A TPA voltou a carga com a sua série de reportagens sobre a corrupção em Angola. As novidades não são o forte do conteúdo apresentado pela TPA, o elemento diferenciado é ser a TPA a apresentar estes casos que envolvem figuras relevantes da política nacional como políticos e seus familiares, altas patentes militares e outros servidores públicos.
O timing e formato das reportagens deixam espaço para questionarmos as intenções da TPA que parece estar a cumprir o papel de porta-voz de uma agenda política que procura responder à pressão social por resultados da luta contra corrupção. Contudo, é inegável que pela abrangência da TPA em Angola (muito maior do que a Internet ou livros) constitui um marco na exposição dos principais actores dos casos de corrupção que há décadas bloqueiam o país em diferentes dimensões.
Ainda assim, temo que se esteja a perder o foco do combate a corrupção e está em curso uma tentativa de reduzir o dito combate à um elemento propagandístico que está a falhar grosseiramente no que se espera do combate aos crimes financeiros: punição dos prevaricadores e recuperação dos meios obtidos ilegalmente.
Os números da recuperação de activos demonstram isto mesmo quando o ministro Adão de Almeida que anunciou em Nova Iorque que foram recuperados até agora cerca de 5,3 mil milhões de dólares em activos mobiliários e imobiliários (cuja avaliação vale o que vale) e nas reportagens da TPA desta semana foram reportadas transferências em negócios que envolvem o estado de valores muito acima disto, incluindo uma soma que supera mil milhões de dólares em transferências ao exterior iniciadas por um major que trabalhava na presidência que foi apanhado com quilos de dólares, euros e kwanzas.
Num país em que as pessoas morrem todos os dias por doenças evitáveis com melhores políticas públicas (como urbanização para eliminação dos habitats de mosquitos) e tratáveis com medicação barata é uma afronta estarem a ser reportados estes valores e existir tão poucos activos recuperados e não haver sinal de responsabilização criminal à dimensão do universo de corruptos e do volume de meios envolvidos.
Como defendi aqui no passado, a corrupção endémica é uma derivada da impunidade que acompanha a história do nosso país que tem sido governado pelo MPLA desde 1975 e cuja filosofia de actuação política está alinhada com a lógica maquiavélica “aos amigos favores, aos inimigos a lei”. Infelizmente, a história mostra que é insustentável construir uma nação com tal nível de desequilíbrio na justiça porque favorece o abuso de poder e a corrupção e a longo prazo bloqueia reformas necessárias para correcção do trajecto como parece estar a ser o caso entre nós porque em todas as alas do MPLA militam figuras manchadas pela corrupção e este facto limita o compromisso com o combate isento à este crime porque potencialmente pode ser auto-destrutivo.
A prosperidade experimentada por Angola na década de 2000 e na primeira metade da década de 2010 foi sempre suportada por elementos exógenos, quase que independente de decisões políticas que nunca foram orientadas para construção de uma economia diversificada e na democratização real do país.
As escolhas políticas, visivelmente erradas a partida, estiveram na base do descalabro económico em que se encontra o país e a resistência em empreender mudanças no sentido de maior fiscalização e equilíbrio de poderes (incluindo dos cidadãos para influenciar as decisões políticas) está a bloquear o país e não permite, por exemplo, que o combate à corrupção resulte na recuperação mais expressiva de activos.
Angola precisa de eliminar os poderes excessivos e ilhas de intocabilidade no serviço público para acabar com a iconoclastia anacrónica da nossa sociedade que é caracterizada por políticos milionários que governam os destinos de uma sociedade extremamente desigual e com uma vasta maioria de pobres, despidos de poderes para influenciarem o seu destino de forma efectiva pela ineficiência deliberada do sistema democrático implementado no país mais para satisfação dos interesses do MPLA do que para construção de uma nação livre, democrática e com potencial de geração de prosperidade sustentada pelo engenho e livre interação dos cidadãos.
Em Fevereiro de 2020, antes da pandemia de COVID se ter tornado realmente global, tive a oportunidade de visitar Israel e a Palestina, a região com um conflito intermitente e, infelizmente, cada vez mais previsível e com poucos avanços reais para aquele que entendo ser o sentido certo.
O conflito entre israelitas e palestinos é complexo e sobre o qual aprendo todos os dias, mas não vejo outra solução a não ser a de dois estados. Contudo, com o avançar dos anos parece ser mais difícil implementar tal solução porque (i) os colonatos judeus na Cisjordânia ocupam grosseiramente o território de um futuro estado palestino e (ii) o minguar da Autoridade Palestiniana e ascensão do Hamas deixa o povo palestino sem um representante fiável aos olhos da generalidade.
A iconografia do conflito pode deixar a ideia que em Israel vive-se em constante tensão mas nos dias que fiquei em Telavive fui surpreendido por uma calma “assustadora” porque apesar de ser comum vermos mancebos adolescentes fardados e de metralhadora a tiracolo e gelado na mão a passear em centros comercias, não me lembro ter visto polícias a patrulhar as ruas, aliás polícias em operação só me lembro de os ter visto a assegurar o desenrolar de uma manifestação de trabalhadores do sexo contra regras restritivas à sua actividade que estavam em discussão no parlamento.
Telavive, Israel
Na verdade, a maior parte dos israelitas tem uma vida normal apesar das circunstâncias e suposta ameaça constante de ataque, o poderoso estado de Israel criou ao longo dos anos condições para que a sua população conseguisse levar uma vida com relativa normalidade e prosperidade cercada de muros e tecnologia de ponta que reduz a quase insignificância o impacto dos ataques episódicos da resistência palestina nas suas diferentes versões.
Contudo, o “sucesso” impressionante de Israel foi conseguido com a imposição de grandes custos à população árabe palestina que habitava a região sob gestão britânica antes da criação do estado de Israel no final da década de 1940.
As sucessivas guerras ao longo dos anos e a visível incapacidade dos diferentes movimentos palestinos em vergar Israel são mais do que indicativos que a solução militar só facilita os extremistas de ambos os lados. O cerco a Gaza é grosseiro e é natural que alimente o ódio visceral de palestinos contra Israel, mas ter o Hamas como defensor da causa cria ao mesmo tempo um argumento para as posições extremas de Israel.
Por outro lado, o PM Netanyahu é cada vez menos popular e cada vez tem mais dificuldades em formar governo sem recurso a coligações heterogéneas que invariavelmente incluem judeus radicais abertamente pró-colonatos e defensores da expansão do poder israelita em Jerusalém oriental, a revelia do mapa globalmente aceite e que não reconhece soberania israelita naquela parte da cidade.
Aliás, sobre Jerusalém tenho que dizer que é de longe a cidade mais intrigante e fascinante que alguma vez visitei. A cidade é considerada sagrada pelas três maiores religiões monoteístas e ao mesmo tempo um palco de conflito constante.
Transeunte muçulmano e igreja cristã em Jerusalém
A pobreza da parte oriental sob constante ameaça da expansão judia em território historicamente muçulmano contrasta com a modernidade e riqueza do lado ocidental onde está o parlamento e a casa oficial do primeiro-ministro de Israel, onde curiosamente não se vê um aparato de segurança relevante.
