Angola, “the underachiever”.

Os últimos dados previsionais da economia angolana publicados pelo FMI (abril 2017) são preocupantes mas, infelizmente, não são surpreendentes. Olhando para as potencialidades de Angola não restam dúvidas que somos um underachiever, ou seja,  estamos muito abaixo do nosso potencial e a culpa é nossa, mas para quem não quer partilhar patrioticamente a culpa o ideal é apontar o dedo aos políticos angolanos cujas decisões estão a limitar o país à este estado medíocre e, de certa forma, vergonhoso.

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Fonte: FMI, “World Economic Outlook – April 2017”

Quando Angola se tornou independente foram tomadas várias decisões que ditaram o nosso percurso tortuoso até às primeiras tentativas de construção de uma economia de mercado que não correram bem e este período foi todo feito com uma guerra civil destruidora em vários sentidos como pano de fundo. Em 2002 tivemos a nossa grande oportunidade para dar a volta construindo uma democracia equilibrada e uma economia sustentada pela livre iniciativa, com menos presença do Estado, com menos compadrio e mais valorização do mérito mas não, embarcamos numa festa regada à petróleo caro que deu para todo tipo de excentricidades e para inaugurar a década de 2010 decidimos fazer uma nova Constituição, um fato que se a maioria dos angolanos vestir não ficará bem.

A nova carta directora da nossa vida política, social e económica não trouxe o contrato social ideal para construção de uma nação próspera e estável, pelo contrário trouxe acoplado um contrato social desequilibrado, agravado pela aplicação inconsistente e injustificavelmente parcial das tais leis que estão longe do ideal mas que se fossem aplicadas “ao pé da letra” teríamos certamente outro cenário social em Angola. Uma das questões previstas na Constituição com potencial transformador que continua a ser negligenciada é a realização de eleições autárquicas que prometem finalmente afastar o país desde modelo de gestão local desalinhado com o mundo moderno e divorciado dos interesses dos angolanos.

O foco nas nossas riquezas minerais demonstra que não nos conseguimos livrar da lógica que todo valor vem do subsolo, desprezando a necessidade de formar com qualidade os angolanos para que possam empreender competitivamente nas mais diferentes áreas, incluindo na exploração mineira. Ao longo desses anos todos de bonança o investimento em educação focou-se na construção de escolas, quase todas amarelas reluzentes, inauguradas com pompa e circunstância para dias depois serem ocupadas por directorias mal financiadas e com limitações de gestão com o seu exército de professores mal formados com salários em atraso. Autênticas fábricas de alunos com formação deficitária.

O capitalismo de campeões escolhidos à dedo por uma elite política produz invariavelmente uma sociedade instável, onde a elite política sente-se tentada em manter a ”estabilidade” por via da intimidação no lugar da boa governação. A sociedade avança com os incentivos errados, envenenada pela corrupção e com uma classe empresarial capturada pelo modelo do capitalismo de compadrio, em que triunfam os que usam a “cor certa” e não necessariamente os que produzem o que o mercado considera ser acertado. Todas as pessoas têm o direito de empreender mas não é bom sinal quando a lista dos maiores empresários de um país coincide com a lista de políticos destacados e seus parentes, este desenho aristocrático de uma sociedade é uma receita para sub-produção económica e, quase sempre, instabilidade social.

Os números previsionais do FMI não são uma fatalidade, mas é muito provável que se venham a confirmar se entretanto não forem feitas reformas estruturantes. Não há volta a dar, temos que mudar de caminho e não falo em mudar de faixa porque o que precisamos é de dar uma volta de 180 graus e avançar. Criar um modelo de organização política em que exista equilíbrio entre quem governa, quem faz leis e quem administra a justiça.

A economia deve ser um concurso de qualidade e não de amizade, as escolas devem formar e não ser um passatempo e o poder local deve ser subordinado ao voto local e temos que  dar uma oportunidade às ideias liberais que incrivelmente continuam a encontrar resistência inclusive nos países percursores apesar dos resultados. Vamos abrir o país e evitar a postura de desconfiança de quem vem de fora porque quanto mais dificultamos o acesso ao nosso mercado mais estamos a convidar o pior tipo de investidor externo que existe: oportunistas disponíveis a tudo para subirem ao topo ao mesmo tempo que afastamos quem prefere valer-se simplesmente pelo trabalho e está na hora de admitirmos que não vamos conseguir crescer sem investimento externo em quantidade e qualidade.

E se os empregos industriais não chegarem nunca?

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Quando se fala em diversificação em Angola é comum ouvirmos referências à necessidade de investir-se na agricultura e na indústria transformadora para, dentre outras coisas, resolver a maka do alto desemprego. Este pensamento está alinhado com a história da revolução industrial desde o século XVIII que teve o aumento do emprego associado ao aumento da produção.

