Angola e os 6 pontos cruciais da McKinsey

captura-de-ecra-12O McKinsey Global Institute (MGI), braço de pesquisa económica e empresarial da consultora McKinsey & Company  publicou recentemente mais um documento (“Lions on the move II: Realizing the potential of Africa’s economies”) focado na evolução económica e no desenvolvimento económico e social do continente africano. Apesar de notar o abrandamento do crescimento económico por diferentes razões o MGI continua, em termos globais, optimista quanto ao futuro de África. O documento que reporta a evolução económica recente de África foca sobretudo no potencial de crescimento do continente no médio-longo prazo e para tal, o MGI listou seis passos que devem ser tomados pelos governos africanos para que o potencial existente seja realizado.

A redução extrema das receitas fiscais petrolíferas provocaram um abanão na sociedade angolana e tem forçado o Governo a tomar medidas de austeridade com fortes reflexos na vida dos angolanos. Ademais, o país acordou para a necessidade de reformas estruturais para que sejam criadas as bases para a criação de uma economia menos dependente das exportações de petróleo. Olhando para os passos sugeridos pelo MGI fiz um exercício para tentar perceber até que ponto as políticas do nosso Governo estão alinhadas com os conselhos do MGI que procuram ajudar os países africanos a materializar o seu potencial.

1. Mobilizar Recursos Internos

O MGI sugere a afinação da máquina fiscal para aumentar as receitas com impostos do lado público e o aumento da taxa de penetração de seguros que ajudará a captar poupanças que por via dos agentes seguradores, investidores institucionais por natureza, poderão ser repassadas para a economia. Entre nós nota-se mais assertividade por parte do Ministério das Finanças através da Autoridade Geral Tributária (AGT) na cobrança de impostos e a receita fiscal não-petrolífera tem crescido. Contudo, a estratégia do Governo para fazer crescer a receita fiscal tem passado mais pelo aumento da carga fiscal do que pela melhoria da eficiência da máquina de cobrança, mesmo porque alguns elementos que podem melhorar a capacidade de cobrança estão fora da esfera de actuação da AGT como a dificuldade de registo de propriedade (Ministério da Justiça) e questões relacionadas com urbanismo e infra-estruturas (Ministérios da Construção e Urbanismo).

O Governo tem recorrido com frequência ao aumento de impostos indirectos para fazer face a perda de receitas vindas da exportação de petróleo e tributos aduaneiros relacionados com a importação de bens e serviços que está em queda. Uma das “medidas temporárias” foi a criação da Contribuição Especial sobre Operações Bancárias  (CESOB) que incide sobre grande parte das transacções bancárias e contribuindo de forma relevante para a receita fiscal espera-se que se mantenha por mais algum tempo em linha com o que dizia Milton Friedman: “nada é mais permanente do que um programa governamental temporário”.

A maior reforma anunciada a nível fiscal é a introdução do IVA nos próximos tempos, mas o Governo tem que repensar a lógica dos incentivos fiscais que permite que grandes contribuintes como empresas de telecomunicações e de serviços financeiros como os bancos paguem tão pouco em imposto sobre lucros apesar de serem as actividades com lucros mais volumosos no sector terciário. Mantendo a actual situação, em que as grandes empresas melhor assessoradas conseguem descontos significativos na sua factura fiscal (isenção em muitos casos) sobrarão apenas as pequenas empresas que muitas vezes estão sufocadas em custos. Mais vale cobrar menos a todos do que cobrar muito aos que ganham pouco e nada aos que muito ganham.

2.Diversificar agressivamente a economia

O MGI sugere melhorias nas infra-estruturas como transportes e electricidade e reformas a nível institucional e regulatório que se traduzam na melhoria do ambiente de negócios, criando assim um contexto mais atractivo para o investimento externo que a MGI recomenda que seja recebido maior abertura. Olhando para Angola, o ambiente de negócios – apesar dos avanços a nível de registo de empresas – continua a ser muito mau.

A agricultura muitas vezes mencionada como prioridade para diversificação da economia é muito mal servida pelas instituições públicas que insistem na “empresarialização do Estado” com o lançamento de projectos de produção liderados pelo Governo apesar do histórico aterrador nesta área. O Governo deveria antes capacitar os seus institutos ligados à agricultura e torna-los em servidores válidos para os produtores focando na formação, fiscalização, pesquisa científica e apoio técnico. A produção agrícola nacional beneficiaria grandemente com melhor acesso à terra, abertura ao investimento externo, cooperação internacional a nível científico e mais investimento em infra-estruturas nas regiões produtivas e nos acessos à estas regiões. O Estado é indispensável para diversificação mas não como produtor, mas sim como facilitador dos produtores privados, a função de um Governo não deve passar por produzir batata mas sim criar as condições institucionais e físicas para a produção e distribuição dos privados.

3.Acelerar o desenvolvimento de infra-estruturas

Os serviços associados às redes técnicas de base como água corrente e distribuição de electricidade continuam a ser de difícil acesso para famílias e empresas pesem os avanços na extensão da rede de distribuição de água e, quando existe ligação à rede, a disponibilidade itinerante de água e de electricidade representa custos acrescidos para famílias e empresas que recorrem com frequência à sistemas de contingência. O MGI nota que em termos absolutos o investimento em infra-estruturas em África passou de USD 36 mil milhões em 2001 para cerca de USD 80 mil milhões em 2015 mas enfatizou que em termos relativos os cerca de 3,5% que o investimento em infra-estruturas representa no total do PIB estão abaixo do ideal (4,5%). No nosso caso, para além da necessidade de se incrementar o investimento em infra-estruturas é fundamental melhorar a qualidade de execução dos projectos e o critério de definição de prioridades que poderá ajudar o país a repensar a utilidade de um aeroporto moderno no Luau quando as estradas que ligam importantes centros de consumo e produção são lastimáveis.

