Segundo foi reportado, o presidente de Portugal – Marcelo Rebelo de Sousa – num encontro com representantes da imprensa estrangeira em Portugal sugeriu que o seu país deveria pagar reparações às antigas colónias pela ocupação e pela escravatura. Desconheço a profundidade em que abordou o tema, mas segundo uma peça da Reuters o presidente Rebelo de Sousa sugeriu que a implementação da sua sugestão poderia passar pelo perdão da dívida de antigas colónias ou mesmo a concessão de financiamentos.
A compensação ou reparação associada a escravatura é um tema muito discutido em alguns países da Europa com passado colonial e sempre circundados de polémica e reconhecendo a diversidade da história de exploração dos países africanos, sempre achei a intenção de difícil execução tão simplesmente porque o prazo para uma execução satisfatória está vencido há mais de 100 anos no caso da escravatura e algumas décadas no caso da ocupação colonial pós Conferência de Berlim.
Ainda vamos a tempo?
Quando a escravatura foi abolida no Brasil, em 1888 a discussão a volta das indemnizações tinha como sujeito os detentores de escravos para quem foram previstas medidas compensatórias que passavam por indemnizações ou a extensão do período de usufruto da mão-de-obra escrava dos filhos de “ventres livres”. O que não aconteceu naquele momento foi a compensação dos escravos libertos ou dos descendentes de escravos e aquele era o momento mais fácil para executar (pelo menos localmente) qualquer reparação directa às vítimas vivas da escravatura.
E os outros envolvidos no comércio de escravos?
As sociedades escravocratas africanas do período do comércio transatlântico eram complexas com envolvimento de vários actores na comercialização desumana de pessoas, incluindo soberanos e comerciantes africanos e esta realidade cria espaço para que se questione quem deverá compensar quem, ainda que seja óbvio que em sociedades ocupadas a responsabilidade pelas decisões governativas recaem sobre maioritariamente sobre a força ocupante.
Que camisola vestirá o Brasil?
Admitindo um possível programa de reparação liderado por Portugal é igualmente legítimo ser discutido se o Brasil deverá ser colocado no lugar de vítima a compensar ou se será um compensador com Portugal, porque o Brasil pós independência se manteve como principal sociedade escravocrata da época e tinha em Angola a sua principal fonte de mão-de-obra escrava e, por esta razão, o território que é hoje Angola foi o que mais gente viu partir para as Américas entre os seus pares africanos e o Brasil foi de longe o maior destino de escravos nas Américas.
E os museus, é tudo a mesma coisa?
Um tema comum na questão das reparações é o espólio dos museus, em particular na Europa, que foram muitas das vezes construídos com a subtração forçada e violenta de artefactos de povos ocupados. Neste campo, o mais avisado é procurar investigar a forma de obtenção dos referidos artigos uma vez que a história colonial dos países (como colono ou colonizado) é diversa e a aplicação uniforme de regras para recuperação ou reparação pode atropelar a história. Por exemplo, existem registos de várias trocas voluntárias entre povos de diferentes nações do que é hoje Angola com portugueses que envolviam artefactos de marfim ou outras peças representativas da arte e riquezas africanas, mas é igualmente conhecida a história do saque violento dos bronzes do Benim por parte de uma “expedição punitiva” britânica naquele território que é hoje parte da Nigéria, boa parte do espólio continua em exibição ou guardado no British Museum em Londres e é fácil defender e até executar o retorno das peças.
E o passado próximo?
Em resumo, montar um modelo de reparação para as vítimas da escravatura no universo da CPLP (ou noutros) é complexo. Contudo, ocorreram alguns eventos bem mais próximos do presente cujo caso para instituição de reparações poderá ser de mais fácil materialização, em particular, acções militares do Estado Novo português na guerra pelas independências que resultaram em massacres e assassinatos cujas vítimas e seus descendentes são muito mais fáceis de identificar.
A sul de Angola, por exemplo, após anos de discussão a Alemanha aceitou em 2021 avançar com reparações ao povo namibiano após reconhecer ter cometido um genocício contra os Hereros e Nama entre 1904 e 1908, uma história magistralmente contada por David Olusoga no livro “Kaiser’s Holocaust: Germany’s Forgotten Genocide and the Colonial Roots of Nazism”.
Será que as reparações terão o impacto desejado?
A maior parte dos países que formam os PALOP vive com grandes insuficiências a nível institucional que resultam em problemas sócio-económicos que não só não serão resolvidos com qualquer acto de reparação de iniciativa portuguesa como podem limitar o impacto de qualquer compensação pecuniária e este é um facto que não pode ser ignorado.
Independentemente de tudo, vale sempre a discussão
No meio da polémica que o tema levantou em Portugal, mais uma vez foi dado algum espaço na comunicação social portuguesa para uma discussão mais aberta sobre o passado colonial português que está longe de ser tão rosado como uma franja da sociedade portuguesa defende, apesar de a mim não ser um choque que continue a ser fonte de orgulho e inspiração para Portugal como defendi no artigo “Portugal e a celebração no presente de um passado complexo” publicado neste blogue.

