Desemprego é uma maka séria

O Instituto Nacional de Estatística (INE) publicou há dias os números da evolução do emprego em Angola em que ficou evidente que o INE usou um artifício para suavizar a gravidade da situação do desemprego em Angola ao apresentar a queda significativa do emprego formal com números “positivos” do “emprego informal”.

Fonte: INE

O desemprego é um dos indicadores do estado de saúde de uma economia em termos globais e a destruição de empregos formais evidenciada nos números do INE é indicativa do que tem estado a ser evidenciado pela evolução do PIB que, segundo estimativa mais recente do FMI, deverá cair pelo sexto ano consecutivo. Por outro lado, a evolução dos números do emprego informal, independentemente de questões que os critérios do seu cálculo possam levantar, adiciona ingredientes para percebermos o impacto da prolongada crise económica que Angola vive.

Os dados do INE indicam que comparando com o registo de 2020 com o de 2018, foram destruídos cerca de 723 mil empregos formais com impacto visível nos níveis de consumo privado. Como Arthur Okun teorizou nos anos 1960, a redução do emprego impacta fortemente o crescimento económico até que se inicia um novo ciclo e nosso ciclo negativo tem sido prolongado. Contra nós joga a exiguidade das finanças públicas que impossibilitam a criação de programas de iniciativa pública para indução do consumo como se assiste nos países mais ricos com programas de suporte às empresas, famílias e consumo público.

Angola voltará a crescer com a melhoria do ambiente para se realização de negócios para atracção de investidores internacionais que possam colmatar a falta de capacidade de investimento interna com investimento directo estrangeiro. A alteração de quadro para uma mudança duradoura pressupõe investimento na melhoria da produtividade geral como (i) no sistema de educação, (ii) infra-estruturas que concorram para redução dos custos de contexto actuais e na (iii) operação geral das instituições públicas, designadamente o fundamental sistema de justiça.

A quebra do ciclo que parece ser auto-alimentado poderá levar algum tempo porque mesmo que a economia registe um crescimento em 2022 como estima o FMI a dimensão deste crescimento será insuficiente para recuperação dos níveis de emprego de 2013, por exemplo.

A degradação económica contínua conduz invariavelmente à destruição de empregos e o prolongar da recessão económica propicia o início de um processo de empobrecimento acelerado com sérias consequências sociais e políticas, por exemplo, crises económicas prolongadas costumam favorecer a oposição em processos eleitorais democráticos.

A falta de dinamismo da nossa economia coloca-nos a espera de um elemento externo de grande impacto para inversão acelerada do ciclo, sendo que a alternativa passa por um longo período de decréscimo que dá lugar ao crescimento nulo ou muito tímido com ganhos marginais na geração de emprego que, em última análise, suporta o consumo que joga um papel importante em qualquer recuperação económica. Até lá, adivinha-se que o angolano continue a penar pela falta de emprego numa economia que encolhe ano após ano e sem qualquer rede de suporte social para acudir a miséria.

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BNA vs. Inflação

Angola registou uma taxa de inflação homóloga de 40,4% em Janeiro de 2017. Uma taxa ainda muito a norte do ideal mas a tendência é positiva. O nível de crescimento dos preços continua elevado mas é cada vez menos acentuado como mostram os números do INE nos últimos meses e esta realidade não poderá ser desligada das políticas do BNA nem da evolução recente do preço do petróleo bruto que anda menos deprimente nos últimos meses.

Os preços em Angola, em virtude da estrutura económica caracterizada por grande dependência de produtos de produção externa para satisfação das necessidades de consumo, são amplamente influenciados pelas taxas de câmbio e sendo a taxa de câmbio administrada pelo BNA. As decisões do banco central têm grande impacto na taxa de câmbio não apenas pela gestão dos kwanzas em circulação mas também por via das intervenções no mercado cambial.

A necessidade de aquisição de bens e serviços não encontrados em quantidade e/ou qualidade internamente, assim como a quebra de confiança na moeda nacional alimentam a forte procura por moeda. No entanto, confrontado com um período de quebra de receitas de exportações de petróleo o BNA decidiu em 2015 implementar uma política restritiva que reduziu a oferta de divisas no mercado que manteve o seu apetite pela moeda externa para diferentes fins e esse desencontro entre a procura e a oferta de divisas fez disparar a taxa de câmbio do kwanza por dólar americano no mercado informal. Como as alterações no “câmbio oficial” são administradas, a desvalorização de câmbio oficial foi menor que a verificada nas kinguilas apesar da forte correcção.

