Pôr termo ao limite de endividamento público é mau sinal

When the facts change, I change my mind.

John Maynard Keynes

Keynes terá escrito* que na presença de uma nova realidade não tinha dificuldades em mudar de opinião e o Governo angolano deve seguir o mesmo princípio porque na presença de dificuldades de financiar o Orçamento Geral do Estado com receita fiscal e, por esta razão, antecipando a necessidade de angariar mais dívida para realização de despesas em 2017 o Governo decidiu deixar cair a imposição legal de manter a dívida pública abaixo dos 60% do PIB, limite que foi violado em 2015 e será certamente violado em 2016.

A adopção dos 60% como referência para equilíbrio das contas públicas é quase global mas é discutível que todas as economias são capazes de sustentar tais níveis como abordei aqui anteriormente. Certamente a capacidade da economia alemã sustentar stocks de dívida pública que superem 60% da riqueza criada anualmente não é a mesma que a nossa, sendo que nós temos muito menos capacidade. Contudo, o fim da imposição do limite de 60% para o stock da dívida pública em relação ao PIB é um indicativo que o governo pretende ultrapassar este limite.

Com efeito, o governo planeou ter 7.3 biliões de kwanzas para gastar em 2017 e deste valor 3.1 biliões terá a forma de dívida pública, ou seja, o governo espera financiar 42.5% das suas despesas com dívida em 2017.

Não consegui perceber ainda quanto desta dívida será externa, mas olhando para a yield da Eurobond angolana (14,2%) podemos dizer que as condições poderiam ser piores olhando para o estado da nossa economia, mas espero que o Governo não esteja a olhar para a relativa resiliência da Eurobond Angola 2025 como um convite para aumentar a dívida externa sobretudo depois das declarações do presidente José Eduardo dos Santos em Julho quando disse  os montantes que o Estado estava a receber da Sonangol mal serviam para pagar as dívidas do Estado e da própria Sonangol.

Afirmei há poucos dias que o Governo não está a receber receitas da Sonangol [petrolífera estatal] desde o princípio do ano, por causa da baixa significativa do preço do petróleo, pois as receitas que são arrecadadas mal chegam para pagar as dívidas contraídas pelo Estado e pela própria Sonangol

José Eduardo dos Santos, Julho de 2016

Outra alteração na proposta de lei, como reportou o jornal Expansão é a não contabilização da dívida de empresas públicas como dívida pública, ao contrário das recomendações do FMI, Eurostat e do bom senso. Esta alteração e os números apresentados na proposta de OGE indicam que o Governo tenciona fazer recurso à dívida para cumprir com o seu programa, independentemente da qualidade do mesmo o que significa que existe o risco real de no médio prazo os problemas de serviço da dívida virem a agudizar-se se as receitas fiscais não melhorarem significativamente.

Mais, caso recorra a emissão exagerada de dívida em kwanzas, que é maioritariamente “estacionada” no balanço dos bancos comerciais e recorrer à emissão de moeda para pagar a dívida interna o Governo arrisca-se a fragilizar ainda mais o sector financeiro contaminando o balanço dos bancos e contribuindo para piorar ainda mais o problema da inflação.

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* aparentemente Keynes terá escrito “When my information changes, I alter my conclusions. What do you do, sir?” e aparentemente não existe evidência documental que Keynes terá se referido à factos (facts).

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