Mais províncias é a solução?

O governo de Angola anunciou recentemente o seu plano de implementar uma nova Divisão Político-Administrativa (DPA) que no limite acrescentará 6 novas províncias ao mapa de Angola por via da redefinição das fronteiras de 5 províncias que partilham fronteiras com países vizinhos: Malange, Uíge, Lunda-Norte, Moxico e Kuando-Kubango.

Os promotores desta iniciativa defendem que foram movidos pelo objectivo de promover o “desenvolvimento equilibrado do território nacional, de combate às assimetrias, da aproximação e da prestação de serviços públicos com maior eficiência assim como de ocupação integral do território nacional”.

Quando estamos à uma ano de eleições gerais e sem notícias sobre as prometidas eleições autárquicas, a iniciativa parece incompreensível e inoportuna, mesmo sem entrarmos nos eventuais méritos da mesma.

Na defesa desta iniciativa, a nós apresentada como de origem presidencial, o governo fez sair um vídeo que indica que a dimensão de algumas províncias e o facto de partilharem fronteiras com outros países foi um dos motivos da sua integração na “lista”, sendo que a Lunda-Sul foi excluída apesar de aparentemente cumprir com estes critérios. Mas a inconsistência do racional não termina aí.

Proximidade

A mim choca que em 2021 o Presidente da República entende que a solução para aproximar a governação dos cidadãos é reduzir a dimensão das províncias. Aparentemente o modelo de governação centralizado e sem participação dos governados na escolha de quem os governa não tem qualquer relação com ineficiência da governação provincial, pelo que deduzi das explicações dos autores desta medida aumentando o número de províncias, mantendo tudo o resto constante, a governação melhora.

Aparentemente, criando mais províncias, ainda que mantendo o nosso modelo anacrónico de governação local, mais facilmente será resolvido o défice de infra-estuturas que afasta as províncias uma das outras e limita grandemente o potencial de criação de riqueza.

Dimensão e demografia

A extensão territorial com comparações ao território de Portugal, tal como era feito na era colonial por outros motivos, foi um recurso comum no vídeo que assisti sobre a nova DPA em fase de auscultação pública. Curiosamente pouco é dito sobre a geografia e demografia destas regiões numa linha comunicativa que fala muito num registo semelhante ao que levou à Conferência de Berlim no final do século XIX.

O nosso governo dá a entender que para um país com mais de 1,2 milhões de km2 18 províncias é pouco porque algumas delas são comparáveis à área total de Portugal. Contudo, nada foi dito sobre a África do Sul que tem praticamente a mesma área que Angola (1.219.090 km2) e tem o território dividido em apenas 9 províncias, num país federalizado com três capitais e com mais 15 milhões de habitantes que Angola.

A questão da população parece não ser central na nova DPA. Por exemplo, o Censo 2014 indica que a gigante província do Kuando-Kubango era casa de apenas 2,1% da população nacional (24,4 milhões na altura) e 60,1% dos habitantes do Kuando-Kubango viviam no município do Menongue, assim, estamos a caminhar para a criação de províncias desérticas porque existe uma intenção esquisita de “ocupação integral do território nacional” como se tal objectivo dependesse da criação de novas províncias. Considerando a projecção da população do INE, em 2021 a população estimada de Angola é de 32,1 milhões e 658 mil vivem no Kuando-Kubango e destes 395 mil vivem no Menongue.

E o referendo?

Na nota introdutória do site criado para informação e recolha de posições no âmbito da auscultação em curso (dpa.gov.ao), somos informados que “em Angola, a alteração da DPA é da competência da Assembleia Nacional, mediante proposta submetida pelo Poder Executivo”.

Contudo, na minha modesta opinião, uma alteração desta magnitude num país democrático nunca deveria ser tão centralizada com a participação pública reservada à auscultação pública com contributos submetidos pela Internet e por eventos coreografados em alguns municípios.

