Se for uma autonomia, pode ser boa para Cabinda; uma independência também não é má, uma vez que, se uns podem ser independentes, os cabindas também podem sê-lo e não vale vir aqui com histórias de separatismos, porque até 1956 Cabinda não era Angola. Enquanto os portugueses colonizaram o território que se chama Angola, Cabinda foi um protectorado. Havia outras potências lá: os holandeses, os belgas, os franceses, etc… etc… e, se os cabindas, por exemplo, têm escolhido os franceses, os belgas ou os alemães, aquele território nunca teria sido parte de Angola. Aliás, Cabinda era considerado Congo Português. Se olhar para a Constituição de 1933, que vigorou até à altura do Golpe de Estado de 25 de Abril, está lá bem claro. Aquilo que é o território de Cabinda é completamente diferente do território de Angola.
Raúl Danda in “Agora”
Cabinda foi de facto um protectorado português mas em termos administrativos foi governada como uma extensão de Angola (colónia) e esta administração de complementaridade estendia-se até às ilhas de São Tomé e Príncipe. Dizer que os cabindas poderiam escolher o seu lado é uma visão colorida porque os colonizados não tinham este luxo. Mais, é verdade que a presença de outros europeus em Cabinda é antiga, nomeadamente comerciantes holandeses, britânicos e sobretudo franceses que se fizeram presente não apenas com comerciantes mas também missionários franceses que fundaram organizações católicas em Cabinda no século XIX já num contexto de zona de influência da coroa portuguesa.
O território que hoje ocupa a província de Cabinda é essencialmente formado pelos territórios outrora ocupados pelos antigos reinos do Ngoyo, Kakongo e parte do reino/província de Mayombe, estes territórios ao longo da sua história terão alternado entre a zona de influência (ou vassalagem) dos vizinhos Reino do Loango (actualmente República do Congo) e Reino do Kongo, com sede em Mbanza Congo e que na era colonial passou a ser referido como Congo Português a que se refere Raúl Danda na entrevista ao jornal A Capital.
A ligação da Europa à costa ocidental africana foi dominada pelos portugueses até ao século XVII e nunca houve ocupação de Cabinda por outra potência colonial que não Portugal, apesar da longa relação comercial com mercadores franceses, sobretudo no período de forte procura por escravos na colónia de Santo Domingo (hoje, Haiti). Ademais, o interesse que costa do Loango e outros territórios que Portugal defendia como seus ao longo da costa da região centro-sul de África levou Portugal a pedir uma grande conferência de clarificação e assim deu-se a realização da conferência de Berlim no fim do século XIX (1884-1885) solicitada por Portugal e organizada por Otto von Bismark da Prússia (Alemanha) porque Portugal sentia que os territórios que ocupou em África estavam ameaçados pelas pretensões de outras potências europeias. As disputas sobre a soberania na zona da bacia do Congo são a génese da conferência que culminou com a divisão de África por zonas de influência de potências europeias. Portugal reagia sobretudo às pretensões de França que patrocinou as explorações na África Central de Savorgnan Brazza (1882) e do Rei Leopoldo que presidia a Association internationale du Congo (fundada em 1879 como Association Internationale Africaine) que contava com os serviços do explorador inglês Henry Morton Stanley. Em Berlim ficou decidido que Cabinda era responsabilidade de Portugal, assim como o Reino do Kongo e a Colónia de Angola (que anos mais tarde fundiram-se numa única colónia dando origem ao território actual de Angola).
O Congo Português na sua versão original, não se resumia a Cabinda mas sim a toda parte norte de Angola. Quando os franceses e belgas resolveram chamar de Congo as suas colónias na África Central a região passou a ter três Congos: o português, o francês e o belga. O nome Congo (ou Kongo) é originalmente de Angola (Reino do Kongo) que era de facto o reino africano com maior relação com a Europa e um dos principais fornecedores de escravos durante todo período do comércio de escravos do Atlântico (Angola como um todo, foi o país que mais escravos forneceu ao Novo Mundo). O Reino do Kongo, sedeado na Angola actual, tornou-se num reino católico mesmo antes de Colombo chegar à América, o rei Nzinga-a-Nkuwu foi baptizado em 1491 e adoptou o nome de João I Nzinga-a-Nkunwu.