Mas actualidade conta uma versão diferente. Nos últimos anos o aumento da produção industrial não tem estado necessariamente associado à criação de emprego industrial, pelo contrário a adopção de modelos apoiados na robótica que ganham em eficiência e dispensam a mão de obra massiva nas fábricas tem estado a reduzir consideravelmente a mão de obra industrial.

Muitos países passaram por uma fase de criação de empregos agrícolas que propalaram empregos industriais e depois evoluíram para uma situação de crescimento do emprego nos serviços. Contudo, tem-se verificado que muitos países passaram da primeira fase para terceira muito rapidamente e existem casos em que nem se pode falar que houve industrialização sequer.

O economista Dani Rodrik apoiado na ideia de Dasgupta and Singh publicou um paper que argumenta que muitos países em desenvolvimento estão a passar por um processo de “desindustrialização prematura”, passando para economias dominadas por serviços em muito menos tempo que os países desenvolvidos. Esta realidade tem potencialmente efeitos perversos a nível do emprego, da desigualdade internas e a da capacidade dos países competirem externamente.

Não sendo produtores de tecnologia e tendo presente a velocidade em que os equipamentos industriais têm estado a evoluir, o normal é que a instalação de fábricas novas nos países menos avançados não seja feita com recurso à equipamentos obsoletos que exigiam um forte corpo de força humana mas sim suportadas por tecnologia baseada em automatismos que dispensam a mão-de-obra massiva como ocorreu na revolução industrial. A necessidade de trabalho braçal é também diminuta na agricultura moderna, o que implica que pela via de grandes investimentos na agricultura não se resolverá o problema de subemprego, ficando a agricultura braçal reservada aos pequenos camponeses sem meios financeiros e com pouca formação, o que limita a sua produtividade.

Sendo assim, as expectativas de criação expressiva de postos de trabalho por via do investimento na indústria provavelmente não se realizarão, mas o mais grave da questão é que o país não está preparado e nem se está a preparar para ser uma economia de serviços competitiva porque não está a investir o suficiente na capacitação dos quadros, condenando o país à dependência de contribuições de trabalhadores expatriados ou para o contínuo declínio da produtividade que contribui grandemente para a qualidade de vida dos cidadãos.

Sem a criação de postos de trabalho destinados à pessoas com poucas qualificações, o futuro empregado angolano vai necessariamente ter de apresentar-se com mais capacidade no mercado de trabalho para poder desempenhar funções nas áreas de tecnologia, serviços financeiros, saúde, logística, telecomunicações e outros serviços cada vez mais dependentes de meios tecnológicos e da criatividade diferenciadora. Com o mundo cada vez menor, a concorrência virá de todos os lados e o potencial de aumento de desigualdades e fissuras sociais é grande.

A linha de montagem com centenas de operários e os campos cultivados por milhares não combinam com uma imagem do futuro, na China ou em Angola, o melhor passa por reformar o país no sentido de facilitar a vida ao empreendedor e dar à formação dos cidadãos a importância que ela merece.

BNA vs. Inflação

Angola registou uma taxa de inflação homóloga de 40,4% em Janeiro de 2017. Uma taxa ainda muito a norte do ideal mas a tendência é positiva. O nível de crescimento dos preços continua elevado mas é cada vez menos acentuado como mostram os números do INE nos últimos meses e esta realidade não poderá ser desligada das políticas do BNA nem da evolução recente do preço do petróleo bruto que anda menos deprimente nos últimos meses.

Os preços em Angola, em virtude da estrutura económica caracterizada por grande dependência de produtos de produção externa para satisfação das necessidades de consumo, são amplamente influenciados pelas taxas de câmbio e sendo a taxa de câmbio administrada pelo BNA. As decisões do banco central têm grande impacto na taxa de câmbio não apenas pela gestão dos kwanzas em circulação mas também por via das intervenções no mercado cambial.

A necessidade de aquisição de bens e serviços não encontrados em quantidade e/ou qualidade internamente, assim como a quebra de confiança na moeda nacional alimentam a forte procura por moeda. No entanto, confrontado com um período de quebra de receitas de exportações de petróleo o BNA decidiu em 2015 implementar uma política restritiva que reduziu a oferta de divisas no mercado que manteve o seu apetite pela moeda externa para diferentes fins e esse desencontro entre a procura e a oferta de divisas fez disparar a taxa de câmbio do kwanza por dólar americano no mercado informal. Como as alterações no “câmbio oficial” são administradas, a desvalorização de câmbio oficial foi menor que a verificada nas kinguilas apesar da forte correcção.

