Ao longo das história da humanidade, ao contrário do amplamente difundido por alguns políticos, nenhum modelo de organização social e económica retirou mais gente da pobreza do que o capitalismo ou, como defendia Milton Friedman, “mercados livres”.
Angola começou a sua história pós colonial como um país de orientação comunista com uma economia centralizada. Como se não bastasse o modelo historicamente empobrecedor, os nossos problemas foram agudizados pela guerra civil que atravessou três décadas com diferentes graus de intensidade mas sempre pondo em questão a necessária estabilidade para criação de um ambiente social e económico ideal para o investimento. Ao fim da década de 1980 ficou evidente que o modelo centralizador estava falido e iniciaram-se reformas que ainda assim não conseguiram livrar o país de todos os vícios herdados de um modelo que limitava ao extremo a liberdade económica e, por conseguinte, a liberdade individual dos angolanos.
Por incrível que pareça, mesmo na presença de uma colecção de resultados desastrosos interna e externamente a ideia de um Estado muito presente na economia e o desprezo pela liberdade individual continuam muito presentes em Angola e, como tal, pagam a nossa economia e os habitantes desta terra que persistentemente vêem os seus sonhos esbarrar nos limites impostos pela cúpula que decide o caminho a seguir pela nação.
Sendo certo que no fim deste ano Angola vai trocar de Presidente da República, apenas a segunda vez na sua história, convém ter presente que a nossa sorte não mudará se não nos livrarmos de alguns traços deixados pelo comunismo que casam perfeitamente com o modelo oligárquico que fomos construindo na últimas duas décadas que põe em risco a estabilidade social e o crescimento económico no médio prazo. Um dos problemas relacionados com o nosso “capitalismo” é a relação estranha que o Estado tem com os mercados, muitas vezes sobrevalorizando a parte da oferta e esquecendo dos direitos e necessidades dos consumidores que vezes sem conta são forçados a comprar produtos de menor qualidade e a preços elevados porque persiste a ideia de protecção cega da “produção nacional”.
A postura proteccionista protege sobretudo pequenos grupos da eficiência da concorrência externa, perpetuando a falta de qualidade, de capacidade de gestão e, em certos casos, escondendo debaixo do tapete as ineficiências da governação que tarda em garantir infra-estruturas diferenciadoras a nível dos custos operacionais das empresas como distribuição de electricidade, vias de comunicação e acesso à água de qualidade.
Quando Angola decide criar uma lei que proíbe a importação de um determinado produto cuja associação sectorial passa a ter voz sobre o levantamento das restrições à importação, como acontece com o cimento, o mínimo que o Estado deve exigir destes operadores beneficiados é a disponibilização pública dos números da operação (indicadores financeiros e económicos). Nas aulas de introdução à economia aprende-se que estruturas de mercado que concentram demasiado poder no lado da oferta e permitem o conluio invariavelmente resultam em preços altos e ineficiência operacional.
Recentemente num evento organizado pelo jornal Expansão um administrador da Unitel sugeriu que o mercado angolano é melhor servido por duas operadoras móveis do que por mais operadores. Obviamente que a defesa do administrador é perfeitamente compreensível porque menos concorrência beneficia a Unitel mas prejudica os consumidores que têm menos escolhas e são forçados a pagar mais por serviços que potencialmente seriam melhores e mais baratos se existisse mais concorrência, mas deve ser o Estado a defender esta posição e não, como parece, estar do lado do oligopólio cujos serviços que oferece são transversais e com grande impacto económico.
O aumento da oferta poderá conduzir à uma guerra de preços que em última análise derruba alguns operadores mas é a melhor forma para elevar a qualidade dos serviços e produtos que devem ser julgados de forma livre pelos consumidores. Quando aumentam os voos de ligação entre e o número de operadores entre Luanda e Lisboa os operadores buscam ser cada vez mais eficientes para assim poderem vender as passagens ao preço mais acessível e com isso ganham os clientes. Por outro lado, quando o governo alinha com operadores específicos para limitar a concorrência, externa ou interna, não está a proteger empregos ou empresas angolanas, está na verdade a limitar a oferta de empregos, a oferta de bens e serviços e a contribuir para preços elevados e lucros astronómicos de operadores específicos, sem que para tal tenham feito por merecer.
Por exemplo, no sector da distribuição alimentar, onde o governo tem tido uma intervenção directa limitada e cada vez mais surgem operadores – como Kero e Candando que hoje lutam com Shoprite e Maxi – o principal driver do aumento dos preços tem sido o mercado cambial que não controlam mas os serviços têm estado a melhorar e os preços registaram descidas consistentes antes da alteração da política cambial. Ainda assim, a oferta melhorou muito em qualidade e os principais beneficiários foram os consumidores e os milhares que foram empregados por estas empresas.
No modelo capitalista que acompanha as democracias liberais que, no discurso, é um caminho que queremos seguir, a intervenção pública nos mercados é essencialmente na busca de equilíbrios e na protecção dos interesses de todas partes envolvidas – tanto do lado da oferta como do lado da procura – procurando afastar do mercado o abuso de poder que normalmente se manifesta com a concentração de poder nas mãos de um pequeno grupo de pessoas. Contudo, em Angola, vemos muitas vezes o Governo a produzir leis (sim, quase todas têm a forma de Decreto Presidencial) desenhadas à medida dos interesses de empresas específicas ou grupos de empresas ao arrepio do que se recomenda para construção de um ambiente concorrencial que obrigue as empresas a operar com maior eficiência e disputarem o mercado num contexto de equilíbrio.
É um facto que muita da ineficiência nas operações empresariais em Angola está directamente ligada aos problemas de estrutura cuja resolução depende da acção governativa, nomeadamente o modelo de investimento em infra-estruturas que visam tornar a economia mais eficiente e competitiva como energia, transportes, educação e sistema judicial mas tentar contornar estas falhas com benesses não resolve o problema porque adia a resolução das insuficiências por parte do governo e cria uma classe empresarial dependente da sombrinha protectora do governo e não um grupo de empresários que encaram o mercado como um corrida em que vencem os que constroem o melhor carro, fruto do investimento, criatividade e engenho.