Apesar do reino do Kongo no seu apogeu estender-se até ao sul do Gabão, o território hoje ocupado pelo Congo Brazzavile é – essencialmente – o que era o Reino do Loango e apenas uma parte do sul da actual República Democrática do Congo era integrante do Reino do Kongo que era centrado em Angola onde tinha a capital Mbanza Congo (São Salvador do Congo) e as principais zonas de influência como o condado do Soyo, Luanda e Nambu-a-Ngongo. Por exemplo, os escravos referidos no Novo Mundo como “congos” entre os séculos XV e XIX eram essencialmente angolanos do Reino do Kongo “exportados” dos portos Mpinda no Soyo (Santo António do Congo), Kakongo e Ngoyo(ambos no que é hoje é Cabinda), Ambiz e Luanda, os tais que chegaram aos milhares no Brasil, Colômbia, Cuba, Porto Rico, Estados Unidos, México, Hispaniola (Dominicana e Haiti) e outras terras ocupadas por europeus no Novo Mundo.
Os portugueses chegaram a foz do rio Zaire (ou Rio Congo) em 1483 mas a colonização efectiva do território que é hoje Angola começou apenas com Paulo Dias de Novais no último quarto do século XVI e desde o início da criação da colónia de Angola sempre existiu Angola e Reino do Kongo de forma separada até 1914. O Reino do Kongo tornou-se vassalo do reino de Portugal apenas em 1859.
Para nós que crescemos sob o princípio de “um só povo, uma só nação” parece um dado que sempre fomos “uma só nação” ainda que existissem dúvidas sobre sermos “um só povo”, mas a junção dos territórios portugueses nesta região sob um único nome (Angola) é muito recente (100 anos) e não é exclusivo de Cabinda (anos 1950 como disse Raúl Danda), o que não exclui longos anos de história comum entre os territórios que inclui São Tomé e Príncipe que foi povoado significativamente por povos vindos de Angola (incluindo muitos cabindas), aliás, a Santa Sé continua a agrupar Angola e São Tomé na mesma Conferência Episcopal.
O enclave de Cabinda só é um enclave porque 1885 em Berlim o rei Leopold II da Bélgica conseguiu que lhe fosse cedida uma saída para o mar que separou Cabinda da actual província do Zaire. Cabinda é hoje um enclave por uma decisão diplomática tomada há 130 anos num contexto muito particular e não por diferenças culturais irreconciliáveis ou outra razão qualquer. Em termos de diversidade cultural este país não é diferente de grande parte dos países africanos que são verdadeiras mantas de retalhos que com diferentes níveis de sucesso vão conseguindo viver debaixo da mesma bandeira (ou não!).
Tudo isto para dizer que a história colonial semelhante dos povos que habitam Angola, sendo o principal legado a língua portuguesa, não pode ser ignorada ou diminuída para que se construa o caminho para uma possível desintegração territorial. As reclamações por melhores condições de vida das pessoas de Cabinda são legítimas, maior autonomia na gestão local é igualmente uma exigência legítima mas independência não tem justificação para mim. Ademais, é importante lembrar que o país inteiro vive com grandes dificuldades apesar do espaço desproporcional que Luanda ocupa na vida económica do país. Comparativamente, em termos económicos, Cabinda não é das piores províncias mas isto não invalida o facto de que a província deveria ser servida de melhores infraestruturas assim como a província do Zaire que até é a que mais exporta petróleo em Angola. Os números dizem que a zona norte, em que se insere Cabinda, é das menos avançadas economicamente mas isto deve-se sobretudo aos níveis de pobreza mais acentuados das outras províncias que integram a região norte: Zaire e Uíge. No Inquérito Integrado Sobre Bem-Estar da População (IBEP) realizado pelo INE há alguns anos, a região norte apresentou uma receita média mensal por pessoa vergonhosamente baixa, 6.711 kwanzas, que compara com os 12.311 kwanzas de Luanda que não são em si grandes números mas são muito acima da região norte e da segunda região mais rica, a região sul (Huíla, Namibe e Cunene) com 9.187 kwanzas. Na verdade, apenas a região este (Lunda Norte, Lunda Sul, Moxico e Kuando Kubango) apresenta números piores que a região norte (4.830 kwanzas).
Concordo plenamente com Raúl Danda quando pede melhor governação. Uma governação mais justa, equilibrada e eficiente melhoraria a vida de todos os angolanos, de Cabinda a ponta do Kuando Kubango porque por este extenso território os problemas são comuns e devem ser vistos desta forma, apesar de existirem assimetrias significativas entre algumas províncias nada nos diz que uma nova abordagem na governação não poderá alterar o quadro para todos sem necessidade de desintegração territorial.
Muito bom artigo, equilibrado e claro na sua exposição.
Melhor governação é realmente o que necessita o povo angolano, incluindo os cabindenses.
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