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Fonte: BNA

O mesmo elemento que permitiu Angola viver durante anos a fio com uma taxa de câmbio que sobrevalorizava o kwanza (e desta forma controlar a inflação) está a contribuir para que o BNA resista à uma nova desvalorização do kwanza: o preço do petróleo. Sendo verdade que continuamos longe dos preços do petróleo registados há alguns anos, a evolução positiva no segundo semestre de 2016 ajudou o BNA na sua política de luta contra a inflação cujo o sucesso deve-se também aos esforços do banco central em reduzir a massa monetária, retirando do mercado os kwanzas que permitiam aos angolanos pressionar o mercado cambial que foi sendo abastecido com divisas mais decididamente no segundo semestre de 2016.

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Fonte: INE, BNA

No segundo semestre de 2016 o BNA vendeu em média 1088 milhões de euros por mês, que compara com 456 milhões de euros por mês no primeiro semestre em que foram igualmente vendidos 137 milhões de dólares por mês. O aumento das divisas nos bancos comerciais no segundo semestre contribuiu para redução progressiva das Reservas Internacionais Líquidas (RIL) apesar de um mercado petrolífero mais favorável, mas o principal efeito na economia foi o abrandamento da taxa de inflação que, apesar das políticas do BNA, continua muito vulnerável se termos em conta que o kwanza continua sobrevalorizado e tudo indica que está pendente uma desvalorização da moeda nacional e um reajuste dos preços dos combustíveis que supostamente são de determinação livre.

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Fonte:BNA

Até agora, a política do BNA tem estado a contribuir para a desaceleração da taxa de inflação mas parte de sucesso é atribuível a estabilidade da taxa de câmbio que tem sido conseguida com aumento da venda de divisas que está ser viabilizada pelo aumento do preço do petróleo. A pressão para desvalorização da moeda continua muito presente e deverá certamente ser acompanhada pelo aumento do preço dos combustíveis que têm uma abrangência transversal nos preços. A guerra contra inflação continua por decidir e o BNA tem ganho algumas batalhas mas continua longe de reclamar vitória, no momento – na linguagem do futebol – o jogo está empatado e dividido.

Apesar da lei, preços dos combustíveis não são livres

Em Maio de 2015 o Governo angolano publicou um decreto e um comunicado sobre o modelo de determinação dos preços dos combustíveis que combinados expunham uma contradição. O anunciado preço livre seria da responsabilidade de um único operador – a Sonangol – num mercado que  tem mais de um operador, o que em termos efectivos também não é verdade.

Na edição de 10 de Março de 2017 o jornal Expansão noticiou que o FMI aconselhou o Governo Angolano a rever imediatamente os preços dos combustíveis de forma a honrar com o compromisso de supressão dos subsídios que em Dezembro de 2015 supostamente tinham sido eliminados para o gasóleo que assim juntava-se à gasolina e outros derivados no regime dos preços livres. O facto do FMI sugerir um aumento na ordem dos 40% para a gasolina e para o gasóleo demonstra que o regime de preços livres não existe para estes produtos e que o Estado continua a subsidiar os mesmo sem cobertura legal para tal. Segundo a notícia do Expansão a Sonangol já solicitou ao MINFIN a alteração do preço dos produtos que comercializa o que prova que a liberdade para determinação dos preços não passa de uma intenção.

No meio de tudo isto fica claro que o Governo angolano não está disponível para perder o controlo dos preços dos combustíveis e essa posição poderá estar a ser influenciada por questões eleitorais como opinou Rosado de Carvalho. Contudo, tal postura passa uma mensagem confusa da agenda do Governo que não consegue conciliar uma mensagem (e uma lei) liberal com as acções intervencionistas “no terreno”.

O Governo perdeu em 2015 uma oportunidade para reformar o sector de distribuição de combustíveis que não só deveria permitir a determinação do preço dos produtos livremente por parte dos operadores como deveria acabar com anacronismo que coloca a Sonangol como accionista de referência nos seus concorrentes. Criando um ambiente concorrencial o Estado beneficiaria com o fim efectivo dos subsídios e os clientes beneficiariam da concorrência entre operadores.

A grande questão para o Governo angolano poderá estar nos determinantes da procura de combustíveis por parte das famílias angolanas. A deficiente distribuição de electricidade que obriga ao recurso constante de geradores torna muito sensível a questão dos preços dos combustíveis assim como a inexistência de sistemas de transportes públicos eficientes contribui para inelasticidade da procura por gasolina e gasóleo.