Nas comunicações, que têm uma importância transversal na economia, a maior aposta de capital do governo passa pelo lançamento de um satélite nacional. A empresa privada Angola Cables está a investir em cabos que ligam o continente às Américas e tal como o Governo espera que estes investimentos representem um corte na factura dos clientes além da melhoria dos serviços que actualmente são caros e de má qualidade. Contudo, o maior indutor de investimento no sector deverá ser a concorrência e, para tal, o Governo tem que permitir, pelo menos, um terceiro operador móvel (ou global) que faça aumentar o investimento e a concorrência no sector com efeitos previsíveis no preço e na qualidade, sem mencionar o emprego e o potencial de receitas fiscais.

4.Aprofundar a integração regional

A integração é um elemento fundamental para o crescimento económico acelerado e para o rápido desenvolvimento industrial como lembra o MGI mas em Angola continuamos a fazer um esforço para nos mantermos desintegrados da nossa região, apesar da economia mais desenvolvida do continente ser parte dela. O Governo apresenta a abertura ao comércio regional como uma ameaça para o desenvolvimento industrial e do empresariado local, o que é contrariado pela realidade. O temor da globalização e da integração económica não é exclusivo do nosso governo, alguns empresários também opõe-se porque alegadamente “vamos ser comidos pelos sul-africanos”. Esta visão desinformada do potencial da integração ignora a potencial de aumento de investimento externo e em infra-estruturas de transportes que nos ligam aos vizinhos como efeitos a nível das nossas exportações e turismo.

No que refere à integração regional estamos muito longe do que recomenda o MGI, preferimos dificultar as importações ao mesmo tempo que tentamos promover as exportações. O comércio tem dois sentidos e não podemos simplesmente escolher o que entendemos ser mais conveniente. Recentemente sentimos o sabor do nosso próprio veneno quando a República Democrática do Congo impediu a importação de cimento angolano e ficamos sem base moral para reclamar porque nós mesmos proibimos a importação de cimento no nosso país com pequenas excepções. As nossas empresas precisam dos mercados vizinhos para terem dimensão e os produtos que os nossos vizinhos produzem de forma eficiente têm que entrar nas nossas fronteiras com o  menor grau de dificuldade possível porque as relações comerciais melhoram as economias e as relações entre os povos, a integração regional pode ser inclusive um factor de estabilidade social (some Brits think differently, though).

5.Criar o talento do amanhã

Um dos principais problemas de África é a qualidade dos recursos humanos e a incapacidade de retenção de quadros talentosos no continente. A qualidade dos recursos humanos está intrinsecamente ligada aos sistemas de educação deficientes e a sobreposição do compadrio ao mérito contribui negativamente para a retenção de e atracção de talento ao continente. Para fazer crescer o negócio muitos empresários africanos vêem-se forçados a importar quadros com custos muito elevados que retiram competitividade aos seus produtos. O défice de talento local exige uma melhor aposta na educação formal e uma nova abordagem ao reconhecimento da qualidade no lugar da promoção com base em critérios subjectivos que desincentiva a aposta na formação de qualidade.

O sistema de educação em Angola é há largos anos o parente pobre do Orçamento do Estado, o modelo da monodocência é um mutilador em massa de jovens estudantes que avançam para  mercado de trabalho sem as ferramentas mínimas necessárias para serem competitivos num mercado cada vez mais global. Os professores muitas vezes carregam limitações gritantes, quase tão grandes quanto os salários em atraso que acumulam que indicam o nível de preocupação com a educação e em nada ajudam a motivar a classe de formadores. Uma população bem formada é fundamental para desenvolver uma nação e neste aspecto Angola está a falhar espectacularmente.

6.Assegurar urbanização saudável

Os centros urbanos são vistos como forças magnéticas promotoras do crescimento económico, desenvolvimento social e formação de centros de intercâmbio cultural. Contudo, os factores positivos associados ao grandes centros urbanos dependem do ambiente global dos referidos centros que rapidamente se podem transformar em celeiros de pobreza urbana, criminalidade, propagação de doenças e tensão intercultural. A evolução demográfica das principais cidades africanas é impressionante e muitas vezes não produz os efeitos desejados, como escreveram os investigadores do Banco Mundial as cidades africanas são sobrepovoadas, desconectadas e caras. O MGI defende que os governos africanos devem melhorar o planeamento das cidades, promover a construção de habitações a preços comportáveis para a maior parte das famílias, investir sistemas de mobilidade, melhorar o acesso à electricidade e melhorar as infra-estruturas de comunicação e tecnologias de informação.

