O governo comerciante

Nós temos empresas públicas que devem apoiar estes projectos nacionais, mas por falta de interesse o Governo tem a obrigação de gastar valores avultados para poder manter a estabilidade alimentar do país

Rosa Pacavira, Ministra do Comércio (19 Fev 2015, Huíla)

Segundo notícia da Angop, a ministra proferiu estas palavras na Huíla onde foi apresentar o novo alvará e visitou uma fábrica parada há dois anos (investimento de 70 milhões de dólares da Caixa de Segurança Social das FAA).

A nossa ministra acredita mesmo que o governo tem que ter um papel muito activo como operador económico para que as makas que afligem a nossa economia sejam resolvidas.

Eu não acredito e a história do estado angolano como operador económico não é muito auspiciosa, em particular no comércio.

Segurados descontentes com as seguradoras

Segundo reportado pela revista Economia & Mercado, um estudo da Accenture revela que 83% dos clientes das seguradoras angolanas quer trocar de seguradora.

83% a querer saltar do barco é muito pouco abonatório para o sector segurador, um sector que segundo dados da ARSEG (Agência Angolana de Supervisão e Regulação de Seguros) gerou um volume de prémios de USD 915 milhões em 2012 e em que operavam 15 seguradoras. O número de seguradoras tem aumentado e os resultados económicos também, boa parte do crescimento não deriva de melhor capacidade comercial mas sim de legislação que favorece o negócio, e isto não é necessariamente negativo. Na verdade, o objectivo por detrás da instituição de seguros obrigatórios específicos é a protecção do património e desta forma beneficiar todos os envolvidos.

Mas na realidade, o benefício global do seguro precisa do cumprimento global das responsabilidades. Não adianta obrigar as pessoas a pagar os seguros se as seguradoras podem “mandar lixar” os segurados sem que sejam punidas. Se 83% dos segurados quer trocar de seguradora, certamente boa parte do sector funciona mal para os clientes e este número não pode ser ignorado nem pela ASAN (Associação de Seguradoras de Angola) nem pelo regulador.

As seguradoras têm um papel fundamental numa economia de mercado não só por protegerem o património mas também pela sua natureza como investidor institucional por excelência, se hoje as alternativas de aplicação de liquidez das seguradoras é limitada pelo próprio desenvolvimento económico de Angola, com o crescimento do mercado de capitais e o aparecimento de produtos de investimento mais sofisticados as seguradoras assumirão um papel de destaque entre os grandes investidores. Em 2012 as seguradoras angolanas tinham cerca USD 1,7 mil milhões em activos (USD 451 milhões investidos) mas o crescimento do sector poderá fazer aumentar estes números exponencialmente se a taxa de penetração passar dos cerca de 1% actuais para, por exemplo, 2% do PIB. Mas este crescimento tem necessariamente de ser acompanhado do aumento da qualidade global do serviço sob pena de estarmos a criar um monstro sustentado por “clientes forçados” pela lei e não clientes conquistados pelo serviço.

No papel, a concorrência fará melhorar a qualidade do serviço no médio-prazo mas a ARSEG tem que garantir que os segurados não só cumprem com os seus deveres mas também, que gozem de todos os benefícios assegurados contratualmente.

P.S: Considerando uma taxa de penetração de 1% e um PIB de USD 131 mil milhões para 2014 (FMI), o sector segurador angolano gerou um volume de prémios de USD 1,3 mil milhões no ano passado. Este número – no critério volume de prémios – torna o nosso sector segurador no segundo maior da SADC a seguir à África do Sul e a frente da Namíbia, o potencial é grande se olharmos para baixíssima taxa de penetração.

Quotas, importações, industrialização e concorrência

Captura de Ecrã (2)

Na prossecução dos esforços que se vem envidando com o incremento da produção nacional, visando o aumento da oferta de produtos em quantidade e qualidade suficiente e havendo necessidade de se reduzir paulatinamente a importação de bens alimentares e não alimentares com enfoque para os compõem a cesta básica, com a qualidade requerida e a preços competitivos, até à normalização da sua oferta de forma regular e sustentável

In Decreto Executivo Conjunto n.º 22/15 de 23 de Fevereiro

Não acredito que Angola consiga desenvolver o sector industrial barrando as importações e fazendo muito pouco para atacar os reais factores de estrangulamento. O estado angolano faria mais pelo futuro da indústria se tomasse medidas que reduzissem os actuais custos operacionais, não barrando a concorrência, eu sugiro:

  • Investimentos na produção e distribuição de electricidade;
  • Melhorar a produção e distribuição de água;
  • Melhoria na construção e manutenção de estradas;
  • Rede de caminhos-de-ferro moderna;
  • Promoção da produção de matérias-primas e subsidiárias localmente;
  • Comunicações mais baratas (uma terceira operadora móvel, que tal?);
  • Formação técnica de qualidade;
  • Máquina burocrática menos maçuda;
  • Estado como facilitador, não como operador empresarial

No caso particular das bebidas (cervejas, gasosas, sumos e águas) penso que não faz muito sentido o estado bloquear as importações quando é sabido que o sector das cervejas é dominado pelo Group Castel (Cuca, Nocal, Eka) e os refrigerantes é uma conversa a dois (Coca-Cola e Refriango). A medida do Ministério do Comércio, efectivamente, protege os principais operadores de mais concorrência o que é um pouco perverso sabendo que trata-se de uma iniciativa do governo. Mas o que é o caso das bebidas perante a proibição de importação de cimento? Há um argumento rebuscado que defende que esta medida vai obrigar a instalação de unidades fabris por parte de exportadores mas será que é assim que se cria atractividade? Eu diria que não porque tais medidas tendem a proteger monopólios cuja existência é uma força inibidora para entrada de novos operadores, sobretudo quando o quadro institucional apresenta vários riscos como no nosso caso. Ademais, tal medida deverá certamente adiar a entrada de Angola no mercado livre da SADC que, no médio prazo, jogará contra a própria indústria de bebidas que não muito longe daqui terá que exportar mais para ocupar a sua capacidade em forte crescimento.