Em suma, os fracos resultados das políticas de energia e de transportes em Angola amplificam a abrangência do efeito das variações nos preços dos combustíveis o que contribui para resistência do Governo  a liberalização efectiva dos preços dos combustíveis que idealmente deveria ser acompanhada por melhorias sensíveis na distribuição de electricidade e de transportes públicos. Sem o consumo de combustíveis para geradores e com alternativas razoáveis para o carro próprio o impacto de um aumento dos preços dos combustíveis será mais facilmente acomodado pela sociedade e menos temível politicamente.

Houve recessão em 2015 e 2016

No discurso sobre o Estado da Nação de 2015, lido pelo vice-presidente Manuel Vicente no dia 15  de Outubro daquele ano foi exposto o optimismo do presidente José Eduardo dos Santos quanto à saúde da economia angolana que na altura preocupava já grandemente o cidadão comum afirmando que Angola não experimentaria uma recessão económica mas apenas uma desaceleração. Num artigo  aqui publicado no dia 17 de Outubro de 2015 manifestei a minha posição não tão optimista sobre a saúde económica de Angola uma vez que os sinais de preocupação já vinham de alguns anos e a desaceleração estava longe de ser uma novidade o que dificultava a minha compreensão da falta de ajustamento, sobretudo, da política fiscal do estado angolano.

Num artigo de Setembro de 2016 («stará Angola “oficiosamente em recessão”?») falei que na ausência da publicação oficial de dados trimestrais das contas nacionais por parte do INE era impossível atestar que Angola vive ou não uma recessão mas com os dados disponíveis na altura, ainda que anualizados, fiquei com a impressão que a nossa economia tinha experimentado uma recessão e que só por milagre conseguiríamos crescer em 2016 e os números do INE que finalmente começou a publicar dados intercalares do PIB angolano vieram confirmar que Angola passou uma recessão como atestam os livros: crescimento negativo do PIB por dois trimestres consecutivos.

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Fonte: Instituto Nacional de Estatística de Angola

Os números do INE não só revelam a saúde precária como demonstram mais uma vez que a tendência decrescente do produto nacional é longa e acentuou-se nos últimos dois anos apesar da hemorragia ter reduzido na segunda metade de 2016 a economia continuou a apresentar uma evolução trimestral deprimente e, como tal, não existem razões para festejar sobretudo porque não reconheço nas medidas tomadas nos últimos tempos o suficiente para colocar o país no caminho do crescimento sustentado e de uma economia mais diversificada e criadora de emprego e riqueza por diferenciação de qualidade dos produtos e serviços postos no mercado nacional e global.

O segundo trimestre de 2016 foi particularmente mau com uma variação homóloga (em termos reais) de -7,8% e o trimestre que lhe seguiu variou -4,3% e todo este período de decréscimo do produto foi acompanhado pelo aumento da taxa de inflação, ou seja, as pessoas ficaram mais pobres em termos nominais e em termos reais. Fazendo uma comparação, tendo presente os diferentes estágios de desenvolvimento dos dois países, para o mesmo período, no seu pior trimestre a economia de Portugal cresceu 0,7%.

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Fonte: Instituto Nacional de Estatística de Portugal

A situação continua feia mas com o aumento registado no preço do petróleo dá para respirar melhor mas não estou entusiasmado pela falta de reformas estruturais convincentes, continuo sem grandes expectativas para o médio prazo mantendo o mesmo modelo económico do estado gordo e campo de actuação inclinado e com intervenção parcial e persistente do árbitro. No meio disto tudo, há que dar os parabéns pelo INE por estarem a melhorar a produção de estatísticas e por divulga-las no seu site.

 

Trump, proteccionismo e nós

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The Independent

Os economistas muitas vezes envolvem-se em debates ideológicos sobre os mais distintos temas mas é quase unanimidade o reconhecimento das vantagens do comércio livre. Contudo, apesar dos clássicos de Adam Smith e mais detalhadamente David Ricardo há séculos atrás e trabalhos mais recentes de Samuelson e Stolper, fora da tribo de economistas é muito comum encontrar vozes que se opõem a liberdade das trocas internacionais, sobretudo no que concerne às importações porque no imaginário das pessoas importar significa necessariamente perder e exportar significa ganhar.

Mas parece-me ser da “natureza humana” buscar a dominação política no lugar do comércio internacional. O ensinamento moderno de economia tem tido pouco sucesso em conseguir que o público em geral, até mesmo nos países mais avançados e educados (especialmente o nosso [EUA]), perceba e efectivamente inclua no seu pensamento político o truísmo que no comércio livre a vantagem é mútua*

Frank Knight, “Human Nature and World Democracy”

Nos últimos anos diferentes organizações e académicos têm estado a alertar para o crescimento da desigualdade económica entre os mais ricos e os mais pobres. Contudo, o principal desenvolvimento social e económico global das últimas décadas não foi o aumento da desigualdade mas sim a redução significativa da pobreza e esta redução ocorreu, sobretudo, devido ao aumento do comércio internacional que permitiu deslocar com mais eficiência capital e tecnologia dos países ricos para os países menos avançados que, nos casos de maior sucesso, conseguiram passar de nações subdesenvolvidas à potências económicas globais em menos de duas gerações como aconteceu com a China e a Coreia do Sul.