Aliás, quando se passa para o lado palestino em Belém o controlo é quase nenhum para quem é turista e foi mais uma surpresa. Os palestinos não disfarçam a raiva contra Israel que exerce um poder avassalador nas suas vidas mas para um forasteiro não deixa de ser visível a semelhança entre os povos, nomeadamente na culinária. Belém é mais uma cidade com longa história e significado religioso para os cristãos, apesar de estar sob gestão de um governo marcadamente muçulmano, o respeito pelos sítios marcantes do cristianismo que garantem milhões de turistas anualmente contrasta com a visão generalizada de intolerância associada à alguns governos muçulmanos.
Belém, Palestina
Parece ser mais um local em que as pessoas se acomodaram com a situação que anda longe do ideal, com muros e controlos de fronteia humilhantes para palestinos que os israelitas defendem como necessários para reduzir a vulnerabilidade do seu lado. Ramallah, mesmo ao lado de Belém é uma cidade relativamente moderna onde não se vislumbra um ambiente ameaçador, pelo contrário, as ruas estão cheias de comerciantes e é visível algum entusiasmo do sector imobiliário com prédios a crescerem de todos os lados. Curiosidade, nas caixas ATM as notas que retiras com teu cartão de crédito são de dólares dos Estados Unidos.
Gostaria imenso de voltar àquela região não apenas para explorar melhor Ramallah, mas também para visitar Sderot e Hebron como sugeriu-me o guia palestino-cristão em Jerusalém que na visão dele, sobretudo Sderot, são o exemplo acabado de normalização da situação absurda que se vive naquela região com dois arqui-inimigos que estão condenados a entender-se mas sustentam com posições utópicas que impossibilitam qualquer entendimento. Os anos passam e estes momentos de tensão são apenas uma excepção de um normal que não deveria ser porque apesar de ser geralmente pacífico para israelitas, impõe custos sociais enormes aos palestinos e impossibilita a paz permanente na região.
O Ministério da Indústria e Comércio (MIC) vai proibir a partir de Julho de 2021 o licenciamento da importação de 15 produtos da cesta básica no formato pré-embalado e a proibição efectiva da importação destes produtos pré-embalados sentir-se-à no princípio de 2022 segundo o decreto executivo n.º 63/21 de Maço.
O racional da medida do MIC passa pelo fomento da indústria de embalamento angolana, permitindo assim a importação dos mesmos produtos em sacos a granel (big bags) e com previsão de redução dos preços para o consumidor final de acordo com um consultor do MIC.
A medida está em linha com o histórico de iniciativas governamentais de fomento industrial centralizadas no protecionismo que vezes sem conta fracassaram, sobretudo se considerarmos os seus efeitos como a criação de músculo industrial nacional, aumento da produção e redução dos preços.
Aparentemente, a base destas medidas é um equívoco que inexplicavelmente continua actual no seio dos nossos decisores políticos: o problema da nossa baixa produtividade industrial resolve-se com a eliminação da concorrência externa. Esta linha de decisões criou, por exemplo, uma indústria cimenteira ineficiente que entrega ao mercado um produto caro que prejudica 30 milhões de habitantes e beneficia meia dúzia de industriais (ou já nem isso).
Os problemas de produtividade da indústria angolana não podem ser dissociados da falta de infra-estruturas de base de qualidade que deveria ser o foco da governação angolana há décadas que por falta de solução satisfatória o governo angolano tende a abraçar expedientes deste tipo que apresenta como apoio à indústria nacional. O mais grave é que os industriais angolanos tendem a abraçar entusiasticamente estas medidas da mesma forma de demitem-se a seguir da pressão necessária ao governo para que sejam feitos os investimentos na distribuição de energia e água, na construção de estradas de qualidade e caminhos de ferro com utilidade, assim como na formação das pessoas.
Por norma, os produtos a granel são mais baratos que os produtos em formato pronto para comercialização a retalho mas isto não significa que quando empacotados em Angola serão mais baratos para os nossos consumidores porque para isso a nossa indústria de empacotamento teria que ser mais eficiente que a estrangeira. Ademais, é muito provável que alguns destes produtos venham a sofrer na qualidade como é exemplo com açúcar de produção e empacotamento nacional que apesar de ter menos qualidade que o importado não apresenta vantagens de preço evidentes.
Assim, o que se pode esperar desta medida é uma redução da oferta e consequente aumento dos preços e uma provável quebra na qualidade dos produtos. Um grupo restrito de industriais nacionais deverá experimentar um crescimento no seu negócio às expensas da maioria que passará a comprar produtos de menos qualidade e mais caros.
Menos quantidade importada ou mesmo de disponibilizada pelos produtores domésticos deverá naturalmente aumentar os preços dos comerciantes o que poderá impactar negativamente o volume de negócios das empresas do comércio e eventualmente a redução da capacidade de empregabilidade destas empresas que o governo acredita que será compensada por aumento de empregos na indústria.
Por outro lado, a medida vai na contra-mão do discurso do governo que anda a dizer aos quatro cantos que (i) está comprometido com as zonas de comércio livre da SADC e de África e (ii) com a subida asfixiante dos preços dos produtos da cesta básica. Como é óbvio, o protecionismo não coaduna com medidas de redução dos preços e amigas do comércio externo que não se limita a exportar porque comporta a componente da importação.
O nosso governo parece estar a seguir o princípio de List que defendia o protecionismo como um caminho para se chegar ao livre comércio que seria o objectivo. Contudo, mais uma vez, espero pelo melhor apesar de estar à vista o pior.
Li há uns dias um artigo de Simon Allison no The Continent do Mail & Guardian em que o autor chamava de falha moral o momento actual de escassez de vacinas para imunização da população mundial. O autor levantou basicamente duas questões que concorrem para uma repreensível falta de solidariedade e, eventualmente, racionalidade: (i) as encomendas excessivas de doses de vacinas por parte dos países mas ricos que limitam a possibilidade de acesso a curt prazo por parte de outros países as tão desejadas vacinas num contexto de incapacidade da oferta responder à procura e (ii) irredutibilidade das farmacêuticas e seus parceiros na cedência da propriedade intelectual e levantamento dos direitos conferidos pelas patentes para que mais antidates possam produzir as vacinas com provas dadas.
«Canada, the worst offender, has pre-ordered so many vaccines that it will be able to vaccinate each of its citizens six times over. In the UK and US, it is four vaccines per person; and two each in the EU and Australia.» Simon Allison in The Continent
A pandemia de COVID-19, pelo seu carácter disruptivo, tem vindo a gerar muito pânico que tem efeito nas decisões políticas o que poderá estar na base das encomendas excessivas de alguns países. Por outro lado poderá ser a antecipação da possibilidade da COVID-19 tranformar-se numa espécie de gripe sazonal que obrigue a campanhas de vacinação anuais. Contudo, pese o facto de alguns países terem reagido tarde na corrida a aquisição de vacinas, é difícil defender encomendas que superam múltiplas vezes a população de alguns países quando outros penam por falta de doses.
