O governo comerciante

Nós temos empresas públicas que devem apoiar estes projectos nacionais, mas por falta de interesse o Governo tem a obrigação de gastar valores avultados para poder manter a estabilidade alimentar do país

Rosa Pacavira, Ministra do Comércio (19 Fev 2015, Huíla)

Segundo notícia da Angop, a ministra proferiu estas palavras na Huíla onde foi apresentar o novo alvará e visitou uma fábrica parada há dois anos (investimento de 70 milhões de dólares da Caixa de Segurança Social das FAA).

A nossa ministra acredita mesmo que o governo tem que ter um papel muito activo como operador económico para que as makas que afligem a nossa economia sejam resolvidas.

Eu não acredito e a história do estado angolano como operador económico não é muito auspiciosa, em particular no comércio.

CFB, 48 horas do Lobito ao Luau?

Caminho-de-ferro de Benguela, do Lobito ao Luau
Caminho-de-ferro de Benguela, do Lobito ao Luau

Criar infra-estruturas que tornam o transporte de pessoas e mercadorias mais eficiente e barato é uma condição de base para se desenvolver um país. Não sei se a viagem “inaugural” entre o Lobito e o Luau (1300 km) foi mais longa do que o normal mas se 48 horas para ligar o Porto do Lobito a vila do Luau no Moxico for a norma, tenho muitas dúvidas sobre a eficiência do projecto. Em 2015, um percurso de 1300 km tem de ser feito em menos de 24 horas porque se para as mercadorias já é puxado para as pessoas é inadmissível.

Parece que muitos investimentos públicos realizados em Angola têm como principal missão a realização de um acto de “corte da fita” e as questões sobre a operação pós-inauguração tendem a ser negligenciadas. Muitas vezes vemos grandes investimentos órfãs de um estudo de viabilidade que possa validar a necessidade da realização de tal investimento. Por exemplo, o Luau, terra de menos de 90 mil habitantes vai ganhar também um aeroporto “internacional”, será que era urgente nesta fase? Será que o aeroporto inaugurado em Ndalatando em 2012 serve melhor a cidade do que uma auto-estrada Luanda-Dondo-Huambo? Será que o aeroporto do Luau serve melhor o país do que a inexistente auto-estrada Luanda-Benguela-Lubango?

Desenvolver não é fácil e com recursos limitados é mais difícil ainda. É um exercício que exige sentido de missão e serviço público, sensibilidade social e competências sobre desenvolvimento económico.

Criar uma infra-estrutura que pouco serve a sociedade não é investir. É fundamental definir prioridades e escolher em conformidade.

Os dólares, o BNA, a ABANC e a confiança.

Nos últimos dias  o BNA – via governador ou comunicados – tem vindo a afirmar que não existem quaisquer razões para as restrições no acesso à divisas que se tem verificado. O BNA basicamente tem dito que a falta de divisas é culpa dos bancos comerciais que “anteciparam uma crise” e assim determinam a sua actuação.

Contudo, a lógica pregada pelo BNA não casa com a realidade. Na verdade, a transacção de divisas é um bom negócio para os bancos e nenhum comerciante deixa de vender um bom produto de bom grado. As contas dos bancos comerciais certamente serão negativamente afectadas pela redução da venda de divisas aos seus clientes pelo que não faz muito sentido dizer que a falta de divisas resulta da trungunguice dos bancos. Em boa verdade, o silêncio da ABANC não deixa a associação do sector bancário muito bem na fotografia porque ver os seus associados “apanhar” diariamente do regulador e dos meios de comunicação social sem qualquer reacção não é bem o que se espera de uma associação.

O governador do BNA disse recentemente que o banco central aumentou a venda de divisas em relação à média mensal de 2014 o que não é o que revelam os números publicados pelo BNA no seu site. As vendas de janeiro de 2015 foram quase 30% abaixo da média mensal de 2014.

DivisasVSImports

Vale lembrar que em 2013 entrou em vigor um novo regime cambial para o sector petrolífero que permitiu a venda directa de divisas das petrolíferas para os bancos, pelo que, os valores apresentados pelo BNA (dos leilões em mercado primário) não correspondem a todo o mercado, o que torna claro que as médias de 2014 e 2015 não são representativas da procura do mercado pré-reversão do regime cambial do sector petrolífero que foi alterado na segunda metade de 2014 após mais de um ano de vigência. O BNA voltou a ser a fonte exclusiva de dólares do sector financeiro angolano, mas passou a disponibilizar menos divisas do que antes e retirou a possibilidade de compras directas junto das petrolíferas.

