, o MCX respondeu por cerca de 36% do total de 35,1 biliões de kwanzas (c. USD 38,5 mil milhões) movimentados via EMIS em 2024 o que torna no elemento dominante dos pagamentos móveis em Angola mas, prevalece o desafio de serem popularizadas as soluções que reduzam a necessidade de transacções com utilização de notas e esta questão poderá estar relacionada com o facto da Rede Multicaixa ser suportada por clientes bancários cujo formalismo efectivo e percepcionado acaba por afastar uma franja relevante de usuários potenciais.

O formalismo do sistema bancário e a percepção de custo elevado e baixa conveniência foram explorados pela Safaricom no Quénia para implantar o m-Pesa como principal meio de pagamento no país uma vez que a rede permitia o acesso imediato a transacções com apenas um número de telemóvel válido e com utilização praticamente imediata, a conveniência e crescimento acelerado da rede de agentes que permitiam a conversão do crédito na carteira dos aderentes (wallets) em dinheiro físico foram essenciais para o crescimento consistente do m-Pesa que passou a ser adoptado pela generalidade dos prestadores de serviços e comerciantes como mecanismo de pagamento, o que reduziu a necessidade de levantamentos e contribuiu para o aumento dos aderentes e das transacções per capita.

O sucesso dos pagamentos móveis com base na tecnologia USSD revelou-se numa fonte alternativa de receitas e de implementação relativamente fácil para as empresas de telecomunicações e este facto levou a incorporação de uma estratégia de lançamento de soluções de pagamentos em grande parte dos mercados africanos e Angola foi uma excepção, na minha opinião, porque os níveis de rentabilidade do duopólio angolano (Unitel+Movicel) eram tão altos que as nossas operadoras não se sentiram pressionadas por fontes alternativas e no intervalo dos tempos de alta rentabilidade e a actualidade em que as mesmas empresas viram reduzidas as suas margens, a Rede Multicaixa cresceu e modernizou-se, sobretudo com o MCX e a sua evolução igualmente impressionantes.

As operadoras de telecomunicações nacionais perderam rentabilidade sobretudo porque as tarifas regulamentadas pelo INACOM não variaram no mesmo tempo e velocidade que os custos da operação e os pagamentos móveis passaram a ser vistos como solução para diversificação e aumento de receitas mas, para já, não se pode falar em sucesso e a expectativa é que o futuro melhore para as soluções da Unitel (Unitel Money) e Africell (Afrimoney).

O lançamento de soluções de pagamentos móveis com base em carteiras recarregáveis em Angola não se esgotou em iniciativas de companhias de telecomunicações, várias empresas de tecnologia digital ( e até bancos) têm procurado capturar a oportunidade mas nenhum destes projectos tem adopção material, sobretudo se comparados com o MCX que com a possibilidade de pagamentos com código QR e transferência expressa com base no número de telefone do receptor, pode de facto explorar a possibilidade de resolver a maka das filas nas caixas de pagamento automático (ATM) no final de cada mês, alegadamente porque boa parte da população recorre aos mercados informais e o pagamento em dinheiro físico continua a ser dominante nos referidos mercados e esta é outra divergência com a experiência de outros países africanos onde os pagamentos móveis servem para pagar as hortaliças na banca da esquina ou um táxi colectivo.

As diferentes tentativas de replicar a experiência com pagamentos móveis de outros países africanos em Angola parece que ignoram que na vasta maioria daqueles países não existia: (i) um sistema de pagamentos nacionais que reduz os custos de transacção na rede, (ii) uma plataforma de pagamentos electrónicos partilhada pelos bancos do sistema e (iii) empresas de telecomunicação acomodadas com as receitas dos serviços de comunicação tradicionais.

Angola escolheu um caminho nos pagamentos móveis mais próximo do europeu (centrado na digitalização das contas bancárias convencionais) do que africano que explodiu com a exploração da abrangente tecnologia USSD e capilaridade das redes móveis muitas vezes superior a dos balcões dos bancos.