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Fonte: BNA

O mesmo elemento que permitiu Angola viver durante anos a fio com uma taxa de câmbio que sobrevalorizava o kwanza (e desta forma controlar a inflação) está a contribuir para que o BNA resista à uma nova desvalorização do kwanza: o preço do petróleo. Sendo verdade que continuamos longe dos preços do petróleo registados há alguns anos, a evolução positiva no segundo semestre de 2016 ajudou o BNA na sua política de luta contra a inflação cujo o sucesso deve-se também aos esforços do banco central em reduzir a massa monetária, retirando do mercado os kwanzas que permitiam aos angolanos pressionar o mercado cambial que foi sendo abastecido com divisas mais decididamente no segundo semestre de 2016.

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Fonte: INE, BNA

No segundo semestre de 2016 o BNA vendeu em média 1088 milhões de euros por mês, que compara com 456 milhões de euros por mês no primeiro semestre em que foram igualmente vendidos 137 milhões de dólares por mês. O aumento das divisas nos bancos comerciais no segundo semestre contribuiu para redução progressiva das Reservas Internacionais Líquidas (RIL) apesar de um mercado petrolífero mais favorável, mas o principal efeito na economia foi o abrandamento da taxa de inflação que, apesar das políticas do BNA, continua muito vulnerável se termos em conta que o kwanza continua sobrevalorizado e tudo indica que está pendente uma desvalorização da moeda nacional e um reajuste dos preços dos combustíveis que supostamente são de determinação livre.

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Fonte:BNA

Até agora, a política do BNA tem estado a contribuir para a desaceleração da taxa de inflação mas parte de sucesso é atribuível a estabilidade da taxa de câmbio que tem sido conseguida com aumento da venda de divisas que está ser viabilizada pelo aumento do preço do petróleo. A pressão para desvalorização da moeda continua muito presente e deverá certamente ser acompanhada pelo aumento do preço dos combustíveis que têm uma abrangência transversal nos preços. A guerra contra inflação continua por decidir e o BNA tem ganho algumas batalhas mas continua longe de reclamar vitória, no momento – na linguagem do futebol – o jogo está empatado e dividido.

Houve recessão em 2015 e 2016

No discurso sobre o Estado da Nação de 2015, lido pelo vice-presidente Manuel Vicente no dia 15  de Outubro daquele ano foi exposto o optimismo do presidente José Eduardo dos Santos quanto à saúde da economia angolana que na altura preocupava já grandemente o cidadão comum afirmando que Angola não experimentaria uma recessão económica mas apenas uma desaceleração. Num artigo  aqui publicado no dia 17 de Outubro de 2015 manifestei a minha posição não tão optimista sobre a saúde económica de Angola uma vez que os sinais de preocupação já vinham de alguns anos e a desaceleração estava longe de ser uma novidade o que dificultava a minha compreensão da falta de ajustamento, sobretudo, da política fiscal do estado angolano.

Num artigo de Setembro de 2016 («stará Angola “oficiosamente em recessão”?») falei que na ausência da publicação oficial de dados trimestrais das contas nacionais por parte do INE era impossível atestar que Angola vive ou não uma recessão mas com os dados disponíveis na altura, ainda que anualizados, fiquei com a impressão que a nossa economia tinha experimentado uma recessão e que só por milagre conseguiríamos crescer em 2016 e os números do INE que finalmente começou a publicar dados intercalares do PIB angolano vieram confirmar que Angola passou uma recessão como atestam os livros: crescimento negativo do PIB por dois trimestres consecutivos.

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Fonte: Instituto Nacional de Estatística de Angola

Os números do INE não só revelam a saúde precária como demonstram mais uma vez que a tendência decrescente do produto nacional é longa e acentuou-se nos últimos dois anos apesar da hemorragia ter reduzido na segunda metade de 2016 a economia continuou a apresentar uma evolução trimestral deprimente e, como tal, não existem razões para festejar sobretudo porque não reconheço nas medidas tomadas nos últimos tempos o suficiente para colocar o país no caminho do crescimento sustentado e de uma economia mais diversificada e criadora de emprego e riqueza por diferenciação de qualidade dos produtos e serviços postos no mercado nacional e global.