O Governo angolano tem investido a nível nacional na construção de novos centros residenciais  sendo que os principais projectos estão em Luanda, a Centralidade do Kilamba e a Centralidade do Sequele. Estas centralidades representam uma evolução em meio do caos urbano que são a maior parte dos bairros da cidade. Contudo, como modelo de gestão tentativo, as centralidades continuam a padecer de problemas de recolha de lixo e cortes no abastecimento de água e electricidade. O modelo de desenvolvimento de novos centros residenciais do Governo aposta na descontinuidade geográfica, criando “ilhas” na periferia das zonas residenciais existentes sem que sejam criadas todas as condições de mobilidade como transportes públicos eficientes. Ademais, o programa público está a ser revisto no sentido de serem os privados a assumir a continuidade do projecto e, na minha modesta opinião, isto representa um avanço ainda que forçado.

Como criar um centro urbano saudável não se resume em construção de áreas novas, o Governo apresentou há alguns meses um Plano Director (PDGML)que visa disciplinar o desenvolvimento urbano futuro em Luanda e reconfigurar o que está, de resto, estão em curso projectos de requalificação de bairros que precedem a apresentação do PDGML mas a batalha pela criação de um centro urbano organizado, acolhedor, de fácil mobilidade e baixa criminalidade em Luanda está longe de ser vencida e serão necessários muitos mais investimentos em infra-estruturas básicas (distribuição de água, electricidade, saneamento) e transportes. Outro aliado na criação de metrópoles mais saudáveis será certamente o desenvolvimento mais equilibrado por todo o território nacional que certamente reduzirá o êxodo do interior e para tal serão necessárias mudanças estruturais no modelo de administração local, nomeadamente pôr termo ao actual modelo de nomeação de governadores e administradores municipais e apostar nas eleições directas dos governantes locais.

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Fonte: Flickr

Em suma, Angola está longe do caminho que o MGI defende como sendo o ideal para realização do potencial de crescimento económico e desenvolvimento social dos países africanos. Mantendo o rumo actual, sem um novo período de bonança financeira patrocinado pelo preço do barril de petróleo Angola continuará a apresentar taxas de crescimento económico anémicas e não conseguirá reduzir a pobreza.

Estará Angola “oficiosamente em recessão”?

A meio do ano o Orçamento Geral do Estado (OGE) aprovado para o corrente ano tinha sido parcamente executado, a razão principal para a baixa execução da receita (38,6%) e do investimento (6,1%) é a mesma: o preço do petróleo no período foi abaixo do que estimou o Governo e o domínio exercido pelo petróleo nas nossas contas públicas esteve bem patente. Historicamente, mesmo nos tempos das vacas gordas, a execução do OGE sempre deixou muito a desejar, a tal ponto que o dito orçamento muitas vezes parecia um guia com linhas mestras e não propriamente um plano para realização de receitas e despesas por parte dos organismos públicos.

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Contudo, o baixo nível de execução do actual OGE, que na verdade será substituído por um OGE rectificado, demonstra a fragilidade do nosso modelo económico e como a âncora das exportações do petróleo pode revelar-se uma armadilha para o crescimento económico. Sem dinheiro do petróleo o Estado ficou sem fundos para alimentar o programa de investimentos públicos que está cada vez mais dependente do financiamento externo, vale de alento o sinal positivo dos mercados internacionais onde a Eurobond angolana está a negociar a yields abaixo da taxa de emissão apesar de continuar a ser relativamente alta (9,50% vs. 9,45%). Com estes condicionalismos, o investimento público terá de ser 15 vezes superior no segundo semestre para que se alcance o valor orçamentado segundo o jornal Expansão e certamente não será o motor que a economia precisa. Ademais, como sabemos, o investimento privado não tem sido o substituto das aplicações de capital do Governo porque continuamos com sérias makas no ambiente de negócios apesar do discurso oficial em contrário.

Com os empresários a reportarem quebras significativas na produção, com as empresas a reduzirem pessoal, com o investimento público diminuto e com IDE pouco auspicioso, é mais do que certo que não existe possibilidade de evolução positiva do PIB angolano. Para 2016 é “matematicamente” impossível Angola apresentar um crescimento do PIB positivo e provavelmente esta evolução do PIB já foi negativa no primeiro semestre, mas infelizmente não temos publicação intercalar das contas nacionais em Angola assim como não são publicados por organismos oficiais tantos outros indicadores económicos e sociais como, por exemplo, a taxa de desemprego. O Instituto Nacional de Estatística (INE) publica mensalmente a taxa de inflação mas é necessário alargar o número de indicadores para termos em tempo real melhor informação sobre o estado geral da economia.

Seria óptimo termos dados sobre a evolução do PIB trimestralmente mas a falta de publicação de informação oficial não se limita ao INE (que até publica trimestralmente o Índice de Produção Industrial), a nível ministerial a pouca informação produzida é muitas vezes encarada como segredo de Estado e muito do que deveria ser publicado não é partilhado com quem é governado e na ausência de informação reina a especulação. A Nigéria está oficialmente em recessão económica mas nós, não tendo a publicação oficial de dados intercalares não podemos estar “oficialmente” em recessão apesar de ser sensível e visível. Os dados económicos intercalares são nalguns casos comunicados por representantes do Governo, mas a periodicidade e o modelo de divulgação não são convencionais nem facilmente acessíveis. Quando o INE passar a publicar as contas nacionais trimestralmente poderemos afirmar que estamos “oficialmente em recessão” mas até lá só poderemos estar “oficiosamente em recessão”.

Pão nosso.

O pão é cada vez mais caro porque a generalidade dos inputs estão cada vez mais caros. A base do pão é a farinha de trigo que importamos cada vez menos à uma taxa de câmbio cada vez mais desfavorável.

