A economia angolana 50 anos depois | O que é hoje [Parte 2]

Como foi partilhado no artigo anterior, focado em como era a economia angolana nas décadas de 1960 e 1970, as exportações de petróleo estavam a ganhar representatividade de forma acelerada anos antes da independência, mas o que exportávamos era um cabaz bem mais diversificado do que é hoje. Nos nossos dias, apesar de várias manifestações de intenções temos uma “pizza” dominada por um único ingrediente com os mais de 90% do petróleo que compara com 51% em 1974, ano em que terminou a guerra pela independência e antecedeu a saída do governo colonial em Novembro de 1975.

O processo de recomeço iniciado com o fim da guerra civil que coincidiu com o aumento assinalável da produção e preço de petróleo, demorou a gerar frutos em outras áreas da actividade económica como a agricultura e a indústria transformadora. Eventualmente, os ventos favoráveis na década de 2000 ditaram o investimento displicente na diversificação cuja ênfase aumenta sempre nos períodos baixos do mercado petrolífero, mas a verdade é que diferentes programas públicos e investimentos privados realizados no final da década de 2000 e na seguinte produziram resultados abaixo do necessário para transformação material da economia angolana, designadamente na recuperação de um tecido produtivo mais diversificado, redução das importações, diversificação das exportações e robustez na geração de empregos para uma população crescente e jovem.

A paz duradoura efectivada em 2002 coincidiu com o aumento da produção e preço de petróleo bruto o que levou Angola a experimentar um período de crescimento económico acelerado com influxo de fundos de receitas fiscais associadas às exportações de petróleo e empréstimos de instituições chinesas que sobreaqueceram a economia que, dentre outras consequências, catapultou Luanda para o topo das cidades mais caras do mundo, posição que entretanto deixou de ocupar muito por culpa da depreciação do Kwanza dos últimos anos.

O boom económico alicerçado no sector petrolífero suportou o crescimento de outros sectores com destaque para telecomunicações, construção e serviços financeiros. O sector da construção foi suportado pela grande procura por obra pública e privada, com a recuperação e construção de novas infra-estruturas cuja execução, em grande medida, não obedeceu às exigências mínimas de qualidade. O papel central das instituições do Estado na dinamização do sector da construção num país com grande défice no controlo das finanças públicas e com mecanismos de punição igualmente deficientes explicam tanto a aceleração do enriquecimento ilícito de uma minoria como a destruição de fundos públicos que foram convertidos em obras sem a durabilidade necessária para afectar positivamente o desenvolvimento.

Por seu turno, o sector financeiro beneficiou do aumento da transaccionalidade na economia, que pelas características apresentadas tinha no Estado o seu maior protagonista, embora seja inegável o aumento do consumo privado (incluindo famílias) nos anos de crescimento económico acelerado. A inversão de sentido da economia angolana acentuada em 2014 deu início ao processo de empobrecimento que vivemos há uma década com consequências a nível do consumo privado e público, sendo que o Estado se manteve como principal cliente de crédito do sector bancário, tanto pela emissão de dívida como pela contratação de crédito directo. Por seu lado, o sector das telecomunicações experimentou taxas de crescimento e rentabilidade ainda mais impressionantes que as dos bancos na década de 2000, mas a estrutura dominada por um operador e o modelo de preços fixados acabaram por entregar um sector pouco inovador (sobretudo, comparando com outros países africanos) e com níveis de rentabilidade afectados pela dinâmica de preços fixados centralmente em kwanzas numa indústria exposta a necessidade de investimentos recorrentes em moeda forte.

A nível de investimento público, outros sectores centrais para construção de prosperidade duradoura foram igualmente negligenciados como é o caso da educação que forma consistente integrou o grupo de parentes pobres do investimento público, sobretudo considerando a dimensão do desafio (ponto de partida baixo e crescimento acelerado da população). A educação vive com uma situação crónica de subinvestimento que não permite a formação de quadros em quantidade e qualidade para que o sector produtivo tenha disponível localmente as pessoas necessárias para fazer crescer a economia, com menos custo e dependência de importação de capital humano.

A indústria transformadora, fruto da necessidade de substituir importações com o que é possível produzir localmente (preferencialmente) de forma competitiva, tem experimentado anos de expansão apesar de desafios a nível do acesso a técnicos devidamente formados, matéria-prima local, divisas para insumos e serviços importados e qualidade das utilidades e infra-estrutura básica (energia, água, saneamento, estradas, etc.). Contudo, o grosso dos produtos manufacturados em Angola continuam as ser importados, incluindo da indústria alimentar que, apesar de tudo, tem subsectores maioritariamente suportados pela indústria nacional.  

Actualmente, a nossa economia tem como fonte única de divisas as exportações de petróleo bruto apesar de sinais inconsistentes no aumento de exportações de produtos agrícolas que poderá beneficiar do aumento da produção de commodities agrícolas para venda aos grandes centros de consumo do mundo (como abacate e café) ou produtos com forte procura regional e potencial de produção local (como feijão). Outro sector que apesar de sinais positivos está muito longe do seu potencial é o turismo, que acaba por ser dependente da qualidade de sectores complementares como infra-estrutura de transporte e comunicação, segurança pública e jurídica, sistema de saúde e pessoal com formação básica ao longo de toda cadeia de valor.

O processo de destruição da base produtiva diversificada teve início com a escolha de economia planificada por parte do MPLA que após 1975 assumiu progressivamente o governo de Angola independente. A economia angolana pré-independência era suportada pela combinação de gestão empresarial com práticas abusivas da mão-de-obra local e este último elemento era apresentado com motivo principal para uma alteração completa que trouxe-nos a administração pública dos negócios que acabou por afectar negativamente a sustentabilidade de empresas em sectores altamente produtivos (como o café) e, a prazo, acabou por destruir os empregos que estas medidas buscavam, em parte, tornar mais dignos. A guerra civil que aumentou de intensidade na década de 1980 contribuiu para paralização ou redução material de muitas actividades económicas. O estado em que se encontram hoje as instalações da antiga Companhia Angolana de Agricultura (CADA) é demonstrativo de como as escolhas políticas e o conflito armado destruíram peças importantes da economia diversificada herdada em 1975.

Pouco depois da independência
49 anos depois da independência

50 anos depois Angola e num contexto de transformação acelerada a nível de tecnologia com a mobilidade a virar-se para electricidade e tudo o resto a ser assaltado pela inteligência artificial, Angola é está hoje a buscar o seu futuro num passado em que o sector agrícola tinha relevância e a indústria extractiva começava consolidava o seu papael como motor da economia.