O segundo trimestre de 2016 foi particularmente mau com uma variação homóloga (em termos reais) de -7,8% e o trimestre que lhe seguiu variou -4,3% e todo este período de decréscimo do produto foi acompanhado pelo aumento da taxa de inflação, ou seja, as pessoas ficaram mais pobres em termos nominais e em termos reais. Fazendo uma comparação, tendo presente os diferentes estágios de desenvolvimento dos dois países, para o mesmo período, no seu pior trimestre a economia de Portugal cresceu 0,7%.

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Fonte: Instituto Nacional de Estatística de Portugal

A situação continua feia mas com o aumento registado no preço do petróleo dá para respirar melhor mas não estou entusiasmado pela falta de reformas estruturais convincentes, continuo sem grandes expectativas para o médio prazo mantendo o mesmo modelo económico do estado gordo e campo de actuação inclinado e com intervenção parcial e persistente do árbitro. No meio disto tudo, há que dar os parabéns pelo INE por estarem a melhorar a produção de estatísticas e por divulga-las no seu site.

 

Estará Angola “oficiosamente em recessão”?

A meio do ano o Orçamento Geral do Estado (OGE) aprovado para o corrente ano tinha sido parcamente executado, a razão principal para a baixa execução da receita (38,6%) e do investimento (6,1%) é a mesma: o preço do petróleo no período foi abaixo do que estimou o Governo e o domínio exercido pelo petróleo nas nossas contas públicas esteve bem patente. Historicamente, mesmo nos tempos das vacas gordas, a execução do OGE sempre deixou muito a desejar, a tal ponto que o dito orçamento muitas vezes parecia um guia com linhas mestras e não propriamente um plano para realização de receitas e despesas por parte dos organismos públicos.

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Contudo, o baixo nível de execução do actual OGE, que na verdade será substituído por um OGE rectificado, demonstra a fragilidade do nosso modelo económico e como a âncora das exportações do petróleo pode revelar-se uma armadilha para o crescimento económico. Sem dinheiro do petróleo o Estado ficou sem fundos para alimentar o programa de investimentos públicos que está cada vez mais dependente do financiamento externo, vale de alento o sinal positivo dos mercados internacionais onde a Eurobond angolana está a negociar a yields abaixo da taxa de emissão apesar de continuar a ser relativamente alta (9,50% vs. 9,45%). Com estes condicionalismos, o investimento público terá de ser 15 vezes superior no segundo semestre para que se alcance o valor orçamentado segundo o jornal Expansão e certamente não será o motor que a economia precisa. Ademais, como sabemos, o investimento privado não tem sido o substituto das aplicações de capital do Governo porque continuamos com sérias makas no ambiente de negócios apesar do discurso oficial em contrário.

Com os empresários a reportarem quebras significativas na produção, com as empresas a reduzirem pessoal, com o investimento público diminuto e com IDE pouco auspicioso, é mais do que certo que não existe possibilidade de evolução positiva do PIB angolano. Para 2016 é “matematicamente” impossível Angola apresentar um crescimento do PIB positivo e provavelmente esta evolução do PIB já foi negativa no primeiro semestre, mas infelizmente não temos publicação intercalar das contas nacionais em Angola assim como não são publicados por organismos oficiais tantos outros indicadores económicos e sociais como, por exemplo, a taxa de desemprego. O Instituto Nacional de Estatística (INE) publica mensalmente a taxa de inflação mas é necessário alargar o número de indicadores para termos em tempo real melhor informação sobre o estado geral da economia.