Em momentos difíceis aparecem obviamente várias teorias, que não devem ser totalmente desprezadas, mas o que explica o aumento galopante do preço do sagrado pão é a velha e fiável “teoria da oferta e da procura” que diz que o preço de um bem aumenta quando a sua oferta diminui. Os “esquemas” reportados, ao existirem de facto, são na verdade derivados da escassez que, mais uma vez, está associada à redução da oferta de divisas que nos permitem importar.

A solução apontada por alguns passa por “maior fiscalização” dos importadores mas até que ponto o problema está na falta de fiscalização não sei. Ao que parece, a situação só poderá mesmo melhorar com maior oferta e para voltarmos aos preços de antes, mesmo que seja possível aumentar a oferta, só com a taxa de câmbio antiga uma vez que a farinha de trigo é toda importada. O estado actual da nossa economia e a forma que tem sido conduzida a política cambial retira qualquer esperança de ver invertida a tendência actual do preço do pão no curto prazo.

Olhando para a cadeia de valor do pão notámos que nos últimos tempos a generalidade dos custos aumentaram, muitos cresceram de forma exponencial ao que se somou a escassez da principal matéria-prima, a farinha de trigo. Algumas versões muito presentes em situações semelhantes defendem acerrimamente a teoria do açambarcamento e da má fé dos operadores comerciais mas normalmente ignoram o que aconteceu recentemente com o preço da electricidade, com os impostos, com custo dos combustíveis, com a variação cambial desfavorável e muitos mais.

Em suma, com tudo o que se passou nos últimos meses estranho seria o preço do pão não aumentar. A evolução recente das condições do mercado ditam a trajectória do preço do pão e tentar implementar um limite para o preço do pão por parte do governo implicará sempre a introdução de um mecanismo para subsidiar os produtores/comerciantes porque vender o produto abaixo do custo ninguém o fará e a oferta (que é cada vez menor) desaparecerá, como aconteceu, por exemplo, na Venezuela quando o governo escolheu impor preços máximos abaixo do preço de custo para determinados produtos e serviços.

Exportar $20 mil milhões fora do petróleo não será fácil

A redução  expressiva das receitas com exportação do petróleo e consequente quebra acentuada nas receitas fiscais do Estado angolano e a menor disponibilidade de divisas para a economia centram as discussões sobre a nossa economia desde o final de 2014. Com a redução das receitas petrolíferas ganhou espaço o discurso sobre a necessidade urgente de diversificação da economia. O domínio do petróleo nas exportações angolanas é antigo, antecede mesmo a independência de Angola em 1975 e agudizou-se na década de 1980.

Em 2012 Angola exportou petróleo no valor de USD 69,8 mil milhões que compara com os USD 33,4 mil milhões exportados em 2015. O valor das exportações petrolíferas totais em 2015 foram inferiores à receita fiscal petrolífera de 2012 (USD 39,8 mil milhões) e 2013 (USD 34,9 mil milhões) e o esvaziar dos cofres públicos alimentaram preces a “nossa senhora da Diversificação” por parte de agentes  privados e, sobretudo, representantes do Estado que estão agora convertidos a devotos de uma economia menos dependente do petróleo.

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Fonte: MINFIN, BNA

As receitas estão a ser castigadas pela redução do preço do barril que passou de USD 107,4 em 2013 para USD 51,7 em 2015 enquanto que a quantidade exportada variou pouco. Assim, as exportações petrolíferas em 2015 são USD 36,4 mil milhões mais baixas que as exportações petrolíferas realizadas em 2012 ou seja, mantendo-se o nível de exportações petrolíferas Angola precisaria de exportar outros produtos no valor de USD 36,4 mil milhões para voltarmos ao nível de exportações de 2012 ano em que as exportações não petrolíferas foram USD 2,2 mil milhões que são mais do dobro dos cerca de mil milhões de dólares exportados fora do sector petrolífero em 2015.

Será que dentro de 4/5 anos as nossas exportações de madeira, diamantes, serviços, produtos agrícolas, bebidas e outros conseguirão crescer 16 vezes ou pelo menos 10 vezes e assim somar cerca de USD 20 mil milhões? Certamente não será possível com tantos problemas estruturais e com tão poucas divisas já que sem elas será impossível realizar os investimentos necessários para diversificar as exportações. A nossa capacidade de atrair investimento externo em quantidade e qualidade dependerá igualmente de reformas institucionais profundas que permitam criar um ambiente político e social mas estável, confiável e previsível.

Não acredito que vamos ter sucesso mantendo o actual quadro de organização social e a mesma filosofia centralizadora que ao longo dos anos produziu um almanaque de grandes projectos falhados e apostou mais na exclusão do que na inclusão e participação.

Exportar USD 20 mil milhões em produtos não petrolíferos no médio prazo não me parece ser realizável. Assim, no futuro próximo, sem que sejam promovidas reformas profundas, continuaremos a viver sob ditadura do petróleo.

Olhos postos na Nigéria

1000 naira bills, Nigerian currency.

No comunicado emitido pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) sobre a visita da equipa chefiada por Ricardo Velloso entre 1 e 14 de Junho à Luanda o FMI alertou para necessidade de maior flexibilidade da taxa de câmbio como medida para redução de constrangimentos que afectam a actividade económica.