Donald Trump, numa das suas primeiras medidas como presidente dos Estado Unidos abandonou a Trans-Pacific Partnership (TPP) que era um projecto ambicioso da Administração Obama que agruparia 1/3 do comércio global numa zona de comércio livre com quase o dobro da população da União Europeia que juntava os países da costa do pacífico das Américas com alguns países da Ásia. Na visão de Donald Trump e dos sindicatos (como é hábito) as zonas de comércio livre são sinónimo de deslocalização da produção e destruição de emprego e devem ser combatidas como medida de protecção da produção local (no paleio da direita nacionalista) e do emprego local (no paleio da esquerda nacionalista) e ambos os campos esquecem da perda líquida de rendimentos que afecta o consumo da tal produção nacional e a potencial perda de mercado externo com a equivalência de políticas comerciais.

A ideia que o comércio externo é negativo para a economia local está ancorada em percepções erradas ou “factos alternativos” na linguagem da Administração Trump. Muitas pessoas partindo do princípio que importar é negativo e apenas exportar produz efeitos positivos na economia e no bem-estar dos nacionais, sempre que um acordo de comércio externo potencialmente significar o aumento de importações barricam-se na defesa do “interesse nacional” que normalmente resulta na protecção de produtores nacionais mesmo quando estes revelam manifesta ineficiência derivada do contexto (da competência da liderança política) ou da sua própria incompetência. Embora seja factual que algumas partes possam tirar proveito de práticas ilegais para obterem vantagens competitivas, isto não é a regra e a história prova que os benefícios do comércio internacional são mútuos como disse Frank Knight e ultrapassam a questão puramente económica porque contribuem grandemente para estabilidade política e relações internacionais pacíficas.

Como em boa parte do mundo, dos países ricos aos mais pobres da classe política ao eleitorado, em Angola existe muita gente com ideias proteccionistas com base numa visão especulativa do comércio livre assente na desconfiança dos parceiros e na ideia de que maior abertura ao comércio externo destruirá invariavelmente a indústria local e o emprego, assumindo que o comércio externo não serviria para expor as nossas fragilidades mas sim para retirar a nossa capacidade (e vontade) de as corrigir. Com este pensamento Angola continua afastada da zona de comércio livre da SADC apesar das metas várias vezes avançadas.

Os diferentes estágios de desenvolvimento dos países significam diferentes níveis de produtividade porque a população dos países mais desenvolvidos tem por norma mais qualificação técnica e as infra-estruturas de suporte à produção em tais países é normalmente superior. Ademais, os países mais desenvolvidos são normalmente melhor capitalizados e este capital pode ser a via de saída do subdesenvolvimento se as nações menos ricas focarem na criação de condições que atraiam este capital. Quando os fundos são escassos é preciso que sejam optimizados no que realmente faz a diferença, nomeadamente na formação dos quadros, na eliminação de barreiras à iniciativa privada e investimento externo e na aposta em infra-estruturas facilitadoras da actividade económica e social da população nomeadamente a urbanização, distribuição de água, fornecimento de energia e serviços de saúde de qualidade.

O proteccionismo protege os produtores bem relacionados da concorrência externa e gera complacência por parte do poder político que poderá continuar a negligenciar o investimento naquilo que realmente torna a economia mais competitiva: pessoas com formação e infra-estruturas de qualidade (incluindo o sistema de organização política do país).

*“But it seems to be “human nature” to seek political domination in place of free international trade.  Little success has attended the efforts of modern economic teaching to get the general public, even in the most advanced and highly educated countries (specifically our own), to realize effectively and carry over into their political thinking the truism that in free exchange the advantage is mutual.”

Mérito e cultura

Devemos juntos aplicar o princípio de que a união faz a força. Vamos juntos promover a cultura do mérito para produzir com melhores resultados, de modo a aumentarmos e distribuirmos com maior justiça a riqueza nacional.

José Eduardo dos Santos

A receita para construção de uma sociedade estável e próspera inclui uma dose generosa de valorização do mérito, aquilo que nos leva à criação da tão almejada sociedade meritocrática. O presidente anunciou a objectivo de juntos promovermos a “cultura do mérito” mas não elaborou (e não se esperava que o fizesse num discurso de final de ano) como poderíamos juntos promover a cultura do mérito. Na minha modesta opinião a declaração do presidente peca por optimismo, uma  vez que o PR presume que a união dos angolanos bastará para que no curto prazo o critério de selecção na sociedade angolana passe a ser primariamente o mérito.