Seria óptimo termos dados sobre a evolução do PIB trimestralmente mas a falta de publicação de informação oficial não se limita ao INE (que até publica trimestralmente o Índice de Produção Industrial), a nível ministerial a pouca informação produzida é muitas vezes encarada como segredo de Estado e muito do que deveria ser publicado não é partilhado com quem é governado e na ausência de informação reina a especulação. A Nigéria está oficialmente em recessão económica mas nós, não tendo a publicação oficial de dados intercalares não podemos estar “oficialmente” em recessão apesar de ser sensível e visível. Os dados económicos intercalares são nalguns casos comunicados por representantes do Governo, mas a periodicidade e o modelo de divulgação não são convencionais nem facilmente acessíveis. Quando o INE passar a publicar as contas nacionais trimestralmente poderemos afirmar que estamos “oficialmente em recessão” mas até lá só poderemos estar “oficiosamente em recessão”.

Censo 2014

O Instituto Nacional de Estatística (INE) publicou finalmente os números finais do Censo 2014. Entre surpresas boas, novidades inesperadas e confirmação de ideias generalizadas não muito positivas destaco o seguinte:

Esperança de vida a nascença

A esperança média de vida de 60 anos (homens 55,5 e mulheres 63 anos) é para mim a maior surpresa de todas. Toda gente tem a percepção que são raros os angolanos que chegam a velhos mas o Censo 2014 diz que o angolano em média morre mal chega à terceira idade, mas chega lá.

Apesar dos sérios problemas no sector da saúde mas com relativa baixa taxa de sero prevalência Angola passa assim a constar no exclusivo clube de países da região austral e da África Central com o esperança média de vida na casa dos 60 anos.

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Fonte: INE, Stats SA, RTC, Namibian, Statistiques Mondiales

Desemprego

A taxa de desemprego é dos mais importantes indicadores de um país, contudo não existe nenhum organismo responsável pela publicação periódica desta taxa em Angola. Espero que o INE assuma esta posição e passe a publicar a evolução da taxa de desemprego em Angola. Segundo o INE, em Maio de 2014 24,2% da população angolana entre 15 e 65 anos não tinha emprego.

Com a deterioração da saúde económica de Angola nos últimos tempos esta taxa é hoje certamente superior à de 2014. Ademais, a comparabilidade internacional da taxa apresentada pelo INE poderá estar comprometida se a população activa não coincidir com a população entre 15 e 65 anos, o que permite antecipar uma taxa de desemprego real superior aos 24,2%.

Idade média e escolaridade

Angola tem uma população extremamente jovem. O angolano médio tem 21 anos, se quisermos comparar com o país com a idade média mais elevada do mundo, o Japão, nós temos em média menos 24 anos. Contudo, os números da escolaridade não são muito animadores, o exército de jovens angolanos tem uma taxa de frequência escolar baixa e nem precisamos entrar no capítulo da qualidade do ensino.

Mais de 23% das crianças entre 5 e 11 anos não frequenta a escola e 48% da população com mais de 18 anos nunca frequentou a escola ou concluiu a sexta classe. Assim é difícil construir uma base produtiva para levar o país para outros voos, estamos antes a criar uma população com sérias limitações cuja criatividade é desaproveitada por falta de educação formal.

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Nação de agricultores

Estatisticamente Angola é uma nação de agricultores. O Censo indica que 46% dos agregados familiares praticam agricultura. Este número expressivo obriga-nos a questionar o porquê do crónico sub-abastecimento de produtos agrícolas nacionais que leva o país a importar milhões de toneladas de alimentos todos os anos. O contraste dos números demonstra o grave problema de produtividade nacional que resulta de uma série de factores que precisam de ser corrigidos com urgência como formação e défice de infra-estruturas.

Acesso à água e electricidade

Falando em infra-estruturas, o Censo 2014 deixa pouca margem para manobras. O número de angolanos com acesso água e luz eléctrica da rede é muito baixo.

Cerca de 56% dos angolanos não tem acesso à água apropriada para beber, sendo que nas zonas urbanas 57,2% têm acesso a água apropriada e apenas 22,4% nas áreas rurais. Com estes números não nos podemos surpreender com as makas de saúde pública que temos.

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A fiabilidade da rede eléctrica nacional é muito má. A qualidade e a quantidade de electricidade fornecidas pela rede deixam muito a desejar e para piorar este cenário, apenas 31,9% dos agregados têm acesso à electricidade da rede. Mais de 9% dos agregados têm o gerador como principal fonte de iluminação e 31,6% recorrem à lanternas como fonte principal. Em 2016, 14 anos em paz, temos que apresentar números melhores que estes.