Considerando tudo que escrevi acima, se tivesse que apostar num vencedor da batalha pelos pagamentos móveis em Angola apostaria na EMIS a quem cabe continuar a investir no MCX e na generalização dos pagamentos com códigos QR e transferências instantâneas. As outras iniciativas podem procurar explorar a oportunidades de massificação nos mercados informais como base de consolidação mas não tenho indicação que reúnam as condições neste momento de se tornarem no próximo m-Pesa ou mesmo Paypal angolano.

Corredor do Lobito: minerais, agricultura e diversificação de exportações

O Corredor do Lobito é a designação atribuída a zona de influência a volta da linha-férrea que separa o porto do Lobito em Benguela e o Luau no Moxico, localidade fronteiriça entre o leste de Angola e a região sul da República Democrática do Congo que tem longa e contínua história com a produção de metais estratégicos como cobre e cobalto. Contudo, esta linha-férrea concebida por Robert Williams e concretizada num projecto liderado por este escossês no princípio do século XX que já tinha como objectivo primordial ligar as minas de cobre de Katanga na antiga colónia belga que se tornou na RDC com o porto do Lobito, abrindo assim uma rota mais rápida para exportação para os países da Europa e Américas que partilham connosco o oceano Atlântico.

A saída pelo Atlântico via Lobito da produção mineira do Cinturão do Cobre (Copperbelt) na RDC e Zâmbia deixou de ser viável com o agudizar da guerra civil em Angola nos anos 1980. Com o reestabelecimento da segurança a partir de 2002 as condições de viabilização reapareceram mas a linha reabilitada por empresas chinesas na década de 2010 não conseguiu recuperar o seu lugar entre as alternativas para exportação de metais preciosos de regiões sem acesso ao mar na África Central e Oriental, num mundo com uma geografia do comércio externo muito diferente de 1902 quando Robert Williams formalizou com Portugal a concessão de 100 anos dos CFB.

Valor e geografia do comércio externo da RDC (c. 74% exportado para Ásia)

O modelo adoptado após a retomada da ligação entre o Lobito e Luau e com extensão para os países vizinhos por via de parcerias não teve sucesso e o governo angolano abandonou a modalidade de gestão 100% pública do empreendimento e voltou ao modelo do início do século XX concedendo por 30 anos a exploração do transporte de carga à três empresas europeias que formaram a Lobito Atlantic Railway (LAR) cujas necessidades de investimento vão ser colmatadas com capitais próprios e, sobretudo, financiamento vindo de entidades de financiamento dos países do G7 que pretendem usar o Corredor do Lobito como poster boy de um novo compromisso com o desenvolvimento do continente africano, ideia reforçada várias vezes pelo presidente dos Estados Unidos Joe Biden na sua recente visita a Angola.

Foto: Angop

Na sequência da visita de Biden surgiram na Internet alguns comentários carregados de ceticismo que, dentre outras coisas, apontavam para repetição da lógica colonial de exportação de matérias-primas e com impacto reduzido nas populações da região. Estes comentários correctamente apontam que os países do G7 procuram com esta iniciativa assegurar o fornecimento de matérias-primas chave para transição energética mas ignoram que existem projectos paralelos para fomento da agricultura nas províncias angolanas na esfera do Corredor do Lobito e o melhor exemplo é o Cluster do Abacate que envolve financiamentos do Banco Mundial e de entidades dos Países Baixos cuja embaixada em Angola coordena uma série de acções que se espera que culminem, no médio prazo, com a utilização da Plataforma Logística da Caála como base para exportação de abacate produzido em Angola para Roterdão (Países Baixos) via Lobito.