“As pessoas respondem à incentivos” como indica um dos princípios da economia (eu diria da vida) que o professor Mankiw elencou no seu popular livro de introdução à ciência económica e por muito tempo a sociedade angolana tem vindo a ser regida pelos incentivos errados como o excessivo compadrio e premiação de lealdade cega no lugar do julgamento cego do mérito de cada opinião ou acção e este facto deve-se sobretudo ao modelo de governação e condução da vida económica do país desenhado ao longo de décadas pelo único partido que governou Angola independente: o MPLA que o PR lidera há quase 40 anos.

A meritocracia não depende unicamente da boa vontade das pessoas, a sociedade meritocrática emerge num ambiente em que reina a liberdade individual, concorrência saudável e justiça minimamente igualitária. Quando numa sociedade os ascensores sociais são arbitrariamente operados por um grupo reduzido de cidadãos com relação privilegiada com a lei é muito difícil construir um sistema meritocrático sem que antes sejam destruídas as bases do modelo aristocrático e limitador da mobilidade social. Para conseguirmos passar da sociedade que privilegia o amiguismo, o partidarismo ou a lambebotismo em detrimento da melhor qualidade vamos ter que promover reformas institucionais profundas.

Em boa verdade, olhando para a história recente de Angola, não surpreende a baixa qualidade dos nossos empresários e o baixo nível de produtividade do trabalhador-tipo angolano. O que temos hoje, para além do longo período de guerra civil, é o resultado de décadas com fraco investimento e valorização da educação por duas razões principais: (i) as histórias de sucesso económico não são dominadas por empreendedores criativos ou que tenham levado ao mercado produtos que em concorrência triunfaram mas sim por pessoas com ligações ao poder que conseguem negociar o desenho de “ambientes de negócio” especiais que protegem os seus interesses e, muitas vezes, comprometem o interesse geral e (ii) a fragilidade do contrato social implica que os mecanismos de autocorrecção visíveis nas democracias liberais não existem entre nós porque os cidadãos têm pouco poder para efectivamente influenciar as grandes políticas públicas como a educação de qualidade que é condição necessária para o aumento da produtividade.

Para termos uma sociedade em que se cultiva o mérito em Angola há ainda um longo caminho a percorrer, começando por uma visão menos especulativa sobre o valor dos mercados livres, dos tribunais independentes, da educação de qualidade, do respeito pela propriedade e pela liberdade individual.

Os cidadãos livres num ambiente protector da propriedade e premiador da qualidade são o melhor aliado do desenvolvimento económico. O modelo actual que nos trouxe uma classe empresarial com meia dúzia de empresários de qualidade e milhares de figuras coloridas que vivem e morrem de contratos de fornecimento ao Estado está a falhar porque não tem sustentabilidade, como tem sido extensivamente demonstrado na moderna literatura sobre desenvolvimento económico (sugeri aqui e aqui dois livros sobre o tema). A nossa maka é sistémica e não cultural, porque o compadrio sobrevive no ambiente receptivo ao compadrio e sem criar hostilidade para tal “cultura” jamais emergirá a “cultura do mérito”. Por isso, para mudar o rumo vai ser necessária, acima de tudo, vontade política e não uma alteração voluntária do comportamento colectivo que resulta de uma resposta aos incentivos criados pelo sistema existente.

Sonangol, o que é que o BCP tem?

A PCA da Sonangol, Isabel dos Santos, revelou recentemente que a empresa precisa de cerca 1,5 mil milhões de dólares para honrar compromissos de muito curto prazo, isto é, até ao final deste ano que tem menos de 30 dias para terminar. Curiosamente, na mesma conferência de imprensa a PCA da maior empresa do país confirmou que empresa já endereçou um pedido ao Banco Central Europeu (BCE) para reforçar a sua participação no banco português Millennium BCP, de que era até bem pouco tempo o maior accionista e passou a ser o segundo com a entrada da empresa chinesa Fosun no capital do banco.

É por demais evidente que a Sonangol tem de continuar o processo de reforma estrutural de forma a melhorar a eficiência e a reduzir os custos de estrutura que ameaçam a saúde financeira da empresa e, quem sabe, a sua sobrevivência. E ficou também evidente que o processo de reforma do modelo de gestão da Sonangol não passa por terminar com a crise de identidade de uma empresa de engenharia que se confunde com uma holding financeira uma vez que, apesar do aperto de tesouraria, a Sonangol continua a acreditar no sucesso do Millennium BCP que embora seja o maior banco privado português tem vindo a acumular prejuízos há muitos anos e olhando para a saúde económica de Portugal, o principal mercado do banco, não é expectável que o cenário mude nos próximos tempos.