O país certamente beneficiaria muito se ocorresse no curto prazo uma revisão do modelo de governação a favor de um modelo que privilegie os mecanismos de negociação de prioridades entre governados e governantes, com uma estrutura de decisões políticas que acomoda diferentes ideias, tendo no mérito o critério principal de selecção. Afinando o modelo político, é expectável que os escassos recursos sejam alocados de forma mais racional, permitindo ao país tirar melhor proveito da sua riqueza hídrica para geração de energia eléctrica limpa e produção agro-pecuária, da sua posição geográfica para conexão entre diferentes interesses globais, da sua cultura, história e beleza natural para progressivamente construir uma indústria turística de referência e finalmente transformar Angola num país com prosperidade partilhada pela maioria, com bases numa economia de mercado e diversificada, que respeita os direitos de todos os intervenientes na geração da riqueza.

Donald Trump e o esoterismo económico pro max

O presidente do Estados Unidos, Donald Trump, repetiu durante a campanha nas eleições que resultaram na sua vitória em Novembro de 2024 que “ama as tarifas”. O presidente Trump tem uma visão muito peculiar sobre o comércio internacional e entende que os impostos a importação (tarifas) são a ferramenta ideal para “equilibrar” o comércio entre nações. Para Trump, o défice na balança comercial entre dois países significa que o país que mais exporta está a explorar quem mais importa o que não só não é verdade como assume a premissa errada que o comércio moderno funciona na base de permuta bilateral.

Para calcular o “nível de barreiras” ao comércio livre que obrigam à aplicação de pesadas tarifas a equipa de Donald Trump recorreu a uma fórmula que não se reconhece em nenhum manual de economia para um tema que é discutido de forma estruturada desde os primórdios da ciência económica no final do século XVIII e início do século XIX, altura em que David Ricardo destacou que comércio baseado na exploração das qualidades de cada parceiro comercial produzia melhores resultados económicos para todos os envolvidos.

Donald Trump entende que a desindustrialização dos Estados Unidos é, na essência, o resultado de políticas desleais dos seus parceiros comerciais (em particular a China) que bloqueiam a entrada de produtos americanos com barreiras alfandegárias e não-alfandegárias que criam vantagens artificiais para as suas indústrias. Ainda que seja inegável que muitos países usaram e usam mecanismos de protecção da indústria doméstica esta realidade não explica a deslocação de grande parte da produção industrial para o Oriente onde foi possível combinar qualidade industrial com custos de mão-de-obra muito mais baratos do que nos países desenvolvidos que, na generalidade, viram a sua economia crescer mais na prestação de serviços e desenvolvimento de tecnologia, inclusive muitas empresas dos Estados Unidos escolheram voluntariamente produzir na Ásia os produtos que desenvolveram no seu país, sendo a Apple o exemplo mais visível.

No seu diagnóstico sobre os resultados da desindustrialização Trump ignora o crescimento do sector dos serviços, o aumento contínuo da produtividade e da prosperidade dos Estados Unidos que nas últimas décadas distanciaram-se dos seus pares do mundo desenvolvido e mantiveram relativamente intacta a posição de maior potência económica mundial. Pelo contrário, Trump partilha a fotografia de um país vítima de aproveitadores e em decadência, aludindo que o mundo a sua volta está a experimentar um crescimento invejável às custas dos americanos e a “prova científica” desta realidade é o défice comercial observado com cada país individualmente e deste princípio surgiu a fórmula que acusa economias muito menores de estarem a explorar os Estados Unidos sem avaliar particularidades de cada país e o tipo de trocas que existem entre estes países e os Estados Unidos.

A imprensa americana destacou o absurdo da situação do Lesotho, um pequeno país encravado na África do Sul que é exportador nato de diamantes e tem um PIB de USD 2,1 mil milhões. Por ser um país relativamente pobre e geograficamente cercado pela África do Sul o Lesotho importa grande parte dos seus produtos da África do Sul  (~80%), por esta razão importam muito pouco do resto do mundo e por exportarem diamantes para os Estados Unidos têm um superavit comercial os Estados Unidos o que na “fórmula trumpista” de cálculo do abuso comercial resultou numa tarifa geral para as importações do Lesotho de 50% que de forma alguma irá contribuir para aumentar as exportações americanas para o Lesotho.

A situação do Lesotho é equiparável a de Angola que tem em termos globais uma balança comercial positiva porque apesar de importar muitos bens de consumo continua a ter o valor das exportações superior ao das importações. Por exemplo, Angola tem um superavit comercial com os Estados Unidos e na leitura de Trump andamos a abusar da benevolência americana e por isso os importadores americanos que comprarem produtos comprados em Angola terão de pagar uma tarifa de 32% o que, presumindo a descontinuidade de programas como AGOA na administração Trump inviabiliza o potencial de exportações agrícolas para os Estados Unidos. Na lógica de Trump, o facto dos americanos comprarem petróleo bruto angolano força os angolanos a comprar mercadorias de igual valor a fornecedores americanos.

New York Times

O “dia de libertação” prometido por Donald Trump revelou-se a confirmação dos piores medos uma vez que na sua tentativa mal informada de reformar o sistema comercial global o presidente dos Estados Unidos criou condições para o encolhimento da economia global e injectou uma dose violenta de pessimismo e incerteza nos mercados organizados.

Para piorar, o nível de incoerência a volta das medidas de Trump e o seu histórico de mudanças bruscas de direcção agudizam os piores sentimentos o que congela decisões de investimento e impacta a confiança dos consumidores que está na contramão da aparentemente inabalável confiança de Trump nas suas decisões, por mais esquisitas e idióticas que possam parecer.

As exportações agrícolas com alguma materialidade, no momento, são sobretudo aspiracionais e no médio prazo poderão de ser um tema se Trump revisitar as suas posições ou se o pr´óximo ciclo eleitoral americano devolver a normalidade a Casa Branca. Contudo, no curto prazo, a expectativa de desaceleração económica global já está a empurrar os preços do petróleo para baixo e o nível de preocupação em Angola segue no sentido inverso.

Proibir importações não resolverá o défice de produção de carne

Mapa do mundo de acordo com tarifas aduaneiras médias (Banco Mundial via Wikipedia)

O mapa acima apresenta um trabalho do Banco Mundial de 2021 com uma gradação de cor que indica o nível médio de direitos aduaneiros cobrados pelos diferentes países e como é possível constatar Angola está no grupo de países com carga fiscal à importação mais elevada do mundo.

Repetidas vezes os governantes e parte do empresariado angolanos, que têm sido consistentemente os proponentes de uma abordagem aduaneira proteccionista, apresentam tais políticas como mecanismo de fomento da produção nacional ou a tábua de salvação dos nossos produtores que estão sob ataque de importadores imbuídos de ganância e desapego pelo interesse nacional.  