Será necessário comunicar claramente a estratégia para reequilibrar o mercado cambial aos participantes do mercado e recorrer a uma taxa de câmbio mais flexível, apoiada em condições monetárias mais restritivas para conter a inflação. Além disso, as restrições administrativas existentes para aceder a divisas à taxa oficial, que constituem um constrangimento à actividade e diversificação económicas, precisarão de ser levantadas gradualmente.

Os mesmos apelos têm vindo a ser feitos à Nigéria, a economia africana mais parecida com a nossa. A autoridade monetária da Nigéria, Central Bank of Nigeria (CBN) respondeu e no dia 15 de Junho anunciou que a taxa de câmbio da Naira, a moeda nigeriana, deixará de ser administrada pelo banco central e passará a ser determinada pelo mercado. As novas medidas entram em vigor no próximo dia 20 de Junho e é expectável que os primeiros tempos da nova realidade sejam marcados por alguma instabilidade no valor da moeda nigeriana mas antecipa-se a estabilização depois do período de ajustamento e uma taxa de câmbio mais consentânea com a realidade económica assim como é expectável assistirmos à redução progressiva do gap entre a taxa de câmbio oficial e a taxa de câmbio do mercado paralelo.

O anúncio foi bem recebido pelo mercado de capitais que se traduziu em fortes ganhos na bolsa nigeriana. Economistas nigerianos e o próprio CBN esperam que o novo modelo torne o país mais atractivo para o investimento externo e torne a alocação de divisas mais eficiente e justa, eliminado a efectiva subsidiação da taxa de câmbio para alguns agentes. O CBN tenciona ainda estancar a quebra contínua da Reservas Internacionais Líquidas que passaram de USD 42.8 mil milhões em Janeiro de 2014 para USD 26.7 mil milhões em Junho de 2016.

Neste blogue, já falei algumas vezes sobre a actual crise cambial (aqui e aqui) focando na taxa de câmbio desajustada e na necessidade de desvalorizar ainda mais o kwanza. A prazo, o ideal é mesmo deixar o mercado determinar a taxa de câmbio para que a alocação de divisas seja mais eficiente e, sobretudo, se ponha termo ao regime de alocação sectorial de divisas à taxas de câmbio subsidiadas que constituem uma vantagem desleal para um grupo reduzido de agentes. Neste contexto seria perfeito se a mantra do novo governador do BNA – “ética e moral” – fosse levada a sério e quando ela falhasse existissem medidas punitivas ajustadas porque a manipulação dos mercados deve ser encarada como um pecado capital.

De todos os riscos que a flexibilização da taxa de câmbio do kwanza pode trazer o mais pernicioso é o da aceleração ainda mais acentuada dos preços, uma vez que o BNA tem utilizado a taxa de câmbio como  instrumento para controlar a inflação, mecanismo que tem tido sucesso limitado nos últimos tempos. Com efeito, o kwanza sobrevalorizado combinado com a oferta satisfatória de divisas significa importações mais baratas e preços baixos em kwanzas, mas uma taxa de câmbio mais ajustada à realidade e défice na oferta de divisas implicam mais inflação uma vez que não temos capacidade de substituir importações competitivamente no curto prazo.

Contudo, o BNA e outros decisores da nossa política económica devem estar com os olhos postos na evolução do mercado cambial nigeriano sob esta nova configuração e, se possível, colaborar com o CBN. A evolução da taxa de câmbio da Naira nos próximos meses e o funcionamento do novo modelo cambial nigeriano são uma boa oportunidade para aprendermos e sustentarmos uma decisão sobre o caminho a tomar para a nossa política cambial no futuro próximo.

Financiamento chinês à Angola (2000-2014)

A School of Advanced International Studies da John Hopkins University no âmbito da sua Iniciativa de pesquisa das relações entre a China e África (China-Africa Research Initiative/CARI) publicou há alguns meses os resultados de uma pesquisa sobre os financiamentos de instituições chinesas (governo, bancos e empresas) à países africanos em que se destacou Angola com quase 25% dos cerca de USD 86.9 mil milhões.

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O objectivo primordial anunciado repetidas vezes pelas autoridades chinesas na sua relação com países africanos é apoiar a causa do desenvolvimento, sobretudo por via do financiamento de infra-estruturas e em Angola não foi diferente onde os USD 21.2 mil milhões recebidos não só financiaram obras públicas como suportaram investimentos da Sonangol que segundo o estudo da SAIS-CARI beneficiou de empréstimos na ordem dos USD 7.3 mil milhões no período 2000-2014.

A grande questão é até que ponto os projectos financiados por entidades chinesas beneficiaram o desenvolvimento em África como um todo e em Angola em particular. O sector dos transportes, essencialmente vias rodoviárias, caminhos-de-ferro, portos e aeroportos, consumiu 28% do total dos financiamentos concedidos ao continente, cerca de USD 23.6 mil milhões. Em Angola vários km de estrada e de caminhos-de-ferro receberam financiamento chinês mas a qualidade do produto final ficou à porta do desejável.

Seria importante, a nível parlamentar ou de centros de estudos nacionais, produzir-se um estudo para avaliar o impacto dos empréstimos obtidos de entidades estrangeiras, separados por origem geográfica e institucional e daí retirar ilações das parcerias que funcionam e aquelas que na prática tiveram pouco impacto na melhoria da nossa estrutura económica.