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Angolanos, estrangeiros e religiosidade

Angola tem menos estrangeiros do que eu pensava. Dos 25,8 milhões de habitantes que viviam em Angola em 2014 apenas 586 mil eram estrangeiros (2,3% da população) e 40% destes viviam em Luanda. Com efeito, 4 províncias (Luanda, Lunda Norte, Cabinda e Zaire) concentram 88% dos estrangeiros que vivem Angola.

O país continua a ser esmagadoramente cristão sendo que 79,2% da população apresenta-se como cristã (41,1% católicos e 38,1% protestantes). Os muçulmanos são 0,4% e judeus 0,2% e 12,3% da população não pratica qualquer religião.

Agora vamos aguardar pelo Inquérito de Indicadores Múltiplos de Saúde que poderá nos trazer uma fotografia mais nítida do nosso tenebroso sector da saúde. Até lá.

O “camarada Petróleo” e a inflação

Quando as economias são maduras e contam com alguma capacidade produtiva, os períodos de contracção da procura dão lugar a deflação, ou seja, baixa dos preços em termos globais.

Infelizmente a nossa economia não é saudável e assenta numa base frágil. Angola importa boa parte dos bens de consumo e a nossa moeda é administrada com base nas disponibilidades de divisas que entram na nossa economia essencialmente por via das exportações de petróleo que num contexto de quebra acentuada e acelerada das exportações coloca o nosso modelo económico em cheque.

A quebra nas exportações teve vários efeitos na economia que estão a tornar cada vez mais difícil a vida dos angolanos:

  • Em face da quebra de receitas fiscais, o governo reduziu em um terço o seu orçamento para 2015 face o OGE original;
  • Sendo o Estado o principal consumidor da nossa economia, a redução da sua capacidade financeira afectou fortemente a procura e fez crescer os atrasados do governo com os seus fornecedores;
  • Com menos consumo público as empresas vêem a sua situação económica a deteriorar-se dia após dia o que implica incapacidade de honrar compromissos com colaboradores, menos capacidade de investimento e menos emprego;

Com menos emprego e com salários congelados o consumo privado diminui o que poderia forçar os produtores/vendedores a reduzir os preços (deflação). Contudo, como no nosso caso boa parte dos bens de consumo é importada os preços aumentam.

O preços aumentam porque os grandes distribuidores importam menos (por dificuldade de acesso às divisas) e mais caro (porque a taxa de câmbio é menos favorável). Passámos a ter uma situação de redução da oferta de bens de consumo que são adquiridos a preços mais elevados, esta combinação é a mãe e o pai da aceleração generalizada dos preços que não deverá ser contida nos 9,61% de inflação registada a Junho de 2015.

Muitos economistas defendem que na presença de quebra da procura agregada o estado deve expandir o consumo público para relançar a economia mas a realidade mostra-nos que as reservas muito publicitadas no “bom tempo” não existem e o governo angolano é incapaz de injectar dinheiro fresco na economia, pelo contrário, o governo reduziu as despesas de forma pouco criteriosa e pouco se sentem as reformas que visavam melhorar a eficiência e transparência da máquina pública o que torna o estado no principal contribuinte da quebra da procura global, incluindo a “boa despesa”.

Com este quadro, não havendo qualquer mudança de humor do “camarada Petróleo” a inflação deverá manter a sua trajectória ascendente e os angolanos deverão continuar a ver o seu poder de compra a “viajar para sul”.

O professor e político português Miguel Cadilhe disse uma vez com certa graça que a inflação está para economia como o sal está para culinária: é preciso a medida certa. Não se quer uma comida sem sal (inflação nula ou negativa) e não se quer uma comida salgada (inflação elevada), a nossa economia está salgada e o cozinheiro ainda tem uma mão cheia de sal para pôr no tacho nos próximos tempos, só o “camarada Petróleo” pode travá-lo.

Confiança e consumo em queda e a esperança trazida de Pequim

Os empresários angolanos continuam pessimistas quando ao futuro próximo da economia angolana como podemos observar no mais recente documento informativo sobre a conjuntura económica publicado pelo INE, referente ao primeiro trimestre de 2015.