Por outro lado, existem questionamentos sobre a não liberação da produção da vacina por outras farmacêuticas para atender à crise global causada pela pandemia. Alguns países como a África do Sul e Índia estão a solicitar a isenção do pagamento de direitos às entidades que desenvolveram vacinas para usarem a sua capacidade produtiva para mais rapidamente acabar-se com a situação actual de escassez de vacinas.
Compreendo a posição de alguns líderes políticos que buscam um atalho para mais rapidamente utilizarem soluções já existentes, mas confesso que também compreendo a relutância das empresas que criaram as vacinas em ceder a sua propriedade intelectual sem a possibilidade de maximização dos seus proveitos. Por mais bonito que seja, não podemos esperar viver num mundo em que o investimento em biomedicina não mereça o lucro, os efeitos da gratuitização do medicamente, a longo prazo, limitará o desenvolvimento de medicamentos. A função mais relevante das patentes é criar um sistema de incentivo que garanta o investimento futuro em tecnologia.
A solução do licenciamento mediante o pagamento de direitos parece ser o mais indicado para atacar a maka da escassez, desde que sejam garantidas as condições da produção genérica sem redução da qualidade do produto. A outra maka prende-se com a capacidade destes países de pagarem os direitos que eventualmente sejam cobrados pelas Pfizer, Moderna, AstraZeneca ou Johnson & Johnson. Mas para isso poderá ser montado um fundo global que ajude os produtores de genéricos a cumprir com as exigências dos dos proprietários das patentes e assim fica assegurado o pagamento aos proprietários das vacinas e aumenta a oferta deste produto necessário e, por agora, extremamente escasso.
A defesa desta alternativa poderia ser encabeçada pela OMS ou representantes da iniciativa COVAX, mas sabemos que os maiores financiadores destas organizações são os países desenvolvidos ou instituições como a fundação Bill & Melinda Gates cujo patrono já se mostrou céptico sobre a capacidade deste caminho solucionar a escassez no curto prazo assim como possíveis impactos negativos a longo prazo de um tratamento displicente da propriedade intelectual associada às vacinas. Por outro lado, a administração Biden avançou recentemente que a produção das vacinas vai aumentar significativamente nos próximos dias, começando pela Pfizer sem recurso ao licenciamento ou suspensão de direitos sobre propriedade intelectual.
Por outro lado, existe outra falha moral sem visibilidade aparente com forte impacto em todos os problemas causados pelas escassez de vacinas: a governação inadequada que caracteriza os países menos desenvolvidos. Como defendi aqui várias vezes, a qualidade das instituições define o nível de prosperidade das nações e desta disponibilidade económica deriva a capacidade de investir em ciência e de aquisição dos resultados da ciência que é um “desporto muito caro”.
A incapacidade de muitas nações garantirem hoje o acesso às melhores ferramentas para combater a pandemia de COVID-19, em particular nações africanas, não pode ser dissociada do negligenciamento crónico dos políticos pelas práticas governativas que concorrem para expansão do acesso à educação de qualidade e criação de ambiente propício à criação de riqueza por meio do empreendedorismo meritocrático visível nas nações mais ricas. Não basta apontar o dedo aos países com mais meios pelas sua óbvia falta de solidariedade, é igualmente necessário reconhecer que a melhor opção é garantirmos que os nossos cidadãos conseguem ter bases para desenvolver e participar na criação de soluções tecnológicas para combater a pandemia ou, na pior das hipóteses, assegurar que as nossas nações têm meios próprios para adquirir as vacinas que resultam do investimento de outros.
Governantes que dedicam muito do seu tempo em mecanismos para extorquir os erário público dos seus países enquanto criam condições para que estes crimes se mantenham impunes para as pessoas do seu interesse, não deveriam dar lições de moral à quem governa nações que operam dentro de regras que conduzem à melhoria contínua que acabam por ser evidenciadas em momentos como o que o mundo vive hoje. Assim, não é surpresa nenhuma que as soluções tecnológicas estejam a emergir de grandes economias ocidentais como Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha. Por outro lado, existem nações autocráticas que nunca descuraram da importância da capacidade técnica que mostram-se igualmente capazes de estar na linha da frente do desenvolvimento de soluções técnicas como a China e a Rússia. A tragédia africana é que o comportamento predatório dos seus governantes não deixam espaço para qualquer tipo de avanço social.
Angola é um caso raro de poder local centralizado em África (e no mundo) e ao fim de 20 anos no século XXI continuarmos a apresentar um sem número de razões para não realizar um acto que não é novidade para humanidade há séculos é injustificável. Uma nação que em pleno século XXI encontra na criação do poder local democrático uma tarefa hercúlea está a passar a si mesma um triste diploma de incapacidade.
No nosso caso particular, o modelo existente tem falhado há décadas na provisão dos mais básicos serviços aos cidadãos, na preservação elementar de espaços públicos, manutenção de vias de comunicação e criação de sistemas de mobilidade eficientes (vem aí o metro de Luanda, numa inicitiva do governo central que apoio e espero que cumpra com os objectivos). O modelo anacrónico de gestão que atribui o poder à um governador nomeado de forma centralizada que governa cidadãos sem poderes para de forma efectiva influenciarem a governação está na base da ineficácia governativa que gera cidades sujas, mal iluminadas, com défice crónico de infra-estruturas e a operar sistematicamente abaixo do seu potencial.
As eleições autárquicas deveriam ter acontecido em 2020 mas estamos a entrar em 2021 com incertezas quanto a sua realização como transpareceu a comunicação do presidente João Lourenço no encontro que manteve com os jovens, nas sequência de manifestações que, dentre outras questões, reclamavam pela institucionalização das autarquias em Angola. O PR alega que é incapaz de prever a compleição e aprovação dos dispositivos legais necessários para realização das eleições e estabelecimento do poder local democrático e o que não percebo é a inexistência de uma data limite para tal acto que force a negociação entre os partidos representados na Assembleia Nacional para que se chegue à um acordo e que se avance finalmente para uma alternativa ao modelo actual.
As eleições autárquicas deveriam ser uma prioridade para qualquer pessoa interessada em alterar o estado das coisas em Angola, não serão de forma alguma a panaceia para todos os nossos problemas (que são muitos) mas se criadas sob as regras minimamente exigidas como (i) eleição de quem governa por sufrágio dos constituintes, (ii) equilíbrio de poderes entre o executivo e a assembleia local, (iii) capacidade de influência dos eleitores durante o mandato e (iv) garantia de que não existem intocáveis perante a lei poderá ser criado o desejado ambiente em que a pressão social e da oposição combinadas com o engenho e empenho da governação geram resultados tendencialmente alinhados com o interesse comum, sob pena dos mandatos dos governantes não serem renovados ao fim do mandato ou mesmo interrompidos durante a sua vigência.
Um poder local pressionado pelos eleitores será forçado a ser criativo e encontrar soluções à todos os níveis. Se o município tiver desafios que não cabem nas suas finanças o governante deverá encontrar o equilíbrio entre a tributação local e a negociação junto do governo central por mais fundos, se as estradas do município estiverem degradadas e forem da responsabilidade das autoridades locais a mensagem chegará mais rápido e a pressão social empurrará o executivo para soluções de forma expedita para evitar a degradação da sua popularidade, que é uma divisa relevante para um político em regimes democráticos.