A possibilidade de utilização da região centro-sul, nesta primeira fase, como base par produção agrícola destinada à exportação cria uma grande oportunidade para o desenvolvimento agrícola empresarial e fomento da agricultura familiar em Angola uma vez que, funcionando, o cluster do abacate pode ser facilmente replicado com outras culturas tropicais.

A LAR tem estado a reportar o aumento do transporte de carga para RDC e a empresa ambiciona fazer 6 viagens por dia para a RDC quando tiverem concluídos os investimentos necessários para garantir a qualidade da linha e a capacidade de transporte de mercadorias, com impacto na segurança no transporte de pessoas, cujas locomotivas continuam a ser operadas pelos CFB. Caso seja concretizado este projecto, os produtores de alimentos da região podem igualmente exportar para RDC e os produtores industriais ao longo do Corredor do Lobito, em particular de Benguela, passam a ter mais condições para servir o mercado de um país com cerca de 102 milhões de habitantes (6 milhões na província de Katanga).

Sendo a província de Benguela produtora de cimento e bebidas (como cerveja) o mercado do Congo fica mais fácil de alcançar, sendo que não é expectável que as barreiras impostas pela burocracia e grupos de pressão na fronteira do Luvo se repitam nos entrepostos ferroviários que ligam os dois países.

Adicionalmente, é importante acrescentar que existem projectos de exploração de metais estratégicos no leste de Angola que também poderão beneficiar da linha-férrea em questão, provavelmente com a necessidade de novos investimentos em ramais não previstos na linha original. No presente, algumas províncias do leste do país já estão a receber combustíveis pelo Corredor do Lobito e os investimentos para melhorar a segurança da linha beneficiam estas regiões.

A procura global por cobre, cobalto, coltan e outros minerais que abundam, sobretudo, na RDC e na Zâmbia deverá se manter robusta nas próximas décadas para realização da aprojectada transição energética e os portos de escoamento das regiões encravadas deverão continuar com grande procura, sendo que o porto do Lobito se apresenta como o mais próximo. Contudo, o Corredor do Lobito se estende por uma região com grande potencial agrícola que não pode ser negligenciado pela expectativa de se poder tornar no catalisador de um desenvolvimento e crescimento económico mais abrangente.

Mais uma vez Angola tem diante de si uma oportunidade para transformar potencial em realidade e o desafio é contrariar o histórico de oportunidades desperdiçadas e aproveitar a infra-estrutura para potenciar o comércio regional e exportações por via do Atlântico. O sucesso da concesssão à LAR poderá também incentivar a adopção do mesmo modelo nas outras linhas em Angola, em particular a CFM cuja qualidade da linha tem se revelado abaixo do nível necessário para utilização mais regular por parte das empresas que exploram ferro gusa no Kuando Kubango.

Portugal deve compensar as ex-colónias pela ocupação e escravatura?

Segundo foi reportado, o presidente de Portugal – Marcelo Rebelo de Sousa – num encontro com representantes da imprensa estrangeira em Portugal sugeriu que o seu país deveria pagar reparações às antigas colónias pela ocupação e pela escravatura. Desconheço a profundidade em que abordou o tema, mas segundo uma peça da Reuters o presidente Rebelo de Sousa sugeriu que a implementação da sua sugestão poderia passar pelo perdão da dívida de antigas colónias ou mesmo a concessão de financiamentos.

A compensação ou reparação associada a escravatura é um tema muito discutido em alguns países da Europa com passado colonial e sempre circundados de polémica e reconhecendo a diversidade da história de exploração dos países africanos, sempre achei a intenção de difícil execução tão simplesmente porque o prazo para uma execução satisfatória está vencido há mais de 100 anos no caso da escravatura e algumas décadas no caso da ocupação colonial pós Conferência de Berlim.

Ainda vamos a tempo?

