E se os empregos industriais não chegarem nunca?

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Quando se fala em diversificação em Angola é comum ouvirmos referências à necessidade de investir-se na agricultura e na indústria transformadora para, dentre outras coisas, resolver a maka do alto desemprego. Este pensamento está alinhado com a história da revolução industrial desde o século XVIII que teve o aumento do emprego associado ao aumento da produção.

Mas actualidade conta uma versão diferente. Nos últimos anos o aumento da produção industrial não tem estado necessariamente associado à criação de emprego industrial, pelo contrário a adopção de modelos apoiados na robótica que ganham em eficiência e dispensam a mão de obra massiva nas fábricas tem estado a reduzir consideravelmente a mão de obra industrial.

Muitos países passaram por uma fase de criação de empregos agrícolas que propalaram empregos industriais e depois evoluíram para uma situação de crescimento do emprego nos serviços. Contudo, tem-se verificado que muitos países passaram da primeira fase para terceira muito rapidamente e existem casos em que nem se pode falar que houve industrialização sequer.

O economista Dani Rodrik apoiado na ideia de Dasgupta and Singh publicou um paper que argumenta que muitos países em desenvolvimento estão a passar por um processo de “desindustrialização prematura”, passando para economias dominadas por serviços em muito menos tempo que os países desenvolvidos. Esta realidade tem potencialmente efeitos perversos a nível do emprego, da desigualdade internas e a da capacidade dos países competirem externamente.

Não sendo produtores de tecnologia e tendo presente a velocidade em que os equipamentos industriais têm estado a evoluir, o normal é que a instalação de fábricas novas nos países menos avançados não seja feita com recurso à equipamentos obsoletos que exigiam um forte corpo de força humana mas sim suportadas por tecnologia baseada em automatismos que dispensam a mão-de-obra massiva como ocorreu na revolução industrial. A necessidade de trabalho braçal é também diminuta na agricultura moderna, o que implica que pela via de grandes investimentos na agricultura não se resolverá o problema de subemprego, ficando a agricultura braçal reservada aos pequenos camponeses sem meios financeiros e com pouca formação, o que limita a sua produtividade.

Sendo assim, as expectativas de criação expressiva de postos de trabalho por via do investimento na indústria provavelmente não se realizarão, mas o mais grave da questão é que o país não está preparado e nem se está a preparar para ser uma economia de serviços competitiva porque não está a investir o suficiente na capacitação dos quadros, condenando o país à dependência de contribuições de trabalhadores expatriados ou para o contínuo declínio da produtividade que contribui grandemente para a qualidade de vida dos cidadãos.

Sem a criação de postos de trabalho destinados à pessoas com poucas qualificações, o futuro empregado angolano vai necessariamente ter de apresentar-se com mais capacidade no mercado de trabalho para poder desempenhar funções nas áreas de tecnologia, serviços financeiros, saúde, logística, telecomunicações e outros serviços cada vez mais dependentes de meios tecnológicos e da criatividade diferenciadora. Com o mundo cada vez menor, a concorrência virá de todos os lados e o potencial de aumento de desigualdades e fissuras sociais é grande.

A linha de montagem com centenas de operários e os campos cultivados por milhares não combinam com uma imagem do futuro, na China ou em Angola, o melhor passa por reformar o país no sentido de facilitar a vida ao empreendedor e dar à formação dos cidadãos a importância que ela merece.

Diversificação sem divisas tem tanto de sonho como de ilusão

O semanário Expansão reportou recentemente que as empresas industriais em Angola estão a ser particularmente afectadas pela falta divisas. As fábricas angolanas, regra geral, dependem de equipamentos, peças e matérias-primas e subsidiárias importadas. Com a escassez de divisas e a não aceitação de moeda nacional para transacções com o exterior as empresas enfrentam a possibilidade de reduzir a sua produção, uma situação que expõe de forma flagrante o problema estrutural da economia angolana.

A nossa indústria, como o resto da economia, depende grandemente de fornecedores externos e pouco se tem feito para alterar este quadro. Angola pretende industrializar-se sem resolver o problema de sub-produção do sector primário, o que me parece ser extremamente desafiante, sobretudo, num país fechado (apesar do peso do comércio externo no PIB indicar o contrário).

A falta de divisas não só ameaça a produção actual como põe em cheque a produção futura, a tal que permitirá a diversificação. Os novos projectos industriais precisam de equipamentos externos, serviços de entidades externas e matérias-primas do exterior para serem realizados. Sem divisas não há maquinas, não há assistência técnica e não há matérias-primas e, naturalmente, não há produção.

A nossa indústria de bebidas que se tem manifestado como das mais afectadas pela escassez de divisas, tem sido muito protegida por medidas do governo. Contudo, os produtores de bebidas (excepção da água de mesa) continuam dependentes de matérias-primas importadas e o aumento da sua capacidade significa um aumento das necessidades de divisas. Não seria má ideia o governo exigir mais de quem apoia. No caso particular dos produtores de sumos e cervejas o estado poderia exigir – estabelecendo um calendário e metas quantitativas – que estas empresas apoiassem a produção local de parte das suas matérias-primas como acontece na Zâmbia onde a Zambian Breweries (Grupo SAB Miller) apoia a produção local de cevada e a utilização de sorgo em algumas cervejas. Desta forma, a indústria fomenta a agricultura local e são reduzidas as necessidades de divisas.

Sobre a produção agrícola – base para a agro-indústria – existem outras questões a abordar. Apesar dos sinais positivos que temos assistido na agricultura empresarial, continua a ser necessário encontrar novas soluções para a agricultura familiar (ou campesina). O Brasil tem muita experiência nesta área e poderia ser útil aproveitar as boas relações para relançar o sector em Angola. Os camponeses têm que estar agrupados para capacitação, financiamento, aprovisionamento, produção e venda do produto. No caso concreto da iniciativa pública Programa Aquisição de Produtos Agrícolas (PAPAGRO), fica claro que além da necessidade de refinamento do próprio programa, as etapas anteriores (formação, financiamento e produção) precisam de ser melhor abordadas.

A indústria de plásticos em Angola conta já com um número significativo de produtores mas o polímeros que usam para produção de diferentes produtos são importados. Se fôssemos capazes de estabelecer uma indústria petroquímica, os polímeros poderiam ser produzidos localmente, mas os atrasos no arranque da refinaria não ajudam. Mesmo sem a indústria petroquímica, o governo poderia incentivar a reciclagem de plásticos e outras embalagens (latas, alumínio) para produção local de matérias-primas e subsidiárias.

Estas são algumas medidas que poderiam reduzir a exposição do sector industrial angolano ao exterior reforçando a disponibilidade de matérias-primas e subsidiárias locais. Contudo, para produzirmos mais e de forma mais competitiva serão necessárias algumas medidas adicionais como a redução da carga fiscal sobre os produtores como avançou José Severino e mais e melhor investimento em infra-estruturas cuja deficiência encarece a produção industrial.

Com as nossas limitações a nível da capacidade técnica, sem produção local de equipamentos e com reduzida produção local de matérias-primas é irrealista pensar em produção nacional sem recurso ao exterior e como o kwanza não “fala estrangeiro” têm que ser chamadas a divisas, se estas continuarem a escassear é melhor estarmos preparados para quebra da produção nacional e para o adiamento da diversificação.