A concorrência e o efeito imitação entre localidades autonomamente governadas, sobretudo por governantes eleitos, tem historicamente um impacto positivo apesar de ocasionalmente contribuir para o endividamento excessivo ou para a construção de infra-estruturas com utilidade socioeconómica duvidosa. Por exemplo, se o município de Viana tiver um executivo voltado para recuperação e construção de espaços verdes que mude a cara da localidade e nos municípios vizinhos como Cazenga e Kilamba Kiaxi os jardins estivem maltratados, a pressão das realizações de Viana poderão empurrar os governantes dos municípios vizinhos para o mesmo caminho, o mesmo acontece com a disponibilização de equipamentos sociais e culturais como piscinas municipais, espaços para prática multidisciplinar de desporto, salas de teatro ou a simples iluminação e pavimentação das ruas.
Outro elemento relevante na eleição de um titular do poder executivo local em detrimento de um governante nomeado centralmente é o carácter concorrencial e, por norma, voluntário do acto eleitoral. O candidato às eleições, pela natureza da disputa eleitoral é obrigado a preparar-se, conversar com os eleitores e produzir um programa minimamente pensado num processo de constante enriquecimento do seu conhecimento sobre a circunscrição que pretende governar. Por seu turno, no modelo actual os governadores são quase sempre nomeados sem previamente terem um programa de governação e assumem o cargo com conhecimento muitas vezes superficial da localidade para a qual são enviados para liderar e, pior, esta nomeação acontece sem que tenha havido qualquer manifestação voluntária da vontade de governar a localidade o que transforma o modelo actual alinhado com uma governação militar em que o chefe ordena e o soldado cumpre. Este modelo é globalmente adoptado pelos exércitos do mundo, o que sinaliza algum sucesso na sua adopção para a vida castrense mas a nível da governação local é uma raridade e infelizmente Angola integra este grupo das aberrações.
A panóplia de insuficiências do modelo actual e todos os expectáveis benefícios para o comum cidadão da mudança não impedem que a disputa política desemboque num exercício de avanço lento e tentativo para democratização do poder local, sobretudo, porque a força hegemónica da política angolana – o MPLA – tem grande aversão à qualquer forma de redução do seu poder e tem se revelado no maior travão para institucionalização do poder local apresentando em todas as oportunidades um leque de dificuldades que alegadamente atrasam a implementação das autarquias.
Que 2021 seja um ano de mudança real na forma de gestão das nossas localidades e que esta mudança se revele uma injecção de democracia para todo o sistema político nacional e que o nosso país avance decididamente para mudanças consequentes na vida da maior parte dos cidadãos que habitam este país adiado há demasiado tempo.
No dia seguinte à tomada de posse de João Lourenço como terceiro presidente de Angola em Setembro de 2017, escrevi um artigo que visava analisar o que o presidente tinha para melhorar e corrigir com base nos diferentes comparativos (rankings) de organizações que procuram pontuar e comparar países e territórios em diferentes categorias.
A três semanas para o término de 2020 decidi comparar a posição mais actual de Angola nos diferentes rankings com a posição que João Lourenço encontrou o país em 2017.
O ano 2020 tem sido um ano desafiante a todos os níveis com grande impacto na governação das diferentes nações do mundo, com grande quebra da actividade económica e degradação das condições económicas e sociais das famílias e empresas. A situação de saúde pública que obrigou à várias medidas especiais teve também grande impacto a nível dos direitos civis e relação dos governantes com os governados. Contudo, em nenhum dos índices comparativos foram usados registos de 2020, em linha com a norma dos anuários reportam registos do ano anterior. Assim, não existe impacto do annus horribilis na evolução dos rankings que apresento abaixo em resumo.
Olhando para a evolução da posição e pontuação de Angola nos diferentes rankings que procuram hierarquizar a qualidade das nações em diferentes grandezas, fica óbvio que o país está numa trajectória positiva. Contudo, há que reconhecer que para um angolano é difícil admitir que o país está melhor uma vez que a situação económica tem um peso relevante na avaliação de qualquer cidadão e o país está a experimentar desde 2014 um processo de empobrecimento violento que foi este ano agudizado pela crise global provocada pela pandemia de COVID-19.
Contudo, os indicadores mais voltados para questões democráticas melhoraram desde 2017 considerando os comparativos mais recentes que estavam disponíveis na altura que foi publicado aqui o artigo sobe o “estado da coisa” em 2017 e os mais actuais disponíveis hoje. Por exemplo, no “Democracy Index 2019” da Economist Intelligence Unit, Angola saltou da posição 130 em 2016 para 119 em 2019, subindo 11 lugares com uma melhoria de pontuação de 9,4%, sendo que o país continuou a ser classificado como “regime autoritário”, ou seja, passamos a ser uma autocracia menos má do que éramos em 2016 e esta realidade é comum em diferentes rankings e está alinhada com a percepção de muitos cidadãos: a relação entre governantes e governados melhorou mas não melhorou tanto quando poderia.
A Freedom House no seu mapeamento do nível das liberdades civis no mundo continuou a considerar Angola um país “não livre”, apesar de uma cavalgada de 11 lugares entre o índice de 2017 e 2020. Para quem vivia em Angola em 2017 é notável algumas alterações do ponto de vista comportamental do lado das autoridades governativas que resultaram em mais liberdade de expressão e manifestação até sermos lembrados recentemente que velhos hábitos de limitação de liberdade por via do uso abusivo do poder do Estado continuam vivos como ficou visível na repressão violenta das manifestações de 11 de Novembro que resultaram inclusive na morte de um jovem manifestante – Inocêncio de Matos – por ferimentos de bala disparada por um polícia segundo testemunhos que os órgãos oficiais procuram contrariar com uma versão alternativa dos eventos. O ano 2020 não foi considerado na análise reportada no anuário de 2020 da Freedom House, mas será na do ano que vem aí e é pouco provável que consigamos nos livrar da categorização “not free” com o que está acontecer em 2020.
A nível da liberdade de imprensa, Angola registou uma melhoria indiscutível, com maior espaço para reportagem de falhas do sector público nos meios de comunicação do Estado e menor registo de hostilização de jornalistas por parte de representantes do poder políticos como atesta a melhoria 13,1% na pontuação do “2020 World Press Freedom Index”. Contudo, nos últimos tempos vários órgãos de comunicação privados passaram para as mãos do Estado que recentemente voltou a utilizar a comunicação pública para tentar avançar com uma versão própria dos eventos, assim como foram visíveis actos de censura como viveu o jornalista e economista Carlos Rosado de Carvalho. Apesar da mudança de tom e novas abordagens de alguns meios públicos como a TPA que está a exibir um especial sobre os grandes casos de corrupção no país, as técnicas de manipulação informativa recentemente recuperadas pelos meios de comunicação públicos (incluindo a TPA) constituem um sinal negativo e mais um indicador que o ritmo tentativo de mudanças não oferece sustentabilidade à dinâmica de mudança desejada.