Quando a escravatura foi abolida no Brasil, em 1888 a discussão a volta das indemnizações tinha como sujeito os detentores de escravos para quem foram previstas medidas compensatórias que passavam por indemnizações ou a extensão do período de usufruto da mão-de-obra escrava dos filhos de “ventres livres”. O que não aconteceu naquele momento foi a compensação dos escravos libertos ou dos descendentes de escravos e aquele era o momento mais fácil para executar (pelo menos localmente) qualquer reparação directa às vítimas vivas da escravatura.

E os outros envolvidos no comércio de escravos?

As sociedades escravocratas africanas do período do comércio transatlântico eram complexas com envolvimento de vários actores na comercialização desumana de pessoas, incluindo soberanos e comerciantes africanos e esta realidade cria espaço para que se questione quem deverá compensar quem, ainda que seja óbvio que em sociedades ocupadas a responsabilidade pelas decisões governativas recaem sobre maioritariamente sobre a força ocupante.

Que camisola vestirá o Brasil?

Admitindo um possível programa de reparação liderado por Portugal é igualmente legítimo ser discutido se o Brasil deverá ser colocado no lugar de vítima a compensar ou se será um compensador com Portugal, porque o Brasil pós independência se manteve como principal sociedade escravocrata da época e tinha em Angola a sua principal fonte de mão-de-obra escrava e, por esta razão, o território que é hoje Angola foi o que mais gente viu partir para as Américas entre os seus pares africanos e o Brasil foi de longe o maior destino de escravos nas Américas.

E os museus, é tudo a mesma coisa?

Um tema comum na questão das reparações é o espólio dos museus, em particular na Europa, que foram muitas das vezes construídos com a subtração forçada e violenta de artefactos de povos ocupados. Neste campo, o mais avisado é procurar investigar a forma de obtenção dos referidos artigos uma vez que a história colonial dos países (como colono ou colonizado) é diversa e a aplicação uniforme de regras para recuperação ou reparação pode atropelar a história. Por exemplo, existem registos de várias trocas voluntárias entre povos de diferentes nações do que é hoje Angola com portugueses que envolviam artefactos de marfim ou outras peças representativas da arte e riquezas africanas, mas é igualmente conhecida a história do saque violento dos bronzes do Benim por parte de uma “expedição punitiva” britânica naquele território que é hoje parte da Nigéria, boa parte do espólio continua em exibição ou guardado no British Museum em Londres e é fácil defender e até executar o retorno das peças.

E o passado próximo?

Em resumo, montar um modelo de reparação para as vítimas da escravatura no universo da CPLP (ou noutros) é complexo. Contudo, ocorreram alguns eventos bem mais próximos do presente cujo caso para instituição de reparações poderá ser de mais fácil materialização, em particular, acções militares do Estado Novo português na guerra pelas independências que resultaram em massacres e assassinatos cujas vítimas e seus descendentes são muito mais fáceis de identificar.

A sul de Angola, por exemplo, após anos de discussão a Alemanha aceitou em 2021 avançar com reparações ao povo namibiano após reconhecer ter cometido um genocício contra os Hereros e Nama entre 1904 e 1908, uma história magistralmente contada por David Olusoga no livro “Kaiser’s Holocaust: Germany’s Forgotten Genocide and the Colonial Roots of Nazism”.

Será que as reparações terão o impacto desejado?

A maior parte dos países que formam os PALOP vive com grandes insuficiências a nível institucional que resultam em problemas sócio-económicos que não só não serão resolvidos com qualquer acto de reparação de iniciativa portuguesa como podem limitar o impacto de qualquer compensação pecuniária e este é um facto que não pode ser ignorado.

Independentemente de tudo, vale sempre a discussão

No meio da polémica que o tema levantou em Portugal, mais uma vez foi dado algum espaço na comunicação social portuguesa para uma discussão mais aberta sobre o passado colonial português que está longe de ser tão rosado como uma franja da sociedade portuguesa defende, apesar de a mim não ser um choque que continue a ser fonte de orgulho e inspiração para Portugal como defendi no artigo “Portugal e a celebração no presente de um passado complexo” publicado neste blogue.

