O acordo ortográfico luso-brasileiro

O acordo ortográfico luso-brasileiro – também conhecido como Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (AO) – assinado em 1990, entrou em vigor no Brasil e em Portugal em 2009 e passará a ser a única forma correcta de escrever nestes países este ano, em Portugal passa a ser obrigatório amanhã, 13 de Maio. Assim, a partir do “dia de Fátima” de 2015 escrever “directo” passa a ser um erro ortográfico em Portugal.

Sou contra este acordo, não apenas por diminuir a influência africana na construção da língua portuguesa mas, sobretudo, porque empobrece a própria língua. A ideia de unificar a grafia de todas as variantes de uma língua falada em diferentes pontos do globo é ambiciosa e, de certa forma, arrogante.

Uma das teorias de defesa do AO é que para se tornar uma língua mundial é preciso unificar a grafia. Um princípio que é um autêntico disparate uma vez que o inglês domina a comunicação global apesar de conviver com várias grafias da mesma língua quer sejam falantes sul-africanos, norte-americanos, escoceses ou neo-zelandeses. Ao fim de tantos anos sem ser uma língua mundial e vivermos bem com esta situação porquê que foi agora inventado este “objectivo”?

Acresce que o AO não gosta da letra “k”, tal como o nosso Ministério da Administração do Território (MAT) que defende que “Kwanza” deve ser escrito “Cuanza” (!) e isto não posso aceitar, assim como não concordo com a “aportuguesação” de nomes africanos como “Ginga” em vez de “Nzinga” (ou “Njinga”). Será que o acordo ortográfico exigirá que passemos a escrever “quizomba” no lugar de “kizomba” e “cuduro” no lugar de “kuduro”?

O AO não cumpre com a missão de simplificação porque é confuso. Pode-se escrever “espectador” ou “espetador”  porque é permitida a dupla grafia em algumas palavras e os conterrâneos do faraó Faruk continuam a ser “egípcios” apesar do seu país passar a ser “Egito”.

Este acordo demonstra uma certa pequenês dos seus proponentes porque estes não entendem que a diversidade dentro da língua não gera confusão se existir interacção entre os falantes, a diversidade enriquece a língua. Porquê que os franceses, canadianos, suíços e belgas vivem bem com as suas diferenças e nós não podemos? Como é possível um falante de Coimbra afirmar que um “c” ou “p” é mudo para um falante de Quelimane? Como é possível unificar a grafia se existem pronúncias tão díspares pelas influências fonéticas de línguas autóctones como as línguas africanas?

Ademais, o acordo luso-brasileiro lembra-me o período em que Portugal e Brasil eram duas cabeças do mesmo império que via África como um actor secundário, muito necessário mas sem capacidade de decidir por si, pelo que, as suas decisões deveriam ser tomadas ou influenciadas pelos seus “pais”. Acho bem que Angola resista a assinatura deste acordo apesar de não compreender a posição “anti k” do MAT que acaba por contradizer alguns dos princípios da luta pela independência de Angola, designadamente a valorização da cultura africana.

As diferenças na grafia são tão leves e charmosas que não compreendo o esforço por detrás do desastre que é o AO. O português não será mais global pela simples razão de ter uma grafia única, é antes preciso divulgar a cultura dos povos falantes e aumentar o nível de interacção económica com não falantes, quando os não falantes forem aprendendo a língua descobrirão as pequenas diferenças entre as geografias assim como existe com o inglês britânico e o americano e neste caso não se coloca a teoria da dimensão populacional que é usada por alguns para justificar o domínio da variante brasileira.

Como disse Miguel Tamen, professor de literatura da Universidade de Lisboa:

[O Acordo Ortográfico] é um desastre linguístico, porque foi feito de uma forma inepta. É um desastre jurídico, porque ninguém tem a certeza se está em vigor. É um desastre político, porque cede a interesses espúrios. É um desastre intelectual, porque não é, muito simplesmente, eficaz.

Como sou tolerante quanto a existência de variantes dentro da mesma língua, hei de conviver com a nova versão da língua portuguesa e espero que respeitem a minha decisão de não fazer parte dos aderentes.

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