Em 2015, escrevi sobre uma decisão governamental para destruição de ovos importados com uma justificação pouco clara para o público em geral e o reforçar de pedidos de protecção aduaneira como política de fomento da avicultura, com foco na produção de ovos e naquela altura, apesar dos problemas a produção nacional de ovos conseguiu consolidar a sua posição na oferta de ovos e hoje sustenta a quase totalidade do consumo nacional com algumas excepções, sobretudo em regiões fronteiriças e/ou remotas. Contudo, persistem os problemas relacionados com insumos e infra-estruturas que encarecem o produto final e retiram competitividade ao ovo nacional e o problema maior é que os elementos que afectam negativamente a nossa capacidade produtiva não têm merecido a necessária atenção.

Ao longo destes 50 anos de independência Angola tem tido quase sempre uma postura proteccionista com muito poucos resultados e a mais recente medida encabeçada pelo Instituto de Serviços de Veterinária (ISV) que deixará de emitir nos próximos meses licenças de importação de diferentes tipos de proteína de origem animal é mais uma manifestação da regra do que uma excepção. A medida é bastante abrangente e tanto visa partes menos nobres da carne bovina ou suína como inclui na lista das proibições as coxas de frango.

Para além de ignorarem a nossa própria experiência, um erro comum destas medidas é a assunção que o produtor é o único elemento importante no mercado e é o único cuja actividade gera emprego. Os empregos gerados pelos distribuidores (quase sempre importadores na nossa realidade) e os custos e benefícios para o consumidor são, por norma, subalternizados apesar dos últimos constituírem sempre a maioria.

A avicultura merece especial atenção porque é a principal fonte de proteína animal em Angola tanto na forma de ovo (quase sempre produzido em Angola) como de carne (quase sempre importada). As estimativas de agentes do sector agro-pecuário angolano indicam que os produtores nacionais respondem apenas por 10% da oferta de carne de frango de um consumo total estimado em cerca de 300 mil toneladas por ano o que implica que a interrupção abrupta da importação de carne de frango irá causar um choque na oferta que irá causar escassez da proteína mais consumida em Angola e, consequentemente, uma subida acentuada nos preços.

Independentemente da nobreza da parte do frango de que estamos a falar, a abrangência da medida, o nível de consumo dos produtos e incapacidade da produção local colmatar a ausência da oferta de origem externa no médio prazo, vai significar não apenas um produto mais caro como a redução na ingestão de proteínas de uma população que já tem estado a ser fustigada pelo aumento do custo de vida, inclusive por via dos preços do frango e do ovo. Com efeito, apesar de Angola consumir essencialmente ovo nacional e existirem operadores com grande capacidade, o nosso consumo per capita anual de ovo anda a volta de 80 ovos que compara com cerca de 240 do Brasil.

O objectivo do Ministério da Agricultura e Florestas (MINAGRIF) que tutela o ISV é nobre e louvável, mas penso que temos provas suficientes na literatura económica e na história de Angola que o caminho escolhido não irá criar uma classe de produtores de carne do dia para noite com foco quase exclusivo na protecção aduaneira de uma classe pequena na esperança do seu rápido crescimento em eficiência, número de produtores e produção total. Ademais, as medidas parecem ignorar os danos colaterais que, na minha opinião, são bastante superiores aos benefícios antecipados.

O desejado crescimento da produção local poderá ser orgânico e de forma acelerada se forem atacadas as principais fragilidades como a oferta limitada de genética (quantidade e qualidade), produção reduzida e cara de insumos para ração (milho, soja, suplementos e outros), custos com vacinas e infra-estruturas de base cuja disponibilidade e baixa qualidade podem encarecer a actividade económica (acesso a àgua, electricidade, estradas, comunicações, etc.).

Efectivamente, em Março de 2022 a responsável pela gestão da Fazenda Pérolas do Kikuxi – Elizabeth Dias dos Santos – partilhou com o jornal Expansão uma avaliação da queda na produção de ovos no país que se estava a acentuar naquela altura e apontou como principais problemas a (i) qualidade da genética e capacidade de substituição atempada dos bandos, (ii) a quantidade e qualidade da ração e (iii) a qualidade da água. Na mesma peça, a produtora de ovos questionava a não priorização da importação de inputs para a indústria avícola e os seus impactos na produção doméstica de ovos. O diagnóstico parece-me bastante assertivo e simples, com dicas de como a intervenção pública poderá apoiar a produção nacional sem grande impacto na disponibilidade da oferta, designadamente promovendo programas de fomento de produtores de pintos, inputs agrícolas e químicos para produção de ração e concertando diferentes organismos públicos no sentido de melhorar as infra-estruturas com impacto positivo nos custos operacionais dos nossos empresários. 

Como é óbvio, um programa nacional para melhorar e manter infra-estruturas é mais desafiante, mas deve ser o foco da intervenção pública e não a insistência na “solução” rápida da protecção aduaneira como política de fomento industrial. Os produtores nacionais continuam a necessitar de quadros melhor formados, infra-estruturas de melhor qualidade e financiamento menos caro e a proibição isolada de importações não resolve nenhum destes problemas e a prazo vamos criar uma classe ineficiente e dependente de favores legislativos e com tendência para se transformarem nos maiores advogados da não formalização da entrada na Zona de Comércio Livre da SADC, limitando o seu próprio potencial para exportação enquanto contribuem para perpetuação da nossa dependência da exportação de petróleo como fonte dominadora de moeda forte que precisamos para importar bens e serviços.

Contrastando o mapa apresentado acima com o mapa seguinte, podemos observar que Angola não integra o grupo de países com o nível de riqueza per capita mais elevada como é comum entre os países com maior carga fiscal aduaneira. Podemos sempre usar a máxima muito apreciada na estatística e econometria que diz que “correlação não é necessariamente casualidade”, mas também não podemos ignorar que os países mais prósperos tendem a caminhar no sentido contrário da protecção aduaneira como medida isolada para o fomento industrial doméstico. O fomento industrial costuma ser mais eficaz com programas de subsidiação bem desenhados e controlados do que imposição de bloqueios aduaneiros, sem considerar possíveis contenciosos a nível da Organização Mundial do Comércio ou medidas de retaliação como tem anunciado o novo presidente dos EUA, Donald Trump, que claramente também é céptico sobre as observações que David Ricardo fez no início do século XVIII e até hoje se mantêm como quase unanimidade entre economistas: o comércio internacional, quanto mais livre for melhor será para todas as partes.