Vale lembrar que estes valores representam dívida e fazer crescer as nossas responsabilidades sem obter benefícios duradouros para o país não pode ser classificado como investimento público mas sim como desperdício de recursos, com a agravante de deixarem como herança uma dívida pública mais difícil de servir.

Viajando por Angola por estrada fica claro que muitos dos milhares de milhões de dólares investidos nos últimos quinze anos foram mal empregues. Os empréstimos à Sonangol não criaram uma empresa mais eficiente e rentável como provam as recentes declarações da nova estrutura administrativa da empresa. Por outro lado, apesar da abrangência estar longe do desejado, os projectos no sector das águas estão a correr bem melhor do que a média mas constituem a excepção que deveria ser a regra.

A abordagem chinesa negligencia alguns aspectos que poderiam elevar a qualidade dos projectos e assim afectar de forma mais positiva os países receptores. A lógica de financiar infra-estruturas sem justificar a sua utilidade, a sua prioridade e ignorando a necessidade de qualidade desvaloriza o facto de que mais do que um problema técnico o desenvolvimento é um problema institucional. O problema do subdesenvolvimento não é um fogo que se apaga com rios de dinheiro sem critério, é necessário combinar os meios financeiros com responsabilidade responsabilização, utilidade e prioridade. Por esta razão, temo que o apoio chinês (e outros nos mesmos moldes) se tenha tornado, pelo menos em Angola, numa máquina de acumular dívida e produzir ricos sem que isto se traduza em desenvolvimento e criação de riqueza.

Fundo Soberano angolano vs Fundo Soberano timorense

O Fundo Soberano angolano (FSDEA) registou prejuízos de USD 15 milhões no primeiro semestre de 2015. O Fundo que o governo angolano criou para gerar riqueza que partiu de uma dotação de cerca de USD 5 mil milhões, nunca criou riqueza, pelo contrário o FSDEA tem somado sucessivos prejuízos que ascendiam à cerca de USD 216 milhões  em 2015 como noticiou o Expansão.

Pelos números, a política de investimento do FSDEA não está a funcionar. Não é expectável que o fundo registe lucros apreciáveis no curto prazo mesmo porque tem a carteira dominada por títulos mobiliários num período pouco auspicioso nos mercados financeiros mas isto não justifica o acumular de prejuízos avultados. Na verdade, as contas do FSDEA indicam que o valor do fundo está a ser comido por custos de estrutura elevados.

Olhando para os custos operacionais do fundo soberano angolano fico com a ideia que o nosso FSDEA é muito gastador e estes gastos não têm se reflectido em melhores resultados. Os custos de estrutura do FSDEA passaram de USD 24,3 milhões em 2013 para USD 165,8 milhões em 2014, um aumento de 582%. Os serviços prestados por entidades externas (FSEs) em 2014 ascenderam à USD 133,3 milhões sendo que 97,7% correspondem à serviços de consultoria dominados por entidades ligadas à empresa Quantum Global (QG) cujos accionistas já foram parceiros de negócios do presidente do FSDEA, José Filomeno dos Santos, o que levanta questões sobre a governação do fundo soberano angolano.

Uma das referências no mundo dos fundos soberanos é Norway Government Pension Fund Global da Noruega que é gerido pelo braço de investimento do banco central norueguês sob mandato do Ministério das Finanças, o mesmo modelo foi copiado por Timor Leste e a experiência timorense está claramente a correr melhor que a nossa. O fundo timorense não só é substancialmente maior do que o nosso (mais de USD 16 mil milhões) como é gerido com custos manifestamente inferiores aos nossos. Em 2014 os custos de gestão do fundo soberano de Timor foram de USD 16,5 milhões como indica o relatório anual do Fundo Petrolífero de Timor Leste (FPTL) para o exercício de 2014.

O modelo timorense difere do nosso no sentido em que todas as receitas petrolíferas são transferidas para o Fundo do Petróleo e este transfere dotações para financiar o Orçamento do Estado. Contudo, as receitas fiscais petrolíferas de Timor são muito inferiores às de Angola.

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Fonte: Ministério das Finanças Angola, Ministério das Finanças Timor Leste

O fundo timorense além de ter assinado um acordo de gestão com o Banco Central de Timor Leste em 2005, ao longo dos anos tem vindo a alargar a sua base de gestores contratando entidades de elevada reputação internacional como o Bank for International Settlements (BIS) que em Junho de 2009 tornou-se no primeiro gestor externo do FPTL.

O nosso FSDEA tem visto muitas vezes levantadas questões sobre transparência mas pouco se tem falado sobre a racionalidade dos investimentos realizados pelo FSDEA e sobre os custos operacionais da instituição como fez o jornal Expansão. Seria útil o FSDEA explicar até que ponto a estratégia assumida irá inverter a tendência de perdas líquidas do FSDEA e como se explicam os custos de estrutura que não combinam com a dimensão da instituição.

Taxas, Tarifas, Impostos & Cia., Lda.

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O governo angolano está a confundir “reforma estrutural” com a introdução de novas “Taxas, tarifas, impostos e simpatizantes”. Julgando pelas palavras e, sobretudo, medidas/acções do governo como resposta à adversidade financeira que vivemos, fico com a ideia que a solução encontrada passa essencialmente pela cobrança de mais tributos às pessoas e empresas.