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Fonte: INE

Os empresários apontam quebras na procura, excesso de burocracia, problemas financeiros e, nalguns casos, aprovisionamento de matérias-primas como os principais vilões deste filme.

Muitas empresas que participam no inquérito do INE reportaram “limitação da actividade” o que se reflecte de forma duplamente negativa para a economia: (i) redução da produção e, por consequência, (ii) aumento do desemprego.

Nos últimos tempos, algumas empresas industriais em Angola têm vindo a reclamar na imprensa as dificuldades que passam para aceder às divisas que precisam para importar insumos e mercadorias para sua operação como as venda de automóveis que em termos homólogos caíram 36,4% em Abril de 2015.

Alimentado por receitas petrolíferas, o governo angolano é o grande investidor e consumidor na nossa economia, mas a conjuntura desfavorável no sector petrolífero alterou a equação e o governo, parco em reservas de contingência, foi forçado a rever investimentos e consumo, esta medida afectou a vida das empresas que continuam a ser muito dependentes das compras do estado, o sector automóvel é um bom exemplo disto.

Este facto leva ao levantamento de algumas vozes optimistas sobre o que o presidente José Eduardo dos Santos terá trazido na bagagem de Pequim. Toda gente fala em novo empréstimo – na ordem dos $25 mil milhões – mas não existe qualquer confirmação oficial. O que é official é a formalização de um pedido de extensão do prazo do pagamento do crédito vivo, o que tecnicamente seria uma reestruturação da dívida mas aparentemente o presidente não foi a China só para negociar uma reestruturação da dívida.

Contudo, nem toda gente faz vivas ao dinheiro fresco que vem da China. Julgando pela história, antecipa-se que o modelo de financiamento passará pela exploração de linhas de crédito que, por norma, são consumidas por empresas do país credor. As linhas de crédito são amigas da indústria dos seus países de origem e o excesso de capacidade de alguns sectores da economia chinesa tem vindo a ser gerido com o incremento do empréstimo a países em desenvolvimento em África e América do Sul.

As linhas de crédito ajudam a colmatar as necessidades de financiamento se os países não quiserem submeter-se ao escrutínio dos mercados financeiros mas o recurso sistemático a linhas de crédito pode gerar resultados perversos. O modelo chinês é particularmente perturbador porque normalmente implica a importação massiva de factores de produção (incluindo pessoas), reduzindo a possibilidade (e oportunidade) de criar músculo nas economias receptoras uma vez que as suas empresas são excluídas da “festa” e o potencial de criação de emprego, incluindo não qualificado, não se realiza.

Por exemplo, a Centralidade do Kilamba é o maior projecto imobiliário da história de Angola mas a participação e incorporação local é diminuta. Um projecto daquela dimensão poderia representar a ignição para o sector de materiais de construção e para profissionais de engenharia e arquitectura mas preferimos apostar na “eficiência chinesa” com o seu modelo de importação massiva do que em formatos que apostam na incorporação de factores produtivos e materiais locais.

Por alguma razão que ultrapassa a lógica, fala-se em acordos bilaterais que incluem a dívida pública livres de apreciação pública porque os mesmos são confidenciais. Contudo, fala-se também que a nova abordagem da parceria Angola-China passa pelo envolvimento de empresas chinesas na produção local o que, se envolver a formação e integração de quadros angolanos e fornecedores angolanos poderá ser melhor que o “modelo Kilamba”. Mas como São Tomé, é melhor ver para crer porque a manutenção do mesmo modelo anterior poderá fazer pouco pelos níveis de consumo em depressão e a sua contribuição para o desenvolvimento do tecido empresarial angolano continuará a ser diminuta.

Cabinda, a formação de Angola e a desigualdade

Se for uma autonomia, pode ser boa para Cabinda; uma independência também não é má, uma vez que, se uns podem ser independentes, os cabindas também podem sê-lo e não vale vir aqui com histórias de separatismos, porque até 1956 Cabinda não era Angola. Enquanto os portugueses colonizaram o território que se chama Angola, Cabinda foi um protectorado. Havia outras potências lá: os holandeses, os belgas, os franceses, etc… etc… e, se os cabindas, por exemplo, têm escolhido os franceses, os belgas ou os alemães, aquele território nunca teria sido parte de Angola. Aliás, Cabinda era considerado Congo Português. Se olhar para a Constituição de 1933, que vigorou até à altura do Golpe de Estado de 25 de Abril, está lá bem claro. Aquilo que é o território de Cabinda é completamente diferente do território de Angola.