Multicaixa Express e os pagamentos móveis em Angola

No princípio de Janeiro de 2025 a EMIS, o principal provedor de serviços de pagamentos electrónicos em Angola publicou os dados de utilização da Rede Multicaixa que bateram todos os recordes anteriores e que pela primeira vez apresentam o Multicaixa Express (MCX) como o principal canal de realização de transacções da Rede Multicaixa e, consequentemente, o principal mecanismos para realização de transacções financeiras em Angola.

O modelo de criação de uma empresa para prestação de serviços de pagamentos detida pelos bancos comerciais que foi criada com suporte e participação do regulador (BNA) foi copiado ao modelo português. Assim, a EMIS em Angola nasce como “sósia” da SIBS portuguesa que até hoje é a principal fornecedora da tecnologia da EMIS e este modelo combinado com um sistema nacional de pagamentos funcional e adoptado pela generalidade do sector bancário angolano está na base da grande divergência com a revolução dos pagamentos móveis em África que teve início no Quénia com m-Pesa da Safaricom/Vodafone e espalhou-se pelo resto da África Oriental antes de se estabelecer como relevante em outras regiões do continente.

Relativamente ao volume transaccionado, o MCX respondeu por cerca de 36% do total de 35,1 biliões de kwanzas (c. USD 38,5 mil milhões) movimentados via EMIS em 2024 o que torna no elemento dominante dos pagamentos móveis em Angola mas, prevalece o desafio de serem popularizadas as soluções que reduzam a necessidade de transacções com utilização de notas e esta questão poderá estar relacionada com o facto da Rede Multicaixa ser suportada por clientes bancários cujo formalismo efectivo e percepcionado acaba por afastar uma franja relevante de usuários potenciais.

O formalismo do sistema bancário e a percepção de custo elevado e baixa conveniência foram explorados pela Safaricom no Quénia para implantar o m-Pesa como principal meio de pagamento no país uma vez que a rede permitia o acesso imediato a transacções com apenas um número de telemóvel válido e com utilização praticamente imediata, a conveniência e crescimento acelerado da rede de agentes que permitiam a conversão do crédito na carteira dos aderentes (wallets) em dinheiro físico foram essenciais para o crescimento consistente do m-Pesa que passou a ser adoptado pela generalidade dos prestadores de serviços e comerciantes como mecanismo de pagamento, o que reduziu a necessidade de levantamentos e contribuiu para o aumento dos aderentes e das transacções per capita.

O sucesso dos pagamentos móveis com base na tecnologia USSD revelou-se numa fonte alternativa de receitas e de implementação relativamente fácil para as empresas de telecomunicações e este facto levou a incorporação de uma estratégia de lançamento de soluções de pagamentos em grande parte dos mercados africanos e Angola foi uma excepção, na minha opinião, porque os níveis de rentabilidade do duopólio angolano (Unitel+Movicel) eram tão altos que as nossas operadoras não se sentiram pressionadas por fontes alternativas e no intervalo dos tempos de alta rentabilidade e a actualidade em que as mesmas empresas viram reduzidas as suas margens, a Rede Multicaixa cresceu e modernizou-se, sobretudo com o MCX e a sua evolução igualmente impressionantes.

As operadoras de telecomunicações nacionais perderam rentabilidade sobretudo porque as tarifas regulamentadas pelo INACOM não variaram no mesmo tempo e velocidade que os custos da operação e os pagamentos móveis passaram a ser vistos como solução para diversificação e aumento de receitas mas, para já, não se pode falar em sucesso e a expectativa é que o futuro melhore para as soluções da Unitel (Unitel Money) e Africell (Afrimoney).

O lançamento de soluções de pagamentos móveis com base em carteiras recarregáveis em Angola não se esgotou em iniciativas de companhias de telecomunicações, várias empresas de tecnologia digital ( e até bancos) têm procurado capturar a oportunidade mas nenhum destes projectos tem adopção material, sobretudo se comparados com o MCX que com a possibilidade de pagamentos com código QR e transferência expressa com base no número de telefone do receptor, pode de facto explorar a possibilidade de resolver a maka das filas nas caixas de pagamento automático (ATM) no final de cada mês, alegadamente porque boa parte da população recorre aos mercados informais e o pagamento em dinheiro físico continua a ser dominante nos referidos mercados e esta é outra divergência com a experiência de outros países africanos onde os pagamentos móveis servem para pagar as hortaliças na banca da esquina ou um táxi colectivo.

As diferentes tentativas de replicar a experiência com pagamentos móveis de outros países africanos em Angola parece que ignoram que na vasta maioria daqueles países não existia: (i) um sistema de pagamentos nacionais que reduz os custos de transacção na rede, (ii) uma plataforma de pagamentos electrónicos partilhada pelos bancos do sistema e (iii) empresas de telecomunicação acomodadas com as receitas dos serviços de comunicação tradicionais.

Angola escolheu um caminho nos pagamentos móveis mais próximo do europeu (centrado na digitalização das contas bancárias convencionais) do que africano que explodiu com a exploração da abrangente tecnologia USSD e capilaridade das redes móveis muitas vezes superior a dos balcões dos bancos.

Considerando tudo que escrevi acima, se tivesse que apostar num vencedor da batalha pelos pagamentos móveis em Angola apostaria na EMIS a quem cabe continuar a investir no MCX e na generalização dos pagamentos com códigos QR e transferências instantâneas. As outras iniciativas podem procurar explorar a oportunidades de massificação nos mercados informais como base de consolidação mas não tenho indicação que reúnam as condições neste momento de se tornarem no próximo m-Pesa ou mesmo Paypal angolano.

Considerações sobre o Plano Massano

No dia 14 de Julho o novo Ministro da Coordenação Económica, José de Lima Massano, anunciou medidas de emergência que visam aliviar o impacto da crise económica na vida dos cidadãos. A dita crise é caracterizada pelo aumento do custo de vida e redução das oportunidades de emprego o que implica redução da capacidade de consumo das famílias e maior dificuldade para rentabilização dos mais distintos negócios.

O que chamo de “Plano Massano” contém (i) redução e isenção de impostos para alguns produtos e serviços e (ii) medidas que visam atacar as makas do ambiente de negócio.

A nível de impostos, o governo aposta na redução do IVA dos produtos alimentares e na possibilidade do IVA de equipamentos importados ser pago em prestações. O governo vê ainda na isenção do Imposto Predial nas transmissões de imóveis um elemento dinamizador para certos negócios no imobiliários (até 40 milhões de kwanzas, sendo que entre +Kz 40 milhões e Kz 100 milhões passa a haver um desconto de 50%). O Plano Massano inclui também a isenção de Imposto de Selo para promoção imobiliária e registo de capital social de empresas.