Quanto ao “2020 Economic Freedom Index” que procura comparar a existência de condições para os cidadãos livremente seguirem os seus sonhos a nível de actividade produtiva, acederem e defenderem a sua propriedade, assim como a capacidade de consumir e investir com o mínimo de restrições, Angola registou igualmente uma melhoria. A redução do papel do Estado na economia e mudanças que visam a facilitação da operação das empresas ajudaram a subida de 11 lugares no ranking elaborado pela The Heritage Foudation, com uma melhoria de 7,6% na pontuação.
A corrupção, que o presidente João Lourenço repetidas vezes apontou como um combate prioritário, tem no “2019 Corruption Perceptions Index” o principal comparativo global e neste, Angola melhorou 18 posições e teve a melhoria mais expressiva em termos de pontuação (+63%). Olhando para nossa história recente, é inegável que a impunidade associada aos crimes de corrupção até 2017 não existe mais, a percepção de alguma selectividade e falta de transparência neste combate é igualmente visível mas ainda assim, estamos perante água e vinho se compararmos 2020 com, por exemplo, 2016.
Sobre a facilidade de realizar negócios, medida pelo “Doing Business” do Banco Mundial, comparando 2017 à 2020, o desempenho foi positivo em termos absolutos porque a pontuação melhorou (+8%) e em termos relativos com uma subida de 5 lugares quando comparamos o nosso desempenho ao dos nossos pares.
O Banco Mundial elabora igualmente o “Logistics Performance Index” a cada 2 anos para comparar a qualidade das infra-estruturas logísticas dos países. O relatório publicado mais recentemente é de 2018 que comparando com o de 2018 atesta uma quebra na pontuação de Angola que caiu 21 lugares, o que denota a falta de investimento na manutenção e desenvolvimento de infra-estruturas facilitadoras da actividade económica como portos, estradas, linhas-férreas e aeroportos e a degradação da nossa posição deveria ser uma preocupação geradora de acções consequentes.
A nível da governação, no “2020 Mo Ibrahim Index of African Governance”, Angola registou igualmente uma evolução positiva entre 2017 e 2020 mas uma variação da pontuação de 2% e uma subida de 2 lugares no ranking não parece ser motivo para festa e pode ajudar a explicar a ideia que o governo de João Lourenço tem melhorado a actuação em muitas frentes mas está longe estar a fazer as melhorias necessárias ou com a profundidade desejável.
Pode-se dizer que 3 anos não é suficiente para transformar o país mas é evidente que poderíamos ter feito mais e como tenho defendido há anos, temos sido demasiado tentativos com as reformas políticas que de facto poderiam desbloquear o país para um novo período de crescimento económico, mas desta vez, de forma mais sustentável. Por exemplo, sendo Angola um caso raro de não existência de poder local democraticamente eleito fica difícil melhorar o nosso desempenho nos índices que medem a qualidade democrática e governativa uma vez que nosso velho modelo de administração local está ultrapassado e os resultados estão à vista de todos, tão maus que fica difícil compreender a forma letárgica que a institucionalização das autarquias tem sido conduzida com o MPLA a funcionar como força de bloqueio e usando uma série de incompreensíveis desculpas.
A melhoria no índice de corrupção não poderá ser desligada de algumas acções de grande notoriedade envolvendo figuras relevantes da economia e política do país que há bem pouco tempo pareciam intocáveis. Contudo, sendo a corrupção essencialmente um crime financeiro, sabe a pouco anúncios de detenções, abertura de procedimentos legais e recuperação de activos de valor duvidoso porque no crime financeiro o mais importante é recuperar a liquidez e neste capítulo o maior beneficiário seria o Estado que poderia assim ver as suas contas melhoradas em tempos de “seca financeira” com regresso aos cofres públicos de fundos desviados para benefício privado. O influxo de fundos, pelas contas do presidente cerca de USD 24 mil milhões, permitira a realização de boa despesa pública para atacar problemas identificados na nossa péssima classificação no “Logistics Performance Index”.
Em suma, a trajectória dos indicadores – escolhidos para diagnosticar a nossa posição no mundo e identificar os espaços para melhoria – é positiva. A base de partida vergonhosamente baixa facilita a possibilidade de melhoria mas os avanços tímidos não podem satisfazer a vontade colectiva de ver o país no caminho do progresso económico e social o mais rápido possível, sobretudo porque o ano de 2020 serviu para demonstrar que alguns ganhos não estão consolidados como foi possível ver com a postura confusa dos meios de comunicação social, a gestão calculista da agenda eleitoral local e manipulação da resposta à COVID para alinhamento político que abriu espaço mais uma vez para o uso abusivo da força policial contra cidadãos, sem respostas decididas e adequadas de representantes do Estado, incluindo o Presidente da República.
Em 2016 a School of Advanced International Studies da John Hopkins University, agora muito famosa pelos números da COVID, no âmbito da sua Iniciativa de pesquisa das relações entre a China e África (China-Africa Research Initiative/CARI) publicou os resultados de uma pesquisa sobre os financiamentos de instituições chinesas (governo, bancos e empresas) à países africanos em que se destacou Angola com quase 25% do total da dívida, sobre o tema publiquei um artigo com mais detalhe em Junho de 2016. Voltei à ele porque o valor da dívida à entidades chinesas naquela época foi calculado em USD 23,6 mil milhões, um número quase gémeo do valor adiantado pelo presidente João Lourenço ao Wall Street Journal como o total da delapidação dos cofres públicos por agentes corruptos nos últimos anos.
Um elemento fundamental no combate à corrupção é a transparência e a necessidade dos processos serem primariamente judiciais e escrutináveis. Neste sentido, esperava naturalmente que estes números detalhados fossem apresentados pela PGR ou departamento que esta tutela que se ocupam pela recuperação legal dos activos ilegalmente subtraídos aos cofres do Estado e de empresas públicas. Assim, surpreende-me que os números tenham sido apresentados em primeira mão pelo presidente e que tenha escolhido, mais uma vez, um meio de comunicação estrangeiro para o fazer. Mas prefiro não escrever um artigo sobre isso, ao menos tenho a retirar de positivo a partilha destes dados com o público.
Na entrevista o presidente adiantou que os principais centros de desvio de fundos foram as empresas públicas do sector extractivo Sonangol e Sodiam, a primeira responde por USD 13,5 mil milhões dos USD 24 mil milhões do total desviado. O presidente adiantou igualmente que dos USD 24 mil milhões calculados pelas autoridades nacionais já estão sob custódia do Estado bens no valor de USD 4,2 mil milhões. Estamos a falar de «bens móveis e imóveis apreendidos ou arrestados no país, tais como fábricas, supermercados, edifícios, imóveis residenciais, hotéis, participações sociais em instituições financeiras e em diversas empresas rentáveis, material de electricidade e outros activos» e reside aí a minha maior preocupação.
Muitas notícias que vejo relacionadas com o Serviços Nacional de Recuperação de Activos fazem-me pensar que seria melhor alterar o nome da instituição para Serviço Nacional de Recuperação de Passivos porque apesar de existirem activos com grande valor entre aqueles que foram arrestados ou apreendidos, a lista conta com muitas entidades cujo valor está mais para o nulo ou negativo do que para o positivo. Empresas com dívidas astronómicas e geração débil de proveitos por norma não valem nada e focar a recuperação de activos na transferência de propriedade de problemas é prestar um desserviço à nação.
