Segundo estimativas do INE, a população actual de Luanda supera os 8 milhões de pessoas. A província de Luanda tem uma das cidades mais populosas de África, segundo o site World Atlas em 2019 Luanda era a quarta cidade mais populosa de África com 6,5 milhões de pessoas e superada apenas por Lagos (21 milhões), Cairo (20,4 milhões) e Kinshasa (13,3 milhões).
Um centro urbano com mais de 8 milhões de pessoas precisa certamente de soluções de mobilidade que privilegiem os transportes públicos eficientes. O crescimento demográfico de Luanda tem na sua génese a guerra civil que reforçou o conceito de Angola como um arquipélago de cidades onde Luanda representava o ponto mais seguro e, naturalmente, de atracção para milhões de pessoas forçadas a migrar das zonas mais afectadas pelo conflito e agudizou-se um modelo económico suportado por exportações de petróleo extraído no norte do país com a gestão das receitas concentrada em Luanda.
Ao longo dos anos, a semelhança do resto do país, Luanda pagou caro pela governação pouco inspirada que na presença de óbvias dificuldades que o contexto apresentava pouco fez para solucionar questões de desorganização urbana e provisão de serviços básicos aos cidadãos. A problemática urbana que tem efeitos transversais na gestão económica de um país incluindo na capacidade de cobrança de impostos nunca mereceu a devida atenção em Luanda fora a tentativa de elaboração de um plano director que por questões de integridade do processo viu a sua implementação interrompida.
Os sistemas de transportes públicos modernos nos grandes centros urbanos combinam um conjunto de meios como autocarros, comboios suburbanos, metro ou comboios ligeiros e no caso de cidades na margem de rios navegáveis ou do oceano podem ser integrados barcos.
A qualidade e a extensão das estradas pavimentadas constitui um desafio para qualquer operação de transportes rodoviários e o investimento nos caminhos-de-ferro não surtiu o efeito esperado porque não parece ter sido devidamente pensado e ajustado à nova geografia de Luanda com a reconstrução de uma linha colonial limitada à uma região muito específica e com serviço deficiente e imprevisível.
A iniciativa recentemente apresentada de um serviço de metro ligeiro para Luanda é uma nova versão de iniciativas tornadas públicas no passado mas desta vez parece que vai mesmo acontecer tendo a empresa alemã Siemens como parceira principal do governo angolano neste projecto de três mil milhões de dólares. O metro é parte de um projecto de mobilidade integrado previsto num Plano Director aprovado pelo governo.
Além do Metro de Superfície, o Plano Director de Luanda, já aprovado pelo Executivo, prevê também dois sistemas de metro de superfície, designadamente o Bus Rapid Transit (BRT) e o Veículo Rápido sobre Trilhos (carris), abreviadamente VLT.
O primeiro é utilizado para sistemas de transporte urbano com autocarros, que são alvo de consideráveis melhorias na infra-estrutura, nos veículos e nas medidas operacionais que resultam em qualidade de serviço mais atractiva.
A necessidade de investir numa solução para a mobilidade em Luanda é inquestionável, contudo existem questões sobre a sua prioridade num país que o défice de infra-estruturas de base e equipamentos sociais fundamentais continua a ser gritante como estradas interprovinciais adequadas, escolas de diferentes níveis, electricidade, redes de distribuição de água e hospitais.
Um sistema de transportes públicos eficiente em Luanda tem o potencial de melhorar a qualidade de vida e a eficiência da economia da província onde vive cerca de 30% da população de Angola mas se o investimento nos 149 km da linha de metro de superfície e, numa segunda fase, em linhas complementares de BRT e VLT limitar a capacidade do governo em melhorar as estradas nacionais que ligam diferentes províncias com custos elevados para empresas e pessoas ou mesmo concluir infra-estruturas como um novo aeroporto de Luanda (onde já foram enterrados milhares de milhões de dólares) poderá ser mais indicado melhorar as estradas principais e secundárias de Luanda e apostar nos transportes em massa rodoviários, mas o investimento no metro (o governo afirma que contribuirá apenas com 30% do investimento) não pode significar que o estado perde toda a sua capacidade de investimento.