A redução do IVA para alimentos é uma medida simples de entender mas poderá ter o seu impacto limitado pelo grau de informalismo da nossa economia, mas é sempre melhor pagar a caixa de coxa de frang com 7% de IVA do que com 14%.

Das medidas que visam reduzir a factura fiscal nas transacções imobiliárias de menor valor o impacto esperado não deve ser material porque o maior tema continua a ser a baixa disponibilidade de rendimentos das famílias para aquisição de imóveis e o Aviso 9 do BNA que visa financiar melhorar o acesso ao crédito habitação está longe de ser um sucesso, principalmente porque é um crédito de longo prazo e insegurança laboral da maioria reduz significativamente o número de clientes potenciais.

Uma das iniciativas anunciadas foi a criação do Balcão Único do Exportador que visa criar um sistema facilitador das exportações não-petrolíferas e é uma boa medida porque as poucas empresas que exportam de forma consistente reclamam com frequência das barreiras burocráticas e níveis de serviço de diferentes entidades públicas envolvidas, mas é mais uma medida que ajudará quem fez o milagre de se colocar na posição de exportador mas pouco faz para que não seja preciso um milagre para as empresas se tornarem competitivas na exportação dos seus bens e serviços, como infra-estruturas com impacto nos custos da operação e a criação de um caminho para melhorar a qualidade média do trabalhador local (reforma educativa e melhor financiamento do sector).

Há igualmente uma medida que visa melhorar o acesso e o registo de terra, é uma medida necessária e o registo de propriedade tem potencial para melhorar a capacidade das empresas apresentarem garantias aos credores e pode ajudar a fazer crescer a receita fiscal porque alarga a base de cobrança de imposto sobre a propriedade e, por esta razão, a melhoria da capacidade de registo de propriedade não se pode limitar à terrenos rurais mas sim às novas zonas de desenvolvimento urbano das principais cidades do país uma vez que a incapcidade de registar propriedade é um velho problema que abordei há anos mas os progressos continuam lentos.

Uma das medidas mais vistosas é provavelmente a isenção de vistos de turismos para curta estadia para todos os portadores de passaportes de países da CPLP e do G20. A medida pode ajudar a vender Angola como destino turístico e facilitar descolações de negócios de curta duração, é uma medida que peca por tardia mas provavelmente não produzirá impacto material no curto prazo.

Angola infelizmente não é um destino atractivo para o investimento externo, sobretudo nesta nova realidade de crescimento que varia entre o modesto e o nulo, ao contrário da década de 2000 quando o sector petrolífero puxou a Angola do pós-guerra para um crescimento económico alucinante que infelizmente foi muito mal aproveitado e as bases para o desenvolvimento não foram estabelecidas.

Como destino turístico, o nosso país tem primeiramente que fomentar o turismo doméstico e em seguida deveria se estabelecer como uma opção para os turistas do princial mercado emissor da região, a África do Sul o que teima em não acontecer apesar de existir isenção de vistos para sul-africanos e isto deveria nos fazer ajustar as nossas expectativas quanto ao potencial de atracção de turistas de países do G20 ou mesmo das principais economias da CPLP (Portugal e Brasil) com quem Angola tem maior proximidade culturual.

Em resumo, o Plano Massano traz uma série de medidas que fazem sentido mas das quais não podemos esperar uma revolução que traga mais investidores e turistas para Angola no curto ou mesmo médio prazo, presumindo que tudo o resto se mantenha como hoje. Podemos dizer que o Plano Massano representa um tratamento paliativo para um doente mórbido, mas como enquanto há vida há esperança, certamente aparecerá o tratamento adequado que evitará a morte do paciente.

Proteccionismo não é a solução

Uma lista de 54 produtos sobre os quais incidem medidas para acelerar a substituição de importações, com destaque para embalagens de vidro, farinha de trigo, açúcar, água de mesa, feijão, ovos, óleo, cebola, sal, cimento, foi apresentada ontem em Luanda pelo Ministério da Economia e Planeamento.

in Jornal de Angola

Proteccionismo já foi experimentado em várias geografias e apesar do argumento da indústria nascente, raras foram as ocasiões em que resultou no longo prazo e as dores que causa no curto prazo tornam difícil defender tais medidas, com excepção dos industriais cujo negócio é protegido da concorrência externa.

A lista de produtos inclui alguns “ilustres membros” que têm ambições exportadoras e ficam assim colocados na ingrata posição de perderem a moral de reclamar se nos destinos de exportação esbarrarem em medidas semelhantes como as vidreiras, cimenteiras e fábricas transformadoras de produtos agrícolas e do mar.

tradewar

A experiência proteccionista de alguns países asiáticos no último quarto do século passado, como a Coreia do Sul, tem sido apontada como um sucesso e confirmando-se o sucesso continua ser difícil encher uma mão com exemplos bons de medidas proteccionistas como as que foram anunciadas pelo Governo esta semana e as condições existentes na Coreia do Sul e as políticas focadas na qualificação contínua das pessoas não têm paralelo entre nós.

Acresce que, num contexto de acentuada desvalorização cambial não sermos capazes de concorrer competitivamente com o produto importado é um sinal que existem outros factores que afectam a nossa competitividade. Entre estes factores estão várias questões que são da responsabilidade do Estado que no lugar de “fazer a sua parte” vende-se como salvador do produto nacional com uma série de medidas difíceis de defender porque prejudicam a maioria (os consumidores) a favor de uma maioria (produtores) que por diferentes razões (muitas cuja culpa à eles não deve ser imputada) não conseguem ser competitivos.

Sem capacitação de pessoas, melhoria séria das infra-estruturas básicas para a economia (electricidade, distribuição de água, estradas, comunicações, etc.) e mudança de postura institucional com enfoque de desburocratização e liberalização do mercado não vamos conseguir resolver os nossos problemas de competitividade e estas medidas apenas maquilham uma realidade cuja solução é cirúrgica.  Os maus projectos não se transformam em bons pela protecção pública e os bons projectos entalados em insuficiências contextuais não ganham competência com o proteccionismo, pelo contrário, perdem agilidade e tornam-se dependentes do colo do Estado e quem paga é o resto da economia que vê a oferta reduzida, os preços a subirem e as escolhas limitadas.

O Governo continua a mandar sinais confusos para fora, a “nova era” tem aqui e ali apresentando preocupantes semelhanças com o que fomos habituados nas últimas décadas e algumas hesitações quanto à necessidade de uma nova abordagem e reformas profundas não me permitem antever a saída sustentada do estado letárgico em que se encontra a nossa economia.