A redefinição de fronteiras neste nível deveria exigir um referendo com campanhas pró e contra durante algum tempo e entregar a decisão para a maioria. Avançar com uma iniciativa dessas surpreendendo todos e reservar 30 dias para auscultação parece-me um acto autoritário travestido de democrático.

E as autarquias?

O modelo de governação centralizado que temos actualmente está falido há muito tempo e a sua substituição deveria ser um desígnio nacional mas parece que para o governo de Angola não existem razões para pressa. As eleições autárquicas prometidas para 2020 foram adiadas e com 2022 à porta, nada se fala da democratização do poder local que deveria acontecer antes do fim do mandato de 5 anos para o qual João Lourenço foi eleito em 2017.

A expectativa de muitos angolanos é que ser governado por alguém escolhido pela maioria local e com um mandato limitado no tempo e com fiscalização de um parlamento local, pode transformar a dinâmica de desenvolvimento dos nossos municípios e aproximar os interesses políticos dos eleitos daqueles que os elegeram e, por esta razão, fica difícil entender que na perspectiva do nosso presidente a solução pelos problemas da ineficiência da governação local passa por aumentar o número de províncias.

Enfim…

Fico triste em saber que ao fim de 45 anos no entendimento de alguns as nossas fronteiras internas ainda não estão maduras e que aumentando mais províncias porque algumas delas “são do tamanho de Portugal” na actual configuração é a solução para falta de estradas, falta de acesso à água, educação deficitária, questões de segurança e tantas outras que a meu ver beneficiariam do abandono imediato do modelo actual a favor da democratização do poder local.

Olhando para os problemas de Angola não consigo perceber a necessidade ou a oportunidade para em Agosto de 2021 estarmos a brincar de conferência de Berlim com esta discussão quando nunca foi abordada enquanto são olimpicamente ignoradas questões bem mais urgentes. Contudo, o jogo ainda não chegou ao fim e até o apito final há que manter a esperança no melhor dos resultados.

Advertisement

Autarquias: a saga que precisa de um fim em 2021

Angola é um caso raro de poder local centralizado em África (e no mundo) e ao fim de 20 anos no século XXI continuarmos a apresentar um sem número de razões para não realizar um acto que não é novidade para humanidade há séculos é injustificável. Uma nação que em pleno século XXI encontra na criação do poder local democrático uma tarefa hercúlea está a passar a si mesma um triste diploma de incapacidade.

No nosso caso particular, o modelo existente tem falhado há décadas na provisão dos mais básicos serviços aos cidadãos, na preservação elementar de espaços públicos, manutenção de vias de comunicação e criação de sistemas de mobilidade eficientes (vem aí o metro de Luanda, numa inicitiva do governo central que apoio e espero que cumpra com os objectivos). O modelo anacrónico de gestão que atribui o poder à um governador nomeado de forma centralizada que governa cidadãos sem poderes para de forma efectiva influenciarem a governação está na base da ineficácia governativa que gera cidades sujas, mal iluminadas, com défice crónico de infra-estruturas e a operar sistematicamente abaixo do seu potencial.

As eleições autárquicas deveriam ter acontecido em 2020 mas estamos a entrar em 2021 com incertezas quanto a sua realização como transpareceu a comunicação do presidente João Lourenço no encontro que manteve com os jovens, nas sequência de manifestações que, dentre outras questões, reclamavam pela institucionalização das autarquias em Angola. O PR alega que é incapaz de prever a compleição e aprovação dos dispositivos legais necessários para realização das eleições e estabelecimento do poder local democrático e o que não percebo é a inexistência de uma data limite para tal acto que force a negociação entre os partidos representados na Assembleia Nacional para que se chegue à um acordo e que se avance finalmente para uma alternativa ao modelo actual.