A procura por moeda estrangeira não pode ser dissociada da evolução económica do país, nomeadamente do crescimento das importações e transferências de capital para o exterior como o aumento do investimento no exterior que tem superado o IDE de forma consistente nos últimos anos.

Por isso, para melhor entender a situação actual, seria útil o BNA e os bancos comerciais apresentarem números sobre o período de vigência do regime cambial para o sector petrolífero para termos uma fotografia mais clara do que se perdeu com a reversão do regime em termos de divisas disponíveis no sector financeiro. A falta de comunicação clara (e isenta) do banco central e a comunicação inexistente da ABANC não contribuem para construção da verdade e quando existe silêncio num contexto de incertezas nascem a especulação e a desinformação, tratando-se do sistema financeiro fica em risco o principal activo de um sistema financeiro: a confiança.

Volto a lembrar que o problema monetário da nossa economia exige uma solução para o problema económico. Ver o nosso banco central a falar mais de dólar do que de kwanza nos últimos tempos é demonstrativo que ainda não conseguimos criar uma moeda que transmita segurança e que possa ser a base para todas as nossas transacções.

Temos que importar menos, diversificar as exportações, repensar os investimentos no exterior e atrair mais investimento externo de forma a reduzir a procura por divisas e aumentar a confiança no kwanza. A alternativa, em nome da estabilidade monetária, é radical: adopção do dólar como moeda nacional.

Quotas, importações, industrialização e concorrência

Captura de Ecrã (2)

Na prossecução dos esforços que se vem envidando com o incremento da produção nacional, visando o aumento da oferta de produtos em quantidade e qualidade suficiente e havendo necessidade de se reduzir paulatinamente a importação de bens alimentares e não alimentares com enfoque para os compõem a cesta básica, com a qualidade requerida e a preços competitivos, até à normalização da sua oferta de forma regular e sustentável

In Decreto Executivo Conjunto n.º 22/15 de 23 de Fevereiro

Não acredito que Angola consiga desenvolver o sector industrial barrando as importações e fazendo muito pouco para atacar os reais factores de estrangulamento. O estado angolano faria mais pelo futuro da indústria se tomasse medidas que reduzissem os actuais custos operacionais, não barrando a concorrência, eu sugiro:

  • Investimentos na produção e distribuição de electricidade;
  • Melhorar a produção e distribuição de água;
  • Melhoria na construção e manutenção de estradas;
  • Rede de caminhos-de-ferro moderna;
  • Promoção da produção de matérias-primas e subsidiárias localmente;
  • Comunicações mais baratas (uma terceira operadora móvel, que tal?);
  • Formação técnica de qualidade;
  • Máquina burocrática menos maçuda;
  • Estado como facilitador, não como operador empresarial

No caso particular das bebidas (cervejas, gasosas, sumos e águas) penso que não faz muito sentido o estado bloquear as importações quando é sabido que o sector das cervejas é dominado pelo Group Castel (Cuca, Nocal, Eka) e os refrigerantes é uma conversa a dois (Coca-Cola e Refriango). A medida do Ministério do Comércio, efectivamente, protege os principais operadores de mais concorrência o que é um pouco perverso sabendo que trata-se de uma iniciativa do governo. Mas o que é o caso das bebidas perante a proibição de importação de cimento? Há um argumento rebuscado que defende que esta medida vai obrigar a instalação de unidades fabris por parte de exportadores mas será que é assim que se cria atractividade? Eu diria que não porque tais medidas tendem a proteger monopólios cuja existência é uma força inibidora para entrada de novos operadores, sobretudo quando o quadro institucional apresenta vários riscos como no nosso caso. Ademais, tal medida deverá certamente adiar a entrada de Angola no mercado livre da SADC que, no médio prazo, jogará contra a própria indústria de bebidas que não muito longe daqui terá que exportar mais para ocupar a sua capacidade em forte crescimento.

Não vale a pena criar empresas dependentes de decretos para estarem vivas, este tipo de atitude vai criar agentes preguiçosos, rentistas e pouco ágeis. Serão “funge rijo” em Angola mas serão “funge mole” lá fora onde não terão o padrinho na cozinha que confecciona leis à medida dos seus gostos e desejos.

P.S.: Não acredito na sobrevivência deste novel regime de quotas porque a sua implementação requer meios e capacidade de controlo que não existem entre nós. Se calhar a próxima actualização do decreto será uma nota fúnebre.