Que empresas privatizar?

Recentemente o presidente da república criou por decreto uma “comissão de preparação e implementação do processo de privatização em bolsa das empresas públicas de referência”, que é uma evolução do discurso inicial do próprio presidente que no passado falou em privatizar apenas as empresas sem actividade relevante.

Um elemento relevante, como já tinha anteriormente sido anunciado, é a privatização em bolsa que potencialmente matará dois coelhos com uma cajadada, uma vez que poderá impulsionar o mercado de capitais em Angola e mitigar riscos de privatizações a porta fechada como ocorreu no passado. No entanto, é difícil encontrar entre as empresas públicas uma empresa que esteja em condições de ser privatizada em bolsa no curto prazo em face dos níveis de organização actuais.

Assim, devemos estar preparados que a efectivar-se a intenção do Governo de privatizar algumas empresas de referência, muitas poderão mesmo ser privatizadas fora da bolsa mas isto não deve implicar o desrespeito das regras básicas do mercado sobretudo para evitarmos os erros do passado em que empresas passaram da propriedade pública para a privada sem realização do receita potencial associada ao processo.

Em princípio só em Abril saberemos o modelo a seguir e quais seriam as empresas consideradas para a empreitada que reduzirá a presença pública no mundo empresarial. A comissão em causa deverá ocupar-se apenas das ditas “empresas de referência” mas penso que o processo de privatização será alargado e cobrirá empresas de menor dimensão que, naturalmente, não deverão ser privatizadas em bolsa.

No passado, os discursos oficiais mencionaram com frequência a expressão “sectores estratégicos” para exclusão de algumas empresas públicas do processo de privatização, mas eu não sou muito restritivo e se tivesse que fazer uma lista de privatizáveis (parcial ou totalmente) incluiria as seguintes empresas:

Sector financeiro

  • BPC
  • BCI

Exploração de recursos mineiros

  • Endiama
  • Ferrangol

Distribuição alimentar, comércio geral, produção agrícola e pescas

  • Nosso Super e Paparoka (eventualmente privatizar a rede por partes e não necessariamente em bloco, criando assim mais e melhor concorrência)
  • CLOD
  • Cafangol
  • Gesterra
  • Mecanagro
  • Sodepac
  • Edipesca
  • Abamat
  • Edecine (basicamente privatizar individualmente as infra-estruturas sob gestão da Edecine)
  • Participações nas empresas produtoras de cerveja

Transportes 

  • TAAG
  • Sonair
  • ENANA
  • Unicargas
  • Caminhos-de-ferro (Luanda, Moçâmedes  e Benguela)

Telecomunicações

  • Angola Telecom (privatização já anunciada)

Comunicação social

  • Diferentes rádios comunitárias (ex.: Rádio Viana, Rádio Cazenga, etc.)

A lista acima não pretende de forma alguma ser exaustiva e entendo que algumas das empresas referidas não têm condições para serem privatizadas em bolsa de forma isolada ou mesmo se agrupadas num veículo criado para o efeito, mas ainda assim deveriam ser consideradas para privatização noutros formatos desde que sejam garantidas condições de concorrência leal aos potenciais investidores.

Os objectivos a cumprir com as privatizações devem ser: (i) realizar receita pública extraordinária, (ii) fomentar o mercado de capitais, (iii) reduzir a presença do Estado na economia e (iv) melhorar a produção e prestação de serviços. Cumprindo estes objectivos, deste processo resultará uma economia mais produtiva e um sector empresarial público com uma dimensão mais próxima do aceitável e sem tantas vagas para trocas de interesses políticos. Contudo, temos que ter presente que a passagem da propriedade de uma entidade do sector público para o privado nem sempre terminará em resultados positivos mas acredito que, fazendo as coisas by the book, o resultado global será positivo. O desafio maior é precisamente ver os nosso Governo cumprir com todas as práticas recomendáveis para este tipo de processos.

Sobre o “Plano de Estabilização Macroeconómica”

A maka cambial de Angola foi sempre um tema central neste blogue e mais do que uma vez, com algum detalhe, foi abordada a questão da sobrevalorização do kwanza com recurso a metodologia do preço único (aqui , aqui e aqui) e mais recentemente sugeri que os próximos passos na busca do equilíbrio cambial poderiam ser guiados pela experiência nigeriana recente (aqui e aqui) que um ano após abandonar a taxa de câmbio fixa em favor de uma taxa de câmbio flutuante (q.b) começou a ter resultados encorajadores.

Recentemente o Governo angolano apresentou o seu “Plano de Estabilização Macroeconómica” (PEM) que congrega um conjunto de medidas de política económica  e monetária para estabilização dos grandes agregados da nossa economia e uma das medidas mais sonantes é precisamente a adopção de um mecanismo de determinação do preço da moeda mais liberal. A taxa de câmbio passará a ser determinada pelos intervenientes no mercado primário até aos limites impostos pela banda de flutuação definida pelo BNA. Assim, espera-se que ainda em Janeiro o novo modelo entre em vigor levando a depreciação do kwanza com consequências a nível da inflação que corroerá ainda mais os rendimentos das famílias angolanas.

O PEM é o segundo documento director para reformas sociais e económicas apresentado pelo Governo que tem pouco mais de 3 meses de operação e tal como o Plano Intercalar é para ser aplicado no curto prazo.  Para além das alterações na política cambial o PEM apresenta uma série de ajustes a nível da política fiscal com foco na redução da despesa pública e na arrecadação de impostos.

Sobre a despesa pública fica difícil acreditar nas intenções depois de olharmos para a proposta de Orçamento Geral do Estado (OGE), apesar de muitas das medidas estarem direccionadas para a melhoria da eficiência e controlo da despesa. Sobre os impostos, a aposta uma vez mais é aumentar as taxas a cobrar e não necessariamente o aumento da base tributária pese o facto de estar programado o desenho de um plano para melhoria da cobrança do IPU e o início dos trabalhos para implementação do IVA.

As dificuldades de cobrar impostos sobre o património em Angola estão ligadas a ineficiência e incompetência que caracterizam a nossa governação. A grande dificuldade de cobrar impostos como IPU não pode ser dissociada da falta de registos (civil e, sobretudo, patrimonial) que deriva da governação incapaz que deixa o país com um panorama urbanístico desafiador para qualquer governação, estas dificuldades foram consistentemente ignoradas ao longo da história de Angola independente não só por causa da longa guerra civil mas sobretudo porque ao Estado bastava cobrar impostos sobre a produção e exportação de petróleo e outros impostos sobre o comércio exterior facilitados pela necessidade de entrada/saída em portas oficiais como portos e aeroportos.