As eleições autárquicas deveriam ser uma prioridade para qualquer pessoa interessada em alterar o estado das coisas em Angola, não serão de forma alguma a panaceia para todos os nossos problemas (que são muitos) mas se criadas sob as regras minimamente exigidas como (i) eleição de quem governa por sufrágio dos constituintes, (ii) equilíbrio de poderes entre o executivo e a assembleia local, (iii) capacidade de influência dos eleitores durante o mandato e (iv) garantia de que não existem intocáveis perante a lei poderá ser criado o desejado ambiente em que a pressão social e da oposição combinadas com o engenho e empenho da governação geram resultados tendencialmente alinhados com o interesse comum, sob pena dos mandatos dos governantes não serem renovados ao fim do mandato ou mesmo interrompidos durante a sua vigência.

Um poder local pressionado pelos eleitores será forçado a ser criativo e encontrar soluções à todos os níveis. Se o município tiver desafios que não cabem nas suas finanças o governante deverá encontrar o equilíbrio entre a tributação local e a negociação junto do governo central por mais fundos, se as estradas do município estiverem degradadas e forem da responsabilidade das autoridades locais a mensagem chegará mais rápido e a pressão social empurrará o executivo para  soluções de forma expedita para evitar a degradação da sua popularidade, que é uma divisa relevante para um político em regimes democráticos.

A concorrência e o efeito imitação entre localidades autonomamente governadas, sobretudo por governantes eleitos, tem historicamente um impacto positivo apesar de ocasionalmente contribuir para o endividamento excessivo ou para a construção de infra-estruturas com utilidade socioeconómica duvidosa. Por exemplo, se o município de Viana tiver um executivo voltado para recuperação e construção de espaços verdes que mude a cara da localidade e nos municípios vizinhos como Cazenga e Kilamba Kiaxi os jardins estivem maltratados, a pressão das realizações de Viana poderão empurrar os governantes dos municípios vizinhos para o mesmo caminho, o mesmo acontece com a disponibilização de equipamentos sociais e culturais como piscinas municipais, espaços para prática multidisciplinar de desporto, salas de teatro ou a simples iluminação e pavimentação das ruas.

Outro elemento relevante na eleição de um titular do poder executivo local em detrimento de um governante nomeado centralmente é o carácter concorrencial e, por norma, voluntário do acto eleitoral. O candidato às eleições, pela natureza da disputa eleitoral é obrigado a preparar-se, conversar com os eleitores e produzir um programa minimamente pensado num processo de constante enriquecimento do seu conhecimento sobre a circunscrição que pretende governar. Por seu turno, no modelo actual os governadores são quase sempre nomeados sem previamente terem um programa de governação e assumem o cargo com conhecimento muitas vezes superficial da localidade para a qual são enviados para liderar e, pior, esta nomeação acontece sem que tenha havido qualquer manifestação voluntária da vontade de governar a localidade o que transforma o modelo actual alinhado com uma governação militar em que o chefe ordena e o soldado cumpre. Este modelo é globalmente adoptado pelos exércitos do mundo, o que sinaliza algum sucesso na sua adopção para a vida castrense mas a nível da governação local é uma raridade e infelizmente Angola integra este grupo das aberrações.  

A panóplia de insuficiências do modelo actual e todos os expectáveis benefícios para o comum cidadão da mudança não impedem que a disputa política desemboque num exercício de avanço lento e tentativo para democratização do poder local, sobretudo, porque a força hegemónica da política angolana – o MPLA – tem grande aversão à qualquer forma de redução do seu poder e tem se revelado no maior travão para institucionalização do poder local apresentando em todas as oportunidades um leque de dificuldades que alegadamente atrasam a implementação das autarquias.

Que 2021 seja um ano de mudança real na forma de gestão das nossas localidades e que esta mudança se revele uma injecção de democracia para todo o sistema político nacional e que o nosso país avance decididamente para mudanças consequentes na vida da maior parte dos cidadãos que habitam este país adiado há demasiado tempo.