No argumentário usado pelos servidores públicos aquando da abordagem desta realidade é comum ouvir os mesmos dizer “os angolanos têm o hábito de ter tudo de borla, é preciso pagar”, uma frase altamente deslocada da realidade angolana que choca violentamente com as leis que isentam o utente do pagamento de, por exemplo, serviços de saúde e educação uma vez que em Angola pagamos tudo que a lei diz ser gratuito.

Desde que o governo deu início à terapia de choque, poucas foram as medidas que tinham como alvo cortar nas gorduras do sector público, como a pomposa medida de exclusão de directores nacionais da lista de receptores de carros por inerência da função. Do lado da despesa, o governo poupa também com as desvalorizações da moeda e “aguentando” fornecedores e salários de funcionários públicos, medida que não deve ser louvada por estar coberta de ilegalidade. A redução da subvenção aos combustíveis foi seguramente a medida com mais impacto nas despesas públicas e uma das principais contribuintes para o aceleramento dos preços pela forma que foi realizada. As tarifas da água e electricidade em algumas províncias também foram alteradas de forma brusca e hoje as facturas registam aumentos superiores à 100% nalguns casos.

Contudo, chama mais atenção a aposta na cobrança que tem revelado a criatividade, o optimismo e algum autoritarismo do governo. Cada semana que passa surge um novo imposto, uma taxa ou uma tarifa.

Diferentes departamentos governamentais têm estado a apresentar as suas medidas milagrosas, supostamente disciplinadoras dos cidadãos angolanos que gostam de ter tudo de borla. A AGT atira-se cheia de fé numa campanha pela cobrança do IPU (aguardo ansiosamente pelos resultados), os governos provinciais, encabeçados pelo de Luanda, avançam com a “taxa do lixo”, o Ministério do Turismo fala em cobrar pelo acesso aos “monumentos turísticos municipais” (estou curioso para ver a lista dos monumentos e aferir a sua preservação), o Ministério da Construção prepara-se para introduzir portagens nas estradas nacionais (sim, aquela constelação de buracos que liga as províncias), o Ministério do Ambiente vai avançar com a cobrança de 5 kwanzas por cada saco plástico leve usado, o Ministério das Finanças introduziu a Contribuição Especial sobre Operações Bancárias (CEOB) que onera quase todas as operações bancárias em 0,1% do valor transaccionado.

A CEOB é fácil de cobrar porque tecnologicamente parametrizar taxas não é novidade para os bancos e o sector opera dentro da formalidade. Contudo, a informalidade que caracteriza a nossa economia limita o sucesso de grande parte das medidas anunciadas. A desorganização urbana, a complexidade da lei e insuficiências no registo de propriedades tornam a cobrança eficiente do IPU num desafio gigante, o mesmo pode dizer-se sobre a “taxa do lixo” que foi desenhada para acompanhar a tarifa da electricidade quando o INE diz que apenas 32% das residências têm contrato de electricidade no país. Sobre os sacos gostaria de saber como será feita a reconciliação entre as contas das lojas com as do estado e como é que vai funcionar no sector informal, será que o pagamento é feito na altura que o distribuidor compra os sacos ao seu fornecedor? Sobre as portagens escrevi há pouco tempo e a minha maior questão é se serão introduzidas agora com as estradas esburacadas ou se serão introduzidas apenas depois das estradas serem reconstruídas.

O governo tem que empregar mais esforço no corte das despesas e apostar na realização de receitas extraordinárias por via da venda de activos que não tem necessidade de os ter (boa parte deles) in lieu de apostar todas as fichas na tributação predatória que tem caracterizado as medidas anti-crise do governo que revelam uma inclinação para realização de receitas que permitam sustentar o estado gordo e não o desejado corte na má despesa em favor da boa despesa.

O movimento de aumento agressivo da tributação começou com as alterações draconianas no Imposto de Consumo no Segundo semestre de 2015 e o pé continua no acelerador. No entanto, acho que já atingimos o pico da curva de Laffer e está na hora de implementar mais medidas de restrição da ração do gato gordo que é o estado e deixar de obrigar o cidadão faminto a pagar pela alimentação do gato.

Portagens nas estradas nacionais

O ministro da construção Waldemar Pires Alexandre confirmou após a reunião conjunta das comissões Económica e da Economia Real do Conselho de Ministros que os utentes das estradas nacionais vão passar a pagar portagem para ajudar a manter as estradas.

Segundo uma notícia do jornal O País o governo investiu desde 2005 cerca de 25 mil milhões de dólares na reabilitação de cerca de 12,4 mil km de estrada. Parte importante destes km encontram-se hoje em muito mau estado o que nos faz questionar a qualidade da construção e, sobretudo, o mérito do “investimento” em causa como fez a UNITA, que nas suas contas diz que foram gastos entre 2004 e 2015 cerca de 19 mil milhões de dólares na construção e reparação de infra-estruturas rodoviárias.

A nova linha do discurso do governo culpa parcialmente o actual estado das estradas nacionais à falta de fundos para a sua reabilitação e daí o surgimento das portagens para fundear o programa de recuperação e manutenção das estradas nos próximos anos.

Não sendo orçamentista, parece-me que 25 ou 19 mil milhões de dólares para construir estradas que desaparecem numa década é um desperdício de fundos e a aplicação de fundos em equipamentos que normalmente têm vida útil longa que se revelam descartáveis não pode ser classificada como investimento.