Noutras geografias a questão dos impostos sobre património é facilmente resolvida porque o registo de propriedade está integrado com a identificação fiscal dos cidadãos, mas como entre nós registar um imóvel ou um automóvel é um processo moroso e extremamente desafiante (essencialmente por incompetência da administração pública) a base de cobrança é reduzida e somando a este facto as limitações dos quadros da administração fiscal, ficamos com uma capacidade de cobrança muito longe do seu potencial.

in “Imposto Predial Urbano, urbanização, infra-estruturas e capacidade de cobrança de impostos” (Angonomics)

Em face dos problemas expostos parece-me que aos executores do plano de melhoria da cobrança deveriam ser acrescentados os ministérios da Justiça e Administração do Território porque o MINFIN sozinho pouco melhorará.

O PEM fala em “analisar as oportunidades para a implementação de uma estrutura judicial especializada no tratamento célere de matérias fiscais” tocando na questão da ineficiência do sistema judicial na resolução célere e equilibrada de diferendos que é um dos maiores problemas de Angola.

Em termos globais o documento apresenta um diagnóstico acertado dos problemas económicos que o país enfrenta e como tem sido hábito foi apresentado o preço do petróleo nos mercados internacionais como o vilão principal. Apesar das referências a reformas nas mais diferentes áreas da governação os autores do documento não conseguiram apontar o principal culpado do actual estado das coisas: a governação desatenta e desalinhada com as necessidades do país nos últimos 15 anos. Contudo, as soluções apresentadas são genericamente boas e é transmitida a ideia que os efeitos a nível social poderão ser duros, ficando o desafio de aligeirar o impacto das medidas na vida dos angolanos.

O reajuste fiscal no curto prazo é mais facilmente alcançável a nível das despesas, nomeadamente reduzindo a estrutura do Estado e eliminando gastos supérfluos, tal caminho não é reconhecido na proposta de OGE para 2018 mas é urgente continuar a revisitar salários e benesses na função pública, a qualidade e necessidade de alguns investimentos públicos e abordar com franqueza a dimensão das forças militares que o país precisa nesta fase.  O documento é apresentado como um plano económico mas deveria ser mais abrangente e abordar outras reformas institucionais com impacto potencial na despesa e na melhoria da capacidade produtiva de Angola, nomeadamente a questão da descentralização administrativa efectiva que poderia resultar do fim do modelo de governação local actual em favor de um modelo democrático assente em autarquias (palavra que nem sequer é mencionada no documento).

O desespero para realizar mais receitas fiscais está patente na velha fórmula de aumento de impostos sobre produtos de luxo, casas nocturnas, bebidas alcoólicas e etc. mas fala-se também em privatizações via bolsa de valores e este é claramente um dos destaques positivos do PEM uma vez que o Governo poderá desta forma promover o mercado de capitais ao mesmo tempo que reduz a presença do Estado na produção de bens e serviços e realiza receitas. O documento menciona a privatização de “empresas de referência” que contraria a ideia avançada por João Lourenço numa entrevista que deu à EFE onde defendeu a privatização de empresas públicas sem actividade.

Ao responder sobre a possibilidade de privatizações, João Lourenço foi cauteloso e disse apenas que não existe uma lista de empresas mas que o objectivo é privatizar empresas que sejam um “peso morto para o país”. Mas esta não é a estratégia mais indicada porque as privatizações devem ser guiadas por dois objectivos: reduzir a presença pública na economia (sem grandes manias de “sectores estratégicos”) e realizar receita pública que poderá servir outros interesses, designadamente para a realização de investimento que melhora a eficiência económica global. Ademais, João Lourenço deveria considerar a possibilidade de usar a BODIVA para privatização de empresas públicas podendo assim contribuir para a dinamização do mercado de capitais em Angola.

in “João “Deng Xiaoping” Lourenço” (Angonomics)

O Estado tem de passar a ver os impostos como o principal mecanismo de realização de receitas e deixar de ver-se como um investidor dependente de dividendos mesmo porque a actividade empresarial pública tem sido usada em grande medida como mecanismo de distribuição de favores e demonstração de poder político, com consequências económicas visíveis. Na construção de uma lista de activos públicos cuja privatização parcial ou total (em bolsa ou não) deverá ser analisada eu incluiria: BPC, BCI, BDA, TAAG, Ende, RNT, Prodel, ZEE, Nosso Super, participações da Sonangol na Pumangol e Sonangalp, Sonair e várias outras participações em empresas non-core da Sonangol (como banca), todas empresas têxteis, Endiama, parte da comunicação social pública como várias rádios municipais que surgiram em Luanda para popular a vizinhança das rádios independentes (Rádio Viana, Rádio Cacuaco, Rádio Cazenga, etc.), fazendas do Estado e milhares de imóveis urbanos espalhados pelo país em estado de sub-exploração. O Governo ainda não publicou nenhuma lista mas sabe-se já que a Angola Telecom será privatizada em breve e este é mais um bom sinal no sentido de reformar o Sector Empresarial Público em particular e a economia angolana como um todo.

Outro destaque importante é implementação do IVA apontada para 2019, um desafio gigante mas com potencial de criar um imposto gerador de receitas estáveis dependendo da capacidade da administração fiscal cobrar o IVA. Sobre novos impostos, os autores do PEM poderiam ir mais longe e apontar para criação de um imposto sobre o rendimento das pessoas singulares mais abrangente que o IRT que se limita aos rendimentos do trabalho formal regular mas não tributa receitas com rendas de imóveis (que não deveria estar no IPU).

O tom de realismo do PEM é exibido sobretudo na abordagem a questão da dívida pública. Os autores do documento assumem abertamente que a dívida está a seguir uma trajectória rumo à insustentabilidade e os números assumem o que antes foi negado: o rácio dívida pública/PIB passou os 60% em 2016. Ademais, o Governo admite os riscos associados ao produto financeiro predilecto do mercado financeiro angolano: títulos de dívida indexados a taxa de câmbio AOA/USD (kwanza/dólar) porque a expectável depreciação do kwanza elevará as responsabilidades do Estado enquanto que a desejada redução na emissão de títulos de dívida indexados afectará os resultados dos bancos mas poderá forçar os mesmos a aumentar o financiamento a economia.

Vamos esperar para ver o nível de execução do PEM dentro de um ano e, sobretudo, os efeitos das medidas anunciadas. Tudo indica que a mudança da política cambial é para já e os efeitos esperados, nomeadamente aumento da inflação, não serão populares e isto poderá ditar o nível de execução do PEM nos meses que se seguem.