De todo modo, olhando para o valor em bolsa do BCP, cerca de 1,1 mil milhões de euros à data de hoje, para reforçar a participação no banco português a Sonangol não terá de investir uma fortuna mas ainda assim continua a investir num cavalo que mais vezes perde do que ganha corridas na última década e não se espera que mude tão cedo. A obsessão da Sonangol pelo BCP e por outros investimentos financeiros longe da sua cadeia de valor precisa de ser melhor explicada sobretudo quando a empresa ao fim de tantos anos suspendeu o investimento da refinaria no Lobito e pouco fez para fomentar a indústria petroquímica em Angola que potencialmente criaria mais emprego e riqueza para a nossa economia do que o investimento no BCP.

Mesmo antes do anúncio da suspensão do investimento na refinaria a voz autorizada de Lago de Carvalho questionou a racionalidade do investimento porque provavelmente não seria rentável e até representar uma perda líquida se trocarmos o modelo actual de exportação de petróleo bruto e importação de refinados. Contudo, existem quem defende o potencial de exportação de refinados (influxo de divisas) e a possibilidade de rentabilidade no longo prazo mas por razões nunca antes expostas a Sonangol priorizou na década da bonança uma série de investimentos estranhos ao petróleo e gás que vão desde o imobiliário em Nova Iorque à aviação civil na Tanzânia e, tal como aconteceu na banca portuguesa, os resultados não foram famosos. Tendo em conta os resultados da política de investimentos da Sonangol dos últimos anos, especificamente no BCP, sendo a Sonangol uma empresa pública seria útil um esclarecimento do racional que sustenta  insistência neste investimento porque penso que muita gente, eu incluído, tem dificuldade em perceber.

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Fonte: Millennium BCP

Pôr termo ao limite de endividamento público é mau sinal

When the facts change, I change my mind.

John Maynard Keynes

Keynes terá escrito* que na presença de uma nova realidade não tinha dificuldades em mudar de opinião e o Governo angolano deve seguir o mesmo princípio porque na presença de dificuldades de financiar o Orçamento Geral do Estado com receita fiscal e, por esta razão, antecipando a necessidade de angariar mais dívida para realização de despesas em 2017 o Governo decidiu deixar cair a imposição legal de manter a dívida pública abaixo dos 60% do PIB, limite que foi violado em 2015 e será certamente violado em 2016.

A adopção dos 60% como referência para equilíbrio das contas públicas é quase global mas é discutível que todas as economias são capazes de sustentar tais níveis como abordei aqui anteriormente. Certamente a capacidade da economia alemã sustentar stocks de dívida pública que superem 60% da riqueza criada anualmente não é a mesma que a nossa, sendo que nós temos muito menos capacidade. Contudo, o fim da imposição do limite de 60% para o stock da dívida pública em relação ao PIB é um indicativo que o governo pretende ultrapassar este limite.

Com efeito, o governo planeou ter 7.3 biliões de kwanzas para gastar em 2017 e deste valor 3.1 biliões terá a forma de dívida pública, ou seja, o governo espera financiar 42.5% das suas despesas com dívida em 2017.

Não consegui perceber ainda quanto desta dívida será externa, mas olhando para a yield da Eurobond angolana (14,2%) podemos dizer que as condições poderiam ser piores olhando para o estado da nossa economia, mas espero que o Governo não esteja a olhar para a relativa resiliência da Eurobond Angola 2025 como um convite para aumentar a dívida externa sobretudo depois das declarações do presidente José Eduardo dos Santos em Julho quando disse  os montantes que o Estado estava a receber da Sonangol mal serviam para pagar as dívidas do Estado e da própria Sonangol.

Afirmei há poucos dias que o Governo não está a receber receitas da Sonangol [petrolífera estatal] desde o princípio do ano, por causa da baixa significativa do preço do petróleo, pois as receitas que são arrecadadas mal chegam para pagar as dívidas contraídas pelo Estado e pela própria Sonangol

José Eduardo dos Santos, Julho de 2016

Outra alteração na proposta de lei, como reportou o jornal Expansão é a não contabilização da dívida de empresas públicas como dívida pública, ao contrário das recomendações do FMI, Eurostat e do bom senso. Esta alteração e os números apresentados na proposta de OGE indicam que o Governo tenciona fazer recurso à dívida para cumprir com o seu programa, independentemente da qualidade do mesmo o que significa que existe o risco real de no médio prazo os problemas de serviço da dívida virem a agudizar-se se as receitas fiscais não melhorarem significativamente.