Por outro lado, a mobilidade deverá estar sempre o centro de qualquer projecto de reorganização urbana de Luanda que é actualmente um quebra-cabeças com impacto incomensurável na qualidade de vida e na eficiência económica da cidade. Assim, investir em soluções de transportes públicos modernas para Luanda assume uma carácter de inevitabilidade e urgência o que exige do governo capacidade de gestão para que a necessária modernização de Luanda não venha a alienar as outras urgências do país. Ademais, os processos de reposicionamento urbanístico obrigam normalmente ao realojamento de pessoas e o nosso histórico neste capítulo não é dos melhores mas poderá ser esta mais uma oportunidade para começarmos a fazer as coisas bem, incluindo a própria gestão do sistema de transportes públicos que se quer construir sob pena dos potenciais benefícios não passarem de potencial como em parte tem sido a experiência do comboio ligeiro que serve há alguns anos cidade de Adis Abeba na Etiópia onde foram investidos 475 milhões de dólares numa rede com duas linhas que se estendem por 34 km, mas com locomotivas com capacidade abaixo da procura em hora de ponta e constantes incumprimentos de horários o serviço, que em termos gerais melhorou a mobilidade da cidade, tem muito espaço para melhorar.
Olhando para a realidade actual de Luanda, a expansão da cidade para sul e norte sem que tenham sido criadas infra-estruturas suficientes transformam a viagem de um ponto da cidade para outro num pesadelo e num exercício caro que penaliza grandemente os rendimentos das famílias mais necessitadas que por norma não têm automóvel próprio que continua a ser o melhor meio de transporte na desarrumada cidade de Luanda. Assim, a entrada em cena do metro beneficia potencialmente as pessoas mais pobres sobretudo se as linhas cobrirem os principais movimentos diários de pessoas e com capacidade suficiente.
Construir uma linha de quase 150 km em Luanda levará certamente à alterações estruturais com impactos negativos na vida de muitos cidadãos com o potencial de realojamentos, mas estas mudanças podem criar oportunidades para o desenvolvimento de novas zonas de comércio num quadro, espera-se, mais organizado. Ao potencial impacto positivo na economia de Luanda há que acrescentar a possibilidade do sucesso do projecto levar ao desenvolvimento de de soluções de transportes públicos noutros centros urbanos do país ajustados às necessidades de cada localidade e, se tivermos sorte, poderá impulsionar o surgimento de comboios interprovinciais com equipamentos mais modernos e linhas adaptadas à nova realidade de Angola e afastadas da reprodução linhas coloniais que serviam objectivos e necessidades da sua época.
Algumas grandes cidades africanos têm estado a construir sistemas de comboios metropolitanos desde o princípio da década passada como Argel, Adis Abeba ou Abuja mas 149 km projectados para Luanda (cujo calendário de execução desconheço) são bem mais ambiciosos o que faz-nos questionar a sua exequibilidade, em termos de comparação: (i) Argel tem uma linha de menos de 20 km, (ii) Adis Abeba não chega a 40 km e (iii) Barcelona não chega a 130 km. A nível de custos de construção, a nossa linha custará cerca de 20 milhões de dólares por km que comparam com os cerca de 14 milhões de dólares de Adis Abeba que foi erguido por uma empresa chinesa enquanto que o sistema angolano será construído com recurso à tecnologia alemã que por norma é mais cara que a chinesa e, espera-se, mais confiável.
Em suma, o metro tem o potencial para melhorar a mobilidade em Luanda e redireccionar o desenvolvimento urbano da província para um futuro mais organizado e funcional, mas o elevando investimento, ainda que maioritariamente realizado por privados como anunciou o ministro dos transportes Ricardo d’Abreu, faz-nos questionar a sua priorização em face das insuficiências registadas noutros importantes sectores mas de forma alguma podemos aceitar que a realização de um projecto possa significar o adiamento ou cancelamento de todos os outros, se quisermos construir finalmente uma nação nova temos que ter a capacidade para levar a cabo vários projectos de grande impacto.
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