O governo angolano foi surdo e irresponsável durante a época da bonança e vê agora nas portagens a salvação para um problema que não existe porque faltavam fundos mas essencialmente porque faltava uma política de investimento público responsável e um programa de manutenção à altura dos fundos aplicados.

No último Concelho Consultivo do Ministério da Construção o ministério apontou algumas causas para o estado de degradação das estradas nomeadamente a qualidade dos projectos e dos materiais utilizados. Segundo o ministério a falta de informação sobre tráfego afecta negativamente a qualidade dos projectos e a resposta de curto prazo passa pela instalação de centros de pesagem. Na visão do ministério a culpa é mais dos camionistas que sobrecarregam os seus camiões do que dos constructores pagos a preço de ouro  para fazer estradas de papel.

Agora são convocados os utentes para pagar a conta da renovação, ou reconstrução, das estradas. Os mesmos utentes que pagam uma taxa de circulação cuja contrapartida – manutenção das estradas – não tem sido cumprida pelo mesmo governo que agora promete reabilitar as estradas a troco de uma portagem cujo valor não foi ainda avançado.

Dívida pública e os 60% do PIB

Segundo o FMI, reportado pelo jornal Expansão, o rácio Dívida Pública/Produto Interno Bruto rompeu em 2015 a barreira dos 60% que é o limite estabelecido pela lei.

Pelas contas do FMI, Angola terminou o ano passado com uma dívida pública bruta de 7,7 biliões Kz, equivalente a 62,3% do PIB de 12,3 biliões Kz. Em dólares,o endividamento angolano ascendia a 64,2 mil milhões USD para um PIB de 103 mil milhões USD, que vai dar os mesmos 62,3% do produto.

in Expansão

Os 60% do PIB como dívida excessiva se tornaram num lugar comum sobretudo por estarem plasmados no Tratado da União Europeia que estabelece que qualquer valor deste rácio que seja superior a 60% deve ser considerado excessivo.

Ao abrigo do Tratado da UE, um défice orçamental de mais de 3% do PIB é um défice excessivo. Ainda ao abrigo do Tratado, a dívida pública é considerada excessiva se exceder 60 % do PIB e não registar uma diminuição a um ritmo adequado (definido como uma diminuição do excesso de dívida em 5 % por ano, em média, ao longo de três anos).

Comissão Europeia (ec.europa.eu)

A sustentabilidade fiscal segundo o Tratado da UE pode ser resumida no cumprimento de dois critérios: (i) défice fiscal não superior à 3% do PIB e  (ii) dívida pública não superior à 60% do PIB. Mas estas regras estabelecidas sob o pensamento one fits all  não podem ser encaradas como uma luva para todas as mãos, inclusive dentro das fronteiras da UE a sua globalidade é muitas vezes questionada.

A realidade demonstra que existem estados que conseguem suportar níveis de dívida pública superiores à 60% do PIB e outros nem tanto. Contudo, a nível internacional o número 60% continua a indicar sustentabilidade fiscal mas eu começo a ter dúvidas sobre a nossa capacidade de sustentar tais níveis de endividamento. No caso angolano, na estratégia para saída da crise do governo de Angola é avançado um indicador para a capacidade do estado pagar as suas dívidas: 38 dólares com preço mínimo para o barril de petróleo, ou seja, considerando os preços médios a que vendemos o nosso petróleo entre Janeiro e Março, o estado não consegue servir a dívida pública nos termos acordados com os seus credores.

OilBreakEven
Fonte: Ministério das Finanças

O estado angolano tem vindo a acumular dívida – angariada dentro e fora do país – à um ritmo impressionante que demonstra, sobretudo para dívida angariada junto de instituições estrangeiras, que existe confiança na capacidade do estado angolano pagar a dívida apesar do preço de exportação do barril de petróleo nos últimos três meses colocar Angola numa posição complicada segundo os cálculos do governo.

Quanto ao limite legal de 60% do PIB para a dívida pública e em face do passo acelerado em que o governo está a fazer crescer a dívida pública, parece que o executivo está confortável com níveis de endividamento superiores e a maioria parlamentar confortável permite o aumento da dívida sem uma acirrada negociação parlamentar. Tudo indica que nos próximos tempos a barreira dos 60% será largamente ultrapassada não só porque o numerador está a aumentar (a dívida) mas também porque o denominador (o PIB) está deprimido e a moeda de denominação base está a desvalorizar-se sendo que o mix da dívida pública inclui valores em dólares e euros. Assim, com menos entrada de fundos, servir a dívida tornar-se-á cada vez mais difícil.

O indicador dos 60% não conta a história toda da sustentabilidade da dívida, o que importa é perceber se o estado tem capacidade para gerar receita pública suficiente para pagar o que deve e em que sentido se move a economia. Com menos crescimento do sector privado, com mais desemprego, menos exportações e menos importações fazer crescer a receita fiscal vai ser complicado e a via dos impostos indirectos está provavelmente esgotada sobrando a revisão dos impostos sobre rendimento de sectores económicos muito rentáveis mas com tributação relativamente baixa como os sectores financeiro e de telecomunicações.

O governo deverá angariar dívida para melhorar a capacidade produtiva da economia e não necessariamente para pagar contas correntes e assim criar uma bolha que poderá, no futuro próximo, empurrar o país para o incumprimento e aí a palavra se evita como o diabo evita a cruz poderá fazer-se presente: resgate.