O problema monetário é filho do problema económico

Angola vive uma seca de divisas com reflexos na vida diária dos cidadãos. Esta falta de divisas, um problema monetário, resulta de um problema económico que tem nas suas raízes, sobretudo, decisões políticas.

O kwanza tem uma taxa de câmbio gerida pelo BNA que precisa de divisas para satisfazer as necessidades de moeda estrangeira do mercado que apesar do crescimento da produção nacional é ainda dependente da importação de produtos finais, serviços ou matérias-primas. Quando o BNA reverteu o regime cambial do sector petrolífero voltando à formula anterior dos leilões no mercado primário como forma única de acesso às divisas para os bancos comerciais, já o preço do petróleo estava em queda e quando a tendência de queda agudizou-se o BNA ficou com menos capacidade para satisfazer a procura, pressionando assim a taxa de câmbio oficial do kwanza (a ‘oficiosa’ já cedeu). Os bancos comerciais ficaram com menos dólares para vender aos seus clientes e para os compromissos com o exterior (cartões de crédito, crédito documentário, etc.) e começou um período de gestão agressiva de divisas que afectou os serviços de transferências rápidas, compra de notas, cartões de crédito e pré-pagos, etc.

Do lado político, o discurso voltou a dar cada vez mais espaço à palavra “diversificação” mas é preciso ter presente que discursos e decretos apressados não são garantia de diversificação. Com efeito, temos que ter consciência que a qualidade e, por consequência, eficiência das nossas instituições são uma barreira à diversificação da economia, desenvolvimento sustentável e harmonia social.

Angola precisa de investir em hardware e software de qualidade. É preciso rever a qualidade do investimento público para que as estradas tenham mais longevidade, para que os comboios sirvam melhor a economia e a sociedade, para que os portos sejam mais eficientes e para que os aeroportos sirvam para alguma coisa. Mas como um bom hardware precisa de software à altura para que tenhamos um bom produto, há que repensar todo o sistema de educação, rever a organização do estado e da democracia apostando num sistema com mais equilíbrio de forças entre a presidência, parlamento e tribunais, combater a corrupção, é fundamental termos um sistema de justiça independente e um sistema fiscal eficiente e minimamente justo.

É preciso criar espaço para criatividade e dar ao mérito o lugar que ele merece e daí surgirão mais negócios, suportados na capacidade de realização dos seus promotores e não na capacidade de influenciar dos padrinhos e compadres. O nosso problema económico é a “petrodependência” que só será vencida com uma economia mais diversificada, mais aberta, com mais concorrência e suportada num sistema social mais equilibrado. Em suma, o problema monetário actual desapareceria se não existisse o problema económico que por sua vez depende muito da vontade de se reformar a organização política do país.

O rectificativo previsível

(…) as actuais previsões do quadro fiscal 2015 continuam a assinalar elevadas incertezas de enquadramento internacional. O preço do barril de petróleo Brent reduziu de USD 115,49, a 19 de Junho de 2014, para USD 83,38, a 15 de Outubro de 2014, continuando a apresentar uma tendência de queda, em resultado do excesso de oferta induzido pelos Estados Unidos, por um lado, a que se acrescenta o esvaziamento da concretização das expectativas de aumento do preço do petróleo em decorrência do agravamento das tensões geopolíticas na Rússia, Ucrânia, Iraque e Líbia, importantes produtores de petróleo.

in Relatório de Fundamentação do OGE 2015

Pois é, em Outubro de 2014 o Brent estava cotado a $83,4 por barril e em Dezembro o governo angolano apresentou um OGE com o preço médio de $81/barril para 2015. Na minha modesta opinião, levar aquele OGE para a Assembleia Nacional não foi muito razoável e ver os deputados do MPLA a defender com unhas e dentes um orçamento que era claramente fictício não foi muito agradável, mais uma vez os deputados do MPLA exibiram grande sentido partidário mas muito pouco bom senso.

Com o preço do petróleo em queda e as indefinições na OPEP já todos tinham percebido que $81 era optimista, ainda assim o governo avançou com um orçamento que previa 2.551 mil milhões de kwanzas de receitas fiscais petrolíferas (cerca de 25,5 mil milhões de USD) muito abaixo dos mais de USD 30 mil milhões de estimados para 2014 e longe dos quase USD 40 mil milhões de 2012.

Mas muito mais grave do que isto é que muito dificilmente as receitas do governo com petróleo bruto chegarão aos 20 mil milhões de dólares e com os preços actuais deverão situar-se entre os 15-18 mil milhões de dólares…