RDC e a dificuldade africana em compreender o valor do comércio livre

A Zona de Comércio Livre Continental Africana (ZCLCA) mais conhecida pelo acrónimo da sua versão em inglês – AfCFTA – nasceu em 2018 em Kigali com a ambição de se tornar na maior zona de comércio livre mundial e no principal acelerador do comércio intra-continental que é visto como uma das chaves para realizar o potencial das empresas que produzem em África e, sobretudo, contribuir para o crescimento económico do continente e desta forma reduzir drasticamente os níveis de pobreza actuais.

A ZCLCA carece da ratificação em cada um dos países africanos para que entre de facto em vigor o mecanismo de harmonização alfandegária e o levantamento de barreiras que condicionam o comércio livre no continente. O entusiamo demonstrado pela generalidade dos 54 signatários em 2018 para o acordo que estava agendado para entrar em vigor em 2021 se materializou na mesma medida uma vez que até a data 47 países depositaram os instrumentos de ratificação.

Infelizmente, apesar da iniciativa ambiciosa que permitiu o nascimento da ZCLCA prevalecem práticas que trafegam na contramão na liberalização do comércio que visa alargar os mercados para as empresas africanas e um bom exemplo disto é a persistência de barreiras não pautadas entre Angola e República Democrática do Congo que levou a Associação dos Transportadores Rodoviários de Mercadorias de Angola (ATROMA) a suspender a circulação de viaturas angolanas de transporte de mercadorias na RDC por tempo indeterminado uma vez que as autoridades congolesas cobram o equivalente a USD 4.000 por cada camião angolana que transita dentro do seu território, valor que eleva os custos com fretes para níveis incomportáveis para maior parte dos operadores e prejudica, naturalmente, o cliente final.

Os operadores nacionais buscavam o tratamento recíproco para elevar a taxa cobrada aos camionistas congoleses do valor equivalente a USD 50 para os USD 4.000 cobrados pelas autoridades congolesas aos angolanos e foi isto que foi decidido pelas autoridades angolanas após terem falhado as negociações com os vizinhos congoleses.

Este tipo de acções não ajuda os países africanos a aumentar a quota de produtos transformados ou semi-transformados nas suas exportações e condenam as empresas locais a um caminho bem mais complicado para prosperidade. Segundo o African Trade Report 2023 do Afreximbank, para o ano 2022 apenas 13 países africanos respondiam por 81% das exportações de produtos transformados de todo o continente (Angola representa 2%). O comércio intra-africano representa 20% das exportações dos produtos manufacturados.

A taxa exagerada cobrada pelas autoridades congolesas é mais uma demonstração da forma esquizofrénica que muitos países africanos encaram o comércio livre que é viste essencialmente como uma ameaça ao produtor nacional e não necessariamente como uma oportunidade. Os produtores angolanos, tanto de produtos agrícolas como bens manufacturados, têm experimentado um aumento das suas exportações mas o potencial é maior que a realidade actual porque continuam a enfrentar temas relacionados com o défice de infra-estruturas e questões institucionais que limitam as trocas intra-regionais. Angola não está isenta de culpas na construção deste ambiente de negócios pouco amigo das transacções transfronteiriças porque com frequência faz recurso ao protecionismo para barrar a concorrência externa como aconteceu com a produção de cimento cujos operadores enfrentaram bloqueios do outro lado da fronteira.

Enquanto os países africanos não abraçarem o comércio com os seus vizinhos mais difícil será dinamizar as suas economias domésticas e reduzir os problemas sociais que afectam boa parte das famílias africanas, condenadas a viver em sociedade politicamente instáveis e economicamente improdutivas. O comércio livre, de forma isolada, não será a panaceia para os problemas económicos e sociais de África mas certamente teria um impacto positivo que apenas por miopia ideológica não parece óbvio para as elites governativas africanas.