Na minha modesta opinião, o objectivo principal desta batalha deveria ser a recuperação de liquidez e aí está claro que a via da negociação e “convite” para o retorno voluntário não resultou. A persecução da via judicial parece inevitável se quisermos ter uma dupla vitória neste combate, a saber, (i) recuperar o dinheiro e (ii) instalar o efeito persuasor da justiça nosso país. O presidente faz alusão a identificação de uma série de activos domiciliados em países estrangeiros que poderão ser recuperados se for conjugado um esforço diplomático com de decisões judiciais. Assim, é necessário ter presente que evitar levar a tribunal os principais algozes da economia angolana dos últimos 15 anos poderá revelar-se num erro que nos ensombrará o futuro.
Numa democracia normal deveríamos ter no mínimo comissões parlamentares de inquérito à Sonangol e Sodiam, assim como a Fundo Soberano de Angola e à uma série de organismos públicos e privados, incluindo ministérios e institutos públicos de grande relevância como o INEA, por exemplo. Temperar o combate à corrupção com uma dose generosa de transparência emprestaria a empreitada a respeitabilidade que precisa.
A sensação que muitos angolanos têm é que o combate é selectivo e demasiado secreto. Por exemplo, recentemente veio a público uma resposta da PGR angolana às autoridades suíças que solicitaram informação sobre suspeitas que envolvem o empresário São Vicente e as autoridades angolanas responderam oficialmente que não tinham sido identificados indícios de crime e semanas depois na sequência de notícias sobre o tema serem publicadas em Angola a PGR deu início, com pompa e circunstância, procedimentos para recuperação de activos sob gestão de São Vicente que acabou preso preventivamente por indícios de crimes pouco depois. A luz destes factos, pessoalmente, tenho muitas dúvidas sobre seriedade e consequente sucesso da nossa luta contra corrpção e pela recuperação de activos, espero sinceramente ser surpreendido pela positiva.
A pandemia de COVID continua entre nós, a nível global e local o número de infectados cresce e crescem também as preocupações com a possibilidade da deterioração total da saúde pública em Angola se o número de casos positivos graves crescer exponencialmente. Olhando para a nossa região, apesar do número de infecções confirmadas ser relativamente baixo (eventualmente com significativa subnotificação por incapacidade de testagem) a taxa de letalidade em Angola é relativamente elevada, por exemplo, a 21 de Agosto a Zâmbia tinha 10.372 casos confirmados e 274 óbitos que resulta numa taxa de letalidade de 2,64%, a África do Sul tinha 599.940 infecções confirmadas e 12.618 mortes, taxa de letalidade de 2,10%, Moçambique com 3.115 infecções e 20 óbitos tem uma taxa de letalidade de 0,64%, a Namíbia com 4.912 infecções confirmadas e 42 óbitos tem uma taxa de letalidade de 0,86%, a mesma data, segundo dados da OMS, Angola tinha 2.044 infecções confirmadas e 93 óbitos, uma taxa de letalidade de 4,55%.
Fonte: OMS
Estes números não favorecem a nossa causa, pelo contrário, transparecem algum fracasso do nosso combate à COVID, não tanto no número de infecções – que mais uma vez não pode ser devidamente julgado com baixa capacidade de testagem – mas sobretudo a nível da letalidade porque estamos claramente desviados do “grupo”. Por outro lado, parece que a resposta tem adoptado uma postura preguiçosa e pouco ou nada se tem feito para gerir melhor o risco da pandemia sem castigar tanto o impacto económico e, sobretudo, social.
Com efeito, a comissão interministerial a esta altura, na minha modesta opinião, já deveria ter criado condições para a flexibilização das medidas restritivas a nível da mobilidade. Não se pode explicar porquê que até hoje a província de Luanda continua praticamente inacessível para cidadãos que estejam noutras províncias que não se façam acompanhar de uma justificação laboral. O corte total das ligações aéreas, reservadas a voos irregulares para o transporte de carga e voos baptizados de “humanitários” parece desproporcional pelos constrangimentos que causam e pelas possibilidades existentes para mitigação dos riscos inerentes. A imposição de regras pesadas que bloqueiam o acesso ao país de cidadãos nacionais parece igualmente excessiva, sobretudo porque a esta altura já deveríamos ter criado condições para suportar um maior fluxo de entradas do exterior.
A comissão interministerial parece estar paralisada pelo medo e não se vê obrigada a encontrar soluções para que as medidas que adopta não agudizem os problemas económicos que potencialmente produzirão igualmente um número de vítimas de todo tipo.
Infelizmente a nossa estrutura económica e social é caracterizada por uma maioria a viver em condições de pobreza e um Estado sem mecanismos de suporte social suficientemente fortes para alívio das famílias mais afectadas pelo agravamento da situação económica e o impacto do isolamento contínuo de Luanda que precisa de uma abordagem mais consentânea com os custos astronómicos que está a criar para as economias de certas localidades.
A falta de pressão social efectiva, porque infelizmente a nossa jovem democracia precisa de melhorar, não pode ser explorada pelos decisores políticos para pautaram a sua acção pela regulação dos transportes públicos em Luanda e por refinamentos de medidas sobre o uso de máscaras faciais, é preciso a esta altura começar a implementar um plano de abertura do país para dentro e para fora, com medidas de segurança plausíveis e exequíveis.
A destruição de emprego em alguns sectores e o impacto da pandemia no mercado de petróleo vão adiar ainda mais uma possível mudança de trajectória da economia nacional que vinha em sentido decrescente há pelo menos 5 anos. Nesta altura começa a ser imperioso encontrar soluções de alívio de pobreza para a maior parte da população angolana, o governo angolano tem demonstrado nas suas acções que não tem capacidade financeira para tal, pelo contrário, no lugar de medidas contra cíclicas o governo tem estado a anunciar algumas medidas de agravamento fiscal para trabalhadores formais (IRT) e para as famílias e empresas no geral (IVA).
Não sendo expectável que o governo crie mais mecanismo de suporte directo às famílias, o mais indicado para aliviar os impactos da pandemia é dar mais espaço à actividade económica privada para permitir que esta consiga preservar algum grau de funcionalidade e capacidade de geração de riqueza.
Contudo, em termos gerais, as acções da comissão interministerial são confusas, guiadas mais por ímpeto securitarista e medo do que por ciência e bom senso económico. Angola parece estar ruas atrás de onde deveria estar nesta altura, o país continua fechado, as escolas estão fechadas e só recentemente se deu início à um diálogo sectorial para avaliação de uma possibilidade de regresso das actividades lectivas e os milhares de colaboradores do ensino privado continuam sem apoios oficiais e a viver num inferno de incertezas.