Mais, caso recorra a emissão exagerada de dívida em kwanzas, que é maioritariamente “estacionada” no balanço dos bancos comerciais e recorrer à emissão de moeda para pagar a dívida interna o Governo arrisca-se a fragilizar ainda mais o sector financeiro contaminando o balanço dos bancos e contribuindo para piorar ainda mais o problema da inflação.

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* aparentemente Keynes terá escrito “When my information changes, I alter my conclusions. What do you do, sir?” e aparentemente não existe evidência documental que Keynes terá se referido à factos (facts).

Lies, Damned Lies and Statistics

O Presidente José Eduardo dos Santos recentemente apresentou uma versão optimista do passado recente e do futuro próximo da nossa debilitada economia. Segundo o PR a economia angolana não estagnou, apenas “perdeu pujança”. O presidente não indicou exactamente quando é que a economia perdeu pujança mas desconfio que esteja a falar de 2009 porque desde 2008 que a economia angolana, em termos reais, deixou de crescer na casa de dois dígitos (13,8% em 2008 e 2,4% em 2009), a não ser que o Presidente se esteja a referir ao crescimento nominal do PIB, aquele que considera os preços correntes para bens e serviços. Caso estejamos a falar do PIB nominal em kwanzas, a economia angolana em 2009 cresceu 26%, graças ao retomar da trajectória ascendente do preço do barril de petróleo, o “pai e a mãe” do nosso crescimento económico.

Pois bem, olhando para o PIB real, dizer que a economia perdeu pujança e não estagnou é discordar em absoluto com a estimativa de crescimento do PIB real para 2016 formulada pelo FMI: 0%. Esta evolução nula não surpreende uma vez que a taxa de inflação subiu assustadoramente e a produção industrial não extractiva durante o ano tem decrescido apesar da inversão de sentido nos últimos meses e o sector petrolífero não cresceu em termos de produção como se esperava. Se olharmos para a evolução do PIB traduzido em dólares a situação é de levar as mãos a cabeça. As nossas exportações em kwanzas, apesar do preço do Brent caído, são positivamente afectadas com a desvalorização do kwanza quando contabilizadas em moeda nacional, um efeito nulo quando se contabiliza o PIB em dólares.

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Fonte: FMI

A moeda nacional não tem valor fora das nossas fronteiras, não é usada para trocas fora de Angola em volume suficiente para que seja considerada um meio de troca com valor internacional, ou seja, se o mundo começasse em Cabinda e terminasse no Kuando Kubango olhar para o nosso PIB em kwanzas bastaria para perceber a situação económica nacional. Mas o mundo é maior que Angola e nós gostamos muito de bens e serviços do exterior e, por esta razão, olhar para nossa capacidade de consumo em kwanzas não é suficiente. Com efeito, olhando para a  evolução do PIB per capita nominal em kwanzas e em dólares percebemos que “empobrecemos mais em dólares do que em kwanzas” em termos nominais, uma vez que a nossa riqueza em kwanzas tem sido engolida pela inflação.

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Fonte: FMI

Em 2015 o PIB angolano em dólares caiu os impressionantes 18,8% e o FMI estima uma queda de 10,7% para este ano. Estes valores evidenciam a nossa vulnerabilidade por excessiva dependência das exportações de petróleo. Contudo, olhando para mesma grandeza,  variação do PIB nominal, mas em kwanzas ficamos com uma fotografia mais colorida, uma vez que o FMI espera um crescimento nominal do PIB na casa do 30%, graças a desvalorização do kwanza. No entanto este crescimento nominal é crescimento acelerado dos preços, ou seja, pura fantasia cambial.

Se olharmos para a evolução das exportações e como esta se reflectiu na evolução das importações por redução das divisas que suportam as trocas com o exterior conseguimos ter uma ideia da redução da oferta de bens e serviços externos no nosso mercado e, atendendo o crescimento diminuto da produção interna, conseguimos inferir destes números a evolução da oferta agregada nos últimos anos.

Conseguir encontrar sinais positivos na evolução recente da economia angolana é difícil, o Presidente fez referência à desaceleração da subida dos preços nos dois últimos meses mas não falou da taxa de inflação acumulada porque nem pintada de rosa ela parece uma princesinha, mas como dizia Mark Twain existem lies, damned lies and statistics… usando a estatística verdadeira é possível apresentar uma imagem que nem vizinha da verdade é e apesar da crise estar a transformar-se no “novo normal” não existem ainda razões para optimismo e as projecções de diferentes instituições, apesar de algumas diferenças concorrem todas para um período de crescimento económico anémico. Hoping for best, anyway.