Book Club | “Nudge: Improving Decisions About Health, Wealth, and Happiness”

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Richard Thaler (Quartz)

O Banco Nacional da Suécia anunciou hoje, 9 de Outubro, que Richard Thaler é o vencedor do Prémio Nobel em Ciências Económicas de 2017 pelo seu contributo . Richard Thaler é professor na University of Chicago Booth School of Business, escola de gestão que integra a Universidade de Chicago que tem uma presença excepcional entre os laureados com Prémio Nobel, em particular em ciências económicas.

Richard Thaler é uma das mais relevantes figuras do campo da economia comportamental (behavioral economics), tendo publicado vários artigos que exploravam como a psicologia influencia as decisões dos agentes económicos, desde decisões sobre finanças pessoais à questões de política pública. O seu livro mais popular, co-autorado por Cass Sunstein, é “Nudge” que é um dos melhores livros que alguma vez li.

nudge“Nudge” tem como subtítulo “Improving Decisions About Health, Wealth, and Happiness” (Melhorar as decisões sobre saúde, património e felicidade) e ao longo do livro os autores procuram cumprir com a promessa feita na capa. Thaler e Sunstein apresentam-se como defensores da liberdade individual como princípio para uma sociedade saudável mas admitem que os seres humanos tendem a tomar decisões que produzem invariavelmente resultados indesejáveis que afectam terceiros e oferecem como solução para muitos dos problemas causados pelas nossas decisões a arquitectura das escolhas, ou se quisermos usar uma única palavra: nudge. A palavra nudge pode ser traduzida como um “empurrão” ou “toque”, o tal toque que se propõe corrigir o comportamento das pessoas ou influenciar as suas decisões. A combinação deste princípio com a crença na liberdade individual foi chamado pelos autores de “paternalismo libertário”, um conceito aparentemente contraditório mas que ganhou tracção no pensamento moderno e vale a pena explorar as diferentes propostas estampadas no livro que vão desde como evitar que salpicos de urina em urinóis vão para o chão à correcção do comportamento dos condutores que potencialmente lidam para acidentes mortais.

“Nudge” é um livro sério mas que lê-se com um sorriso no rosto, um livro que viaja entre os campos da psicologia e economia discutindo o que influencia as decisões das pessoas e como os nossos preconceitos e visão do mundo podem “poluir” as nossas decisões com efeitos no bem-estar de outras pessoas, o que, segundo os autores, justifica arquitectar as escolhas das pessoas. No entanto, o livro lembra que esta técnica é muito utilizada como prática comercial, o que tornou “Nugde” num must read entre estudantes de marketing.

Este magnífico livro, publicado em 2008, lembra em certa medida o brilhante “Thinking, Fast and Slow” (2011) de Daniel Kahneman, um psicólogo cujo trabalho de décadas com o seu parceiro Amos Tversky influenciou grandemente as ciências económicas e valeu o Nobel da Economia em 2002, prémio que não pôde partilhar com Tversky que faleceu em 1996.

Para quem nunca leu um livro centrado em economia comportamental, “Nudge” é um bom começo para este campo fascinante das ciências económicas que no fundo é mais próximo da origem do que hoje chamamos de ciência económica se recuarmos para os trabalhos de Adam Smith que sempre colocaram as decisões humanas e o que as influenciam no centro da vida social.

E se os empregos industriais não chegarem nunca?

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Quando se fala em diversificação em Angola é comum ouvirmos referências à necessidade de investir-se na agricultura e na indústria transformadora para, dentre outras coisas, resolver a maka do alto desemprego. Este pensamento está alinhado com a história da revolução industrial desde o século XVIII que teve o aumento do emprego associado ao aumento da produção.

Mas actualidade conta uma versão diferente. Nos últimos anos o aumento da produção industrial não tem estado necessariamente associado à criação de emprego industrial, pelo contrário a adopção de modelos apoiados na robótica que ganham em eficiência e dispensam a mão de obra massiva nas fábricas tem estado a reduzir consideravelmente a mão de obra industrial.

Muitos países passaram por uma fase de criação de empregos agrícolas que propalaram empregos industriais e depois evoluíram para uma situação de crescimento do emprego nos serviços. Contudo, tem-se verificado que muitos países passaram da primeira fase para terceira muito rapidamente e existem casos em que nem se pode falar que houve industrialização sequer.

O economista Dani Rodrik apoiado na ideia de Dasgupta and Singh publicou um paper que argumenta que muitos países em desenvolvimento estão a passar por um processo de “desindustrialização prematura”, passando para economias dominadas por serviços em muito menos tempo que os países desenvolvidos. Esta realidade tem potencialmente efeitos perversos a nível do emprego, da desigualdade internas e a da capacidade dos países competirem externamente.

Não sendo produtores de tecnologia e tendo presente a velocidade em que os equipamentos industriais têm estado a evoluir, o normal é que a instalação de fábricas novas nos países menos avançados não seja feita com recurso à equipamentos obsoletos que exigiam um forte corpo de força humana mas sim suportadas por tecnologia baseada em automatismos que dispensam a mão-de-obra massiva como ocorreu na revolução industrial. A necessidade de trabalho braçal é também diminuta na agricultura moderna, o que implica que pela via de grandes investimentos na agricultura não se resolverá o problema de subemprego, ficando a agricultura braçal reservada aos pequenos camponeses sem meios financeiros e com pouca formação, o que limita a sua produtividade.

Sendo assim, as expectativas de criação expressiva de postos de trabalho por via do investimento na indústria provavelmente não se realizarão, mas o mais grave da questão é que o país não está preparado e nem se está a preparar para ser uma economia de serviços competitiva porque não está a investir o suficiente na capacitação dos quadros, condenando o país à dependência de contribuições de trabalhadores expatriados ou para o contínuo declínio da produtividade que contribui grandemente para a qualidade de vida dos cidadãos.

Sem a criação de postos de trabalho destinados à pessoas com poucas qualificações, o futuro empregado angolano vai necessariamente ter de apresentar-se com mais capacidade no mercado de trabalho para poder desempenhar funções nas áreas de tecnologia, serviços financeiros, saúde, logística, telecomunicações e outros serviços cada vez mais dependentes de meios tecnológicos e da criatividade diferenciadora. Com o mundo cada vez menor, a concorrência virá de todos os lados e o potencial de aumento de desigualdades e fissuras sociais é grande.

A linha de montagem com centenas de operários e os campos cultivados por milhares não combinam com uma imagem do futuro, na China ou em Angola, o melhor passa por reformar o país no sentido de facilitar a vida ao empreendedor e dar à formação dos cidadãos a importância que ela merece.