Tomei conhecimento hoje, 21 de Agosto, que por via GAVI (aliança global para vacinação) liderada pela UNICEF e Bill & Melinda Gates Foundation, Angola tem garantida a recepção de 12 milhões de doses de vacina que deverão servir para vacinação dos grupos de risco, uma vez que este número não cobre a população de 30 milhões, que no caso de não serem abrangidos pela primeira leva de imunização deverão aguardar pelas doses a adquirir com fundos próprios do Estado em termos que ainda desconheço. Espero que a priorização tenha como critérios principais a situação de saúde (idade e existência de comorbilidades) e risco de exposição (profissionais de saúde e outras pessoas nas linhas da frente) e não a posição social ou política que, por exemplo, já nos trouxe a situação de vermos deputados serem testados antes que médicos.
Espero que para breve seja tornado público um esboço de modelo de aquisição e acesso às vacinas e quais vacinas estariam em consideração por parte das autoridades angolanas, mas para já, andamos ainda a ajustar medidas destoadas como o internamento de todos os casos positivos e se o condutor solitário deve ou não conduzir de máscara.
este artigo foi editado no dia 21.08.2020 às 13H38: foi acrescentada informação sobre o acordo entre o Estado angolano e a GAVI para a disponibilização de doses de vacinas, tão logo estejam disponíves.
Estátua do rei belga Leopoldo, fundador do infame Estado Livre do Congo cujas políticas de domínio levaram à morte de cerca de 10 milhões de autóctones
Uma das guerras de muitas populações injustiçadas por regimes políticos do passado, com impacto no presente, são as homenagens toponímicas e estátuas que representam figuras controversas pelo papel que tiveram no comércio e exploração de escravos, sobretudo, enquanto vigorou o comércio transatlântico de escravos e noutros episódios dolorosos da história da humanidade. As estátuas e as referências toponímicas são normalmente homenagens ao passado feitas por pessoas do presente e, como tal, o sentimento sobre o dito passado que é afectado por subjectividades, muda e esta mudança acompanhada por dinâmicas políticas e sociais poderá desembocar em movimentos contra o passado que o “presente do passado” em algum momento homenageou.
As manifestações massivas que espontaneamente levaram centenas de milhares de pessoas em todo mundo a meio de uma pandemia a protestar estruturas sociais opressivas para as populações de afrodescendentes, sobretudo, nas Américas e Europa ganharam um novo alvo: estátuas de “heróis coloniais”. Assim, no mesmo sentido do movimento #RhodesMustFall na África do Sul e a luta do movimento Black Lives Matter nos Estados Unidos contra estátuas de líderes da confederação do sul dos Estados Unidos que lutou pelo “direito” de ter escravos na guerra civil americana, jovens europeus começaram a derrubar estátuas de figuras ligadas ao comércio de escravos em diferentes cidades do velho continente de Bristol à Antuérpia, alegando que estas homenagens perpetuam um passado repreensível.
Este movimento choca muita gente que defende se tratar de um revisionismo empobrecedor, considerando as estátuas um elemento essencial para se contar a história, ignorando que ela se mantém lá, essencialmente, porque alguém em algum momento decidiu homenagear uma figura que pessoas da nova geração entendem não ser merecedora de homenagem. A contextualização é fundamental para se contar a história mas não deve ser usada como um instrumento para construção de narrativas que servem sobretudo interesses do presente. A questão das sociedades do passado terem sido erguidas num contexto próprio obriga-nos a fazer algum exercício de ajustamento e evitar olhar o passado exclusivamente com óculos do presente e esta tentação explica em parte a não homenagem da Njinga Mbandi com uma rua num bairro de Berlim porque a soberana do Ndongo foi partícipe do comércio de escravos, que a partida é um acto abominável mas carece de contextualização como escrevi aqui. As homenagens à Njinga em Angola e noutras geografias não buscam perpetuar uma agente activa no comércio de escravos no século XVII mas a soberana guerreira na memória colectiva de africanos e seus descendentes, alguns deles pessoas escravizadas nas Américas. O mesmo argumento pode ser usado pelas pessoas que acham que Cecil Rhodes mais do que um defensor da estruturação racial de uma sociedade já no final do século XIX que coloca o negro na base e o branco no topo foi um empresário e político brilhante que ajudou a construir a África do Sul e merece ser homenageado.
A história como ciência procura relatar o passado com distanciamento mas contextualização e suporte. Contudo, a história não estará nunca isenta de interpretação e como tal poderá sempre ser utilizada como pedra basilar para construção de certas narrativas. A única forma que conheço para evitar o ruído das narrativas é a maturidade para discutir abertamente o passado desconfortável no presente e só assim a abordagem primordial nestes diálogos será a busca da justiça e compreensão e nunca a busca da vingança, por maior que seja a tentação.
A defesa da manutenção de homenagens a figuras controversas por norma é sustentada por ideias que defendemos no presente e não necessariamente algum apego pela divulgação da história uma vez que esta é, sobretudo, contada em livros e não com monumentos artísticos que poderão de facto representar uma afronta para muitas pessoas.
Um dos elementos que coloca muitos dos monumentos em cheque é que servem essencialmente para homenagear e celebrar a vida de alguém que representa o sofrimento de um grupo específico. O facto de uma posição aceitável no passado não encontrar enquadramento no presente obriga a reconsideração de posições. Neste blogue defendi a manutenção da rainha Njinga como símbolo de resistência e afirmação do poder africano ecritiquei a reintrodução do nome Moçâmedes na toponímia angolana mas consigo conciliar com a eventual satisfação de um português com os feitos do Barão de Moçâmedes em nome da coroa do império luso. Contudo, as sociedades etnicamente heterogéneas criadas pela colonização nas Américas e pela imigração na Europa confrontaram certas certezas das classes dominantes nestas regiões como heróis nacionais que assumem o papel de vilão para outras pessoas, por exemplo: será que um cidadão português nascido e criado em Moçambique celebra as vitórias de Mouzinho de Albuquerque? Será que os feitos do comandante Roçadas ao serviço das tropas de Portugal devem ser celebrados por portugueses de origem angolana que sabem que Roçadas foi o algoz do herói angolano e namibiano Mandume? Parece natural que os heróis da guerra de uma nação celebrados por vitórias militares representem vilões no lado oposto e este conflito de posições (ou opiniões) é muitas vezes inevitável.
O que é facto é que as histórias destas figuras controversas não se resume à existência de estátuas em sua homenagem, esta seria talvez uma boa oportunidade para revisão da forma que se ensina história e apoiar os museus que procuram contar de forma condensada e acessível a história, os museus aliás seriam um bom local para parquear e contextualizar estátuas que se entendem agora como desenquadradas. O artista Banksy sugeriu uma alternativa à estátua do filantropo e antigo comerciante de escravos Edward Colston que foi derrubada e atirada ao rio em Bristol na Inglaterra, que passa pela recuperação da estátua e uma nova colocação artística que integra os manifestantes a derrubar a estátua como uma forma de contar a história de forma mais completa.