Não vale a pena criar empresas dependentes de decretos para estarem vivas, este tipo de atitude vai criar agentes preguiçosos, rentistas e pouco ágeis. Serão “funge rijo” em Angola mas serão “funge mole” lá fora onde não terão o padrinho na cozinha que confecciona leis à medida dos seus gostos e desejos.

P.S.: Não acredito na sobrevivência deste novel regime de quotas porque a sua implementação requer meios e capacidade de controlo que não existem entre nós. Se calhar a próxima actualização do decreto será uma nota fúnebre.

O problema monetário é filho do problema económico

Angola vive uma seca de divisas com reflexos na vida diária dos cidadãos. Esta falta de divisas, um problema monetário, resulta de um problema económico que tem nas suas raízes, sobretudo, decisões políticas.

O kwanza tem uma taxa de câmbio gerida pelo BNA que precisa de divisas para satisfazer as necessidades de moeda estrangeira do mercado que apesar do crescimento da produção nacional é ainda dependente da importação de produtos finais, serviços ou matérias-primas. Quando o BNA reverteu o regime cambial do sector petrolífero voltando à formula anterior dos leilões no mercado primário como forma única de acesso às divisas para os bancos comerciais, já o preço do petróleo estava em queda e quando a tendência de queda agudizou-se o BNA ficou com menos capacidade para satisfazer a procura, pressionando assim a taxa de câmbio oficial do kwanza (a ‘oficiosa’ já cedeu). Os bancos comerciais ficaram com menos dólares para vender aos seus clientes e para os compromissos com o exterior (cartões de crédito, crédito documentário, etc.) e começou um período de gestão agressiva de divisas que afectou os serviços de transferências rápidas, compra de notas, cartões de crédito e pré-pagos, etc.

Do lado político, o discurso voltou a dar cada vez mais espaço à palavra “diversificação” mas é preciso ter presente que discursos e decretos apressados não são garantia de diversificação. Com efeito, temos que ter consciência que a qualidade e, por consequência, eficiência das nossas instituições são uma barreira à diversificação da economia, desenvolvimento sustentável e harmonia social.

Angola precisa de investir em hardware e software de qualidade. É preciso rever a qualidade do investimento público para que as estradas tenham mais longevidade, para que os comboios sirvam melhor a economia e a sociedade, para que os portos sejam mais eficientes e para que os aeroportos sirvam para alguma coisa. Mas como um bom hardware precisa de software à altura para que tenhamos um bom produto, há que repensar todo o sistema de educação, rever a organização do estado e da democracia apostando num sistema com mais equilíbrio de forças entre a presidência, parlamento e tribunais, combater a corrupção, é fundamental termos um sistema de justiça independente e um sistema fiscal eficiente e minimamente justo.

É preciso criar espaço para criatividade e dar ao mérito o lugar que ele merece e daí surgirão mais negócios, suportados na capacidade de realização dos seus promotores e não na capacidade de influenciar dos padrinhos e compadres. O nosso problema económico é a “petrodependência” que só será vencida com uma economia mais diversificada, mais aberta, com mais concorrência e suportada num sistema social mais equilibrado. Em suma, o problema monetário actual desapareceria se não existisse o problema económico que por sua vez depende muito da vontade de se reformar a organização política do país.

O rectificativo previsível

(…) as actuais previsões do quadro fiscal 2015 continuam a assinalar elevadas incertezas de enquadramento internacional. O preço do barril de petróleo Brent reduziu de USD 115,49, a 19 de Junho de 2014, para USD 83,38, a 15 de Outubro de 2014, continuando a apresentar uma tendência de queda, em resultado do excesso de oferta induzido pelos Estados Unidos, por um lado, a que se acrescenta o esvaziamento da concretização das expectativas de aumento do preço do petróleo em decorrência do agravamento das tensões geopolíticas na Rússia, Ucrânia, Iraque e Líbia, importantes produtores de petróleo.

in Relatório de Fundamentação do OGE 2015

Pois é, em Outubro de 2014 o Brent estava cotado a $83,4 por barril e em Dezembro o governo angolano apresentou um OGE com o preço médio de $81/barril para 2015. Na minha modesta opinião, levar aquele OGE para a Assembleia Nacional não foi muito razoável e ver os deputados do MPLA a defender com unhas e dentes um orçamento que era claramente fictício não foi muito agradável, mais uma vez os deputados do MPLA exibiram grande sentido partidário mas muito pouco bom senso.

Com o preço do petróleo em queda e as indefinições na OPEP já todos tinham percebido que $81 era optimista, ainda assim o governo avançou com um orçamento que previa 2.551 mil milhões de kwanzas de receitas fiscais petrolíferas (cerca de 25,5 mil milhões de USD) muito abaixo dos mais de USD 30 mil milhões de estimados para 2014 e longe dos quase USD 40 mil milhões de 2012.

Mas muito mais grave do que isto é que muito dificilmente as receitas do governo com petróleo bruto chegarão aos 20 mil milhões de dólares e com os preços actuais deverão situar-se entre os 15-18 mil milhões de dólares…