            Raúl Danda in “Agora”

Cabinda foi de facto um protectorado português mas em termos administrativos foi governada como uma extensão de Angola (colónia) e esta administração de complementaridade estendia-se até às ilhas de São Tomé e Príncipe. Dizer que os cabindas poderiam escolher o seu lado é uma visão colorida porque os colonizados não tinham este luxo. Mais, é verdade que a presença de outros europeus em Cabinda é antiga, nomeadamente comerciantes holandeses, britânicos e sobretudo franceses que se fizeram presente não apenas com comerciantes mas também missionários franceses que fundaram organizações católicas em Cabinda no século XIX já num contexto de zona de influência da coroa portuguesa.

O território que hoje ocupa a província de Cabinda é essencialmente formado pelos territórios outrora ocupados pelos antigos reinos do Ngoyo, Kakongo e parte do reino/província de Mayombe, estes territórios ao longo da sua história terão alternado entre a zona de influência (ou vassalagem) dos vizinhos Reino do Loango (actualmente República do Congo) e Reino do Kongo, com sede em Mbanza Congo e que na era colonial passou a ser referido como Congo Português a que se refere Raúl Danda na entrevista ao jornal A Capital.

A ligação da Europa à costa ocidental africana foi dominada pelos portugueses até ao século XVII e nunca houve ocupação de Cabinda por outra potência colonial que não Portugal, apesar da longa relação comercial com mercadores franceses, sobretudo no período de forte procura por escravos na colónia de Santo Domingo (hoje, Haiti). Ademais, o interesse que costa do Loango e outros territórios que Portugal defendia como seus ao longo da costa da região centro-sul de África levou Portugal a pedir uma grande conferência de clarificação e assim deu-se a realização da conferência de Berlim no fim do século XIX (1884-1885) solicitada por Portugal e organizada por Otto von Bismark da Prússia (Alemanha) porque Portugal sentia que os territórios que ocupou em África estavam ameaçados pelas pretensões de outras potências europeias. As disputas sobre a soberania na zona da bacia do Congo são a génese da conferência que culminou com a divisão de África por zonas de influência de potências europeias. Portugal reagia sobretudo às pretensões de França que patrocinou as explorações na África Central de Savorgnan Brazza (1882) e do Rei Leopoldo que presidia a Association internationale du Congo (fundada em 1879 como Association Internationale Africaine) que contava com os serviços do explorador inglês Henry Morton Stanley. Em Berlim ficou decidido que Cabinda era responsabilidade de Portugal, assim como o Reino do Kongo e a Colónia de Angola (que anos mais tarde fundiram-se numa única colónia dando origem ao território actual de Angola).

O Congo Português  na sua versão original, não se resumia a Cabinda mas sim a toda parte norte de Angola. Quando os franceses e belgas resolveram chamar de Congo as suas colónias na África Central a região passou a ter três Congos: o português, o francês e o belga. O nome Congo (ou Kongo) é originalmente de Angola (Reino do Kongo) que era de facto o reino africano com maior relação com a Europa e um dos principais fornecedores de escravos durante todo período do comércio de escravos do Atlântico (Angola como um todo, foi o país que mais escravos forneceu ao Novo Mundo). O Reino do Kongo, sedeado na Angola actual, tornou-se num reino católico mesmo antes de Colombo chegar à América, o rei Nzinga-a-Nkuwu foi baptizado em 1491 e adoptou o nome de João I Nzinga-a-Nkunwu.