Ilustração de Banksy
A alteração de valores ou aceitação de ideias antes negligenciadas ou oprimidas podem provocar mudanças na aceitabilidade de certas práticas ou monumentos, este facto está na base, por exemplo da alteração do nome de ruas e localidades em Angola no período pós colonial ou mesmo a passagem do nome da ponte sobre o rio Tejo em Lisboa de “Ponte Salazar” para “Ponte 25 de Abril”. O nível de aceitação destas mudanças muitas das vezes não está ligado à nenhum apego a preservação ou transmissão da história mas é sobretudo uma manifestação de resistência à mudança de algumas pessoas e questões do âmbito racial deixam muitas pessoas brancas na defensiva e este posicionamento é muitas vezes bloqueador da necessária empatia para melhor compreender as feridas que alguns símbolos e práticas ainda causam hoje.
A data de hoje, 23 de Abril, Angola tem confirmados 60 casos de COVID-19. A todos os níveis, olhando para os piores casos mundo afora ou mesmo a nível da região austral de África a nossa situação não é das mais graves sobretudo considerando os piores prognósticos da OMS. Ainda que considerando o número reduzido de testes e o critério de testagem desastroso que levou 6 semanas para testar aqueles que deveriam ser prioridade pela escassez de kits de testagem, em termos globais a nossa situação está longe de estar descontrolada.
O Governo angolano, apesar do estado de emergência declarado no final de Março e da renovação sucessiva da medida ainda que com ajustamentos, nunca chegou aos extremos experimentados noutras geografias mas ainda assim, a maior parte das pessoas foram obrigadas ou aconselhadas a ficar em casa e parte importante da vida social e económica foi suspensa e as consequências são comparáveis em todas geografias: queda acentuada da actividade económica e natural crescimento acelerado do desemprego.
Luanda
Os problemas económicos estão na raiz de muitos problemas sociais e como tal tornou-se insustentável negligenciar o impacto do desemprego na saúde global das sociedades e os governos estão a ver-se forçados a abraçar o desconfinamento quase com a mesma assertividade que implementaram medidas de confinamento porque no curto prazo a cura poderá revelar-se na causa da morte de muita gente, em particular nos países mais pobres como o nosso que preocupam as Nações Unidas que admitem que o mundo enfrenta a possibilidade de ver até ao final deste ano cerca de 130 milhões de pessoas em risco de morte por fome se não forem mitigados os impactos causados pelas medidas de contenção e prevenção contra a infecção por coronavírus.
O mundo vai aprendendo cada vez mais sobre a doença, sobre os riscos e sobre quem deve ser mais protegido para que se reduza ao máximo o número de vítimas mortais. Hoje é conhecimento comum que se for possível escolher uma única variável decisiva para a mortalidade por COVID, a variável a escolher será: idade. A letalidade entre os infectados mais velhos é muito mais elevada, por exemplo um estudo publicado na revista Science sobre a pandemia em França revela que a taxa de mortalidade entre pacientes com menos de 20 anos é 0,001% enquanto que para as pessoas com mais de 80 anos a taxa de letalidade registada foi de 10,1%.
France has been heavily affected by the SARS-CoV-2 epidemic and went into lockdown on the 17 March 2020. Using models applied to hospital and death data, we estimate the impact of the lockdown and current population immunity. We find 3.6% of infected individuals are hospitalized and 0.7% die, ranging from 0.001% in those <20 years of age (ya) to 10.1% in those >80ya. Across all ages, men are more likely to be hospitalized, enter intensive care, and die than women.
O impacto da demografia na mortalidade foi igualmente abordado num estudo publicado pela National Academy of Sciences dos Estados Unidos conduzido por um grupo de demógrafos que analisaram dados de vários países e concluíram que a estrutura demográfica é o factor mais decisivo na taxa de mortalidade, sendo que a cultura social (como contactos entre pais e filhos) e a dinâmica urbana (densidade populacional e utilização de transportes públicos) também têm um impacto relevante na evolução da pandemia.
The pandemic’s progression and impact are strongly related to the demographic composition of the population, specifically population age structure. Demographic science can provide new insights into how the pandemic may unfold and the intensity and type of measure needed to slow it down. Currently, COVID-19 mortality risk is highly concentrated at older ages, particularly those aged 80+ y. This age pattern has been even more stark in Italy, where, as of March 30, 2020, the reported CFR is 0.7% for those 40 y to 49 y, and 27% for those >80 y, with 96.9% of deaths occurring in those aged 60 y and over. Current CFR are likely overestimated due to underascertainmet of cases. In South Korea, with broader testing and strong health care capacity (only 158 deaths), the current CFR for those 80+ y is still an alarming 18.31%.
Estes dados recentes, formulados após melhor conhecimento sobre a evolução da doença e os seus impactos, não podem ser ignorados na formulação de políticas que não devem nunca deixar de contemplar a protecção dos grupos mais vulneráveis a COVID mas que não podem esquecer de proteger aqueles que são mais vulneráveis ao confinamento, cujo impacto negativo é mais severo nas classes mais pobres que no caso de Angola dependem grandemente de rendas diárias de negócios informais.
A impossibilidade de operar dentro da normalidade num país onde não existem mecanismos de suporte social agravou ainda mais a situação precária de muitos angolanos que enfrentam um futuro cada vez mais incerto com a principal fonte de receitas de exportação do país, o petróleo, a passar por uma travessia no deserto sem fim a vista.
O Governo segundo todas as cogitações deverá substituir o estado de emergência por estado de calamidade cujas medidas são ainda conhecidas mas antecipa-se maior abertura e provavelmente uma mudança estratégica na comunicação com o desfasamento progressivo da mensagem “fique em casa” por algo do género “mantenha-se em segurança” porque infelizmente ficar em casa é um luxo e com o prolongar das medidas está a tornar-se um luxo para uma franja minúscula da nossa sociedade, ainda que este facto é uma realidade global no que as classes diz respeito como demonstra um estudo recente da Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade Nova de Lisboa.
Os dados preliminares parecem indicar que a infeção por Covid-19 é marcadamente desigual, afetando de forma mais acentuada os concelhos e países que já têm um perfil socioeconómico mais precário e podendo mesmo exacerbar as vulnerabilidades socioeconómicas pré-existentes ao nível individual
Apesar de notícias encorajadoras sobre vacinas e potenciais terapias nas últimas semanas, a possibilidade de não termos uma vacina eficaz no curto-médio prazo é real e como tal, aprender a viver com o vírus a circular entre nós é fundamental porque a paralisação generalizada da vida económica é possivelmente mais perigosa e num contexto de evolução económica recessiva que Angola vive há 4 anos induzir a economia ao coma é uma receita para o desastre sobretudo considerando o número reduzido de infecções e da estrutura etária de menos risco como mostram diferentes estudos. Com efeito, ainda que aumentam as infecções, não é expectável – apesar do sistema de saúde sofrível – uma alta taxa de mortalidade por COVID em Angola que tem uma idade média de 16,7 anos que compara com os 47,3 anos da Itália.
Por outro lado, a abertura “unilateral” poderá ser apenas uma atenuante para a gravidade dos problemas económicos de cada país até que o mundo todo esteja em condições de normalizar, o que configura um desafio mundial na busca de ideias e soluções para um desconfinamento com menos riscos possível para generalidade da nossa multifacetada vida.
O desconfinamento é assim, inevitável e necessário sob pena de criar mais problemas do que resolver, sem prejuízo de serem necessários ajustamentos em face de alterações da tendência das infecções.