Apesar do reino do Kongo no seu apogeu estender-se até ao sul do Gabão, o território hoje ocupado pelo Congo Brazzavile é – essencialmente – o que era o Reino do Loango e apenas uma parte do sul da actual República Democrática do Congo era integrante do Reino do Kongo que era centrado em Angola onde tinha a capital Mbanza Congo (São Salvador do Congo) e as principais zonas de influência como o condado do Soyo, Luanda e Nambu-a-Ngongo. Por exemplo, os escravos referidos no Novo Mundo como “congos” entre os séculos XV e XIX eram essencialmente angolanos do Reino do Kongo “exportados” dos portos Mpinda no Soyo (Santo António do Congo), Kakongo  e Ngoyo(ambos no que é hoje é Cabinda), Ambiz e Luanda, os tais que chegaram aos milhares no Brasil, Colômbia, Cuba, Porto Rico, Estados Unidos, México, Hispaniola (Dominicana e Haiti) e outras terras ocupadas por europeus no Novo Mundo.

Os portugueses chegaram a foz do rio Zaire (ou Rio Congo) em 1483 mas a colonização efectiva do território que é hoje Angola começou apenas com Paulo Dias de Novais no último quarto do século XVI e desde o início da criação da colónia de Angola sempre existiu Angola e Reino do Kongo de forma separada até 1914. O Reino do Kongo tornou-se vassalo do reino de Portugal apenas em 1859.

Para nós que crescemos sob o princípio de “um só povo, uma só nação” parece um dado que sempre fomos “uma só nação” ainda que existissem dúvidas sobre sermos “um só povo”, mas a junção dos territórios portugueses nesta região sob um único nome (Angola) é muito recente (100 anos) e não é exclusivo de Cabinda (anos 1950 como disse Raúl Danda), o que não exclui longos anos de história comum entre os territórios que inclui São Tomé e Príncipe que foi povoado significativamente por povos vindos de Angola (incluindo muitos cabindas), aliás, a Santa Sé continua a agrupar Angola e São Tomé na mesma Conferência Episcopal.

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O enclave de Cabinda só é um enclave porque 1885 em Berlim o rei Leopold II da Bélgica conseguiu que lhe fosse cedida uma saída para o mar que separou Cabinda da actual província do Zaire. Cabinda é hoje um enclave por uma decisão diplomática tomada há 130 anos num contexto muito particular e não por diferenças culturais irreconciliáveis ou outra razão qualquer. Em termos de diversidade cultural este país não é diferente de grande parte dos países africanos que são verdadeiras mantas de retalhos que com diferentes níveis de sucesso vão conseguindo viver debaixo da mesma bandeira (ou não!).

Tudo isto para dizer que a história colonial semelhante dos povos que habitam Angola, sendo o principal legado a língua portuguesa, não pode ser ignorada ou diminuída para que se construa o caminho para uma possível desintegração territorial. As reclamações por melhores condições de vida das pessoas de Cabinda são legítimas, maior autonomia na gestão local é igualmente uma exigência legítima mas independência não tem justificação para mim. Ademais, é importante lembrar que o país inteiro vive com grandes dificuldades apesar do espaço desproporcional que Luanda ocupa na vida económica do país. Comparativamente, em termos económicos, Cabinda não é das piores províncias mas isto não invalida o facto de que a província deveria ser servida de melhores infraestruturas assim como a província do Zaire que até é a que mais exporta petróleo em Angola. Os números dizem que a zona norte, em que se insere Cabinda, é das menos avançadas economicamente mas isto deve-se sobretudo aos níveis de pobreza mais acentuados das outras províncias que integram a região norte: Zaire e Uíge.  No Inquérito Integrado Sobre Bem-Estar da População (IBEP) realizado pelo INE há alguns anos, a região norte apresentou uma receita média mensal por pessoa vergonhosamente baixa, 6.711 kwanzas, que compara com os 12.311 kwanzas de Luanda que não são em si grandes números mas são muito acima da região norte e da segunda região mais rica, a região sul (Huíla, Namibe e Cunene) com 9.187 kwanzas. Na verdade, apenas a região este (Lunda Norte, Lunda Sul, Moxico e Kuando Kubango) apresenta números piores que a região norte (4.830 kwanzas).

Concordo plenamente com Raúl Danda quando pede melhor governação. Uma governação mais justa, equilibrada e eficiente melhoraria a vida de todos os angolanos, de Cabinda a ponta do Kuando Kubango porque por este extenso território os problemas são comuns e devem ser vistos desta forma, apesar de existirem assimetrias significativas entre algumas províncias nada nos diz que uma nova abordagem na governação não poderá alterar o quadro para todos sem necessidade de desintegração territorial.