João Lourenço tomou ontem, 26 de Setembro de 2017, posse como Presidente da República de Angola, apenas o terceiro presidente angolano desde 1975. O longo mandato de José Eduardo dos Santos, 38 anos, teve altos e baixos mas apesar das melhorias registadas na última década e meia é evidente que o país poderia e deveria estar muito melhor em termos de desenvolvimento.
Todos os candidatos às eleições que culminaram com a vitória do MPLA e consequente eleição de João Lourenço como presidente assumiram implicitamente que a governação de Angola precisa de mudar para que sejam produzidos os ganhos que os angolanos anseiam há décadas como cuidados de saúde de qualidade, sistema de justiça equilibrado, electricidade estável, água corrente para todos e um país sem os níveis insuportáveis de corrupção. Este diagnóstico não pode deixar de ser um cartão amarelo para a governação de José Eduardo dos Santos.
Olhando para uma série de rankings que atestam o estado de um país em diferentes categorias conseguimos ter uma ideia do país que João Lourenço recebe para “corrigir o que está mal e melhorar o que está bem” e de facto, há muito para corrigir.
Democracia – Democracy Index (Economist Intelligence Unit)
Nas últimas semanas tem sido comum ouvirmos declarações elogiosas do estado da democracia angolana sobretudo porque as eleições decorreram num ambiente pacífico e foram superiormente organizadas pela Comissão Nacional Eleitoral (CNE). Estas declarações não estão alinhadas com a posição da maior parte dos partidos concorrentes e nem mesmo as opiniões de alguns comissários da CNE.
O Democracy Index 2016 não inclui os alegados progressos registados em 2017 mas é pouco provável que tenham sido significativos o suficiente para retirar Angola da categoria Authoritarian reservada aos regimes autoritários. Para termos uma referência, neste ranking que considera 167 nações, Cabo Verde é número 23, dois lugares abaixo dos Estados Unidos (21) e um acima de França (24).
Corrupção – Corruption Perceptions Index (Transparency International)
A nossa maka com a corrupção é conhecida, dediquei ao tema um artigo há algum tempo e desde lá pouco mudou. Uma das promessas de João Lourenço foi “combater a corrupção” e já manifestei as minhas reservas quanto a tal posicionamento porque não acredito que combate a corrupção deva ser liderado pelo poder executivo cujo papel, neste campo, deve restringir-se em dar poder ao poder judicial para que este ponha fim a impunidade e assim combata a corrupção. Por esta razão fiquei negativamente surpreendido por ouvir o presidente do Tribunal Constitucional a pedir ao presidente João Lourenço que combata a corrupção.
No Corruption Perceptions Index 2017 Angola aparece na posição 164 num universo de 176 e grande parte dos países pior classificados que Angola vivem situações de guerra ou forte instabilidade social como a Venezuela (166),Yemen (170), Síria (173), Sudão do Sul (175) e Somália (176).
Liberdade económica – Economic Freedom Index (The Heritage Foundation)
A liberdade económica é um dos principais factores para o crescimento económico e desenvolvimento de uma nação. A capacidade de proteger a propriedade, fazer cumprir as leis e garantir espaço para o empreendedorismo com reduzida intervenção política é um dos diferenciadores entre as nações ricas e as pobres como demonstra o Economic Freedom Index 2017 liderado por Hong Kong (pontuação 88.9) em que Angola com a pontuação 48.5 ocupa a posição 165 de 180 territórios. Melhorar a pontuação no índice de liberdade económica vai exigir reformas sérias mas os benefícios são previsíveis e justificam reformar o sistema de educação, sistema de justiça e alterar a filosofia dirigista que ainda rege a actuação governamental em Angola.
Liberdade no mundo – Freedom In The World 2017 (Freedom House)
A Economist Intelligence Unit classifica Angola como um país autoritário e a Freedom House diz que Angola é “Not Free” (não livre) o que quer basicamente dizer a mesma coisa e a opinião partilhada por estas duas instituições que compilam informações para classificar o nível de liberdade e/ou qualidade democrática dos países contrasta com o entusiasmo demonstrado por muita gente sobre a saúde da nossa democracia nos últimos dias.
No Freedom In The World 2017 que atribui pontuações aos países consoante o grau de liberdades civis e direitos políticos em que 100 é a pontuação máxima, Angola obteve apenas 24 pontos, melhor que os 15 de Cuba mas muito longe dos 79 do Brasil e sem comparação com os 99 do Canada. O caminho é longo e não chegaremos ao ideal com gradualismo (ou será calculismo?) mas sim com reformas que ofereçam aos angolanos mais direitos políticos (como eleições autárquicas) e maior protecção das liberdades civis garantidas nas leis em vigor.

Liberdade de Imprensa – 2017 World Press Freedom Index (Reporter Sans Frontières)
Os Repórteres Sem Fronteiras numa lista de 180 territórios colocaram Angola na posição 125. João Lourenço reconheceu no seu primeiro discurso como presidente que Angola progrediu na liberdade de imprensa mas que continua a ter muitos quilómetros por fazer, o presidente aludiu a mais investimento público no sector e sinceramente não sei se esta é a estratégia certa. Na minha modesta opinião a comunicação social pública seria um sector que o Governo deveria marcar como prioritário para privatizar e o que sobrasse como propriedade pública deveria ser despolitizado e poderemos ver no futuro progresso no sentido de maior liberdade de imprensa.
Infra-estruturas logísticas – Logistics Performance Index 2016 (Banco Mundial)
No que concerne à eficiência logística Angola vai muito mal o que se traduz em custos com transporte elevados e pela transversalidade da logística numa economia, a ineficiência das nossas estruturas significam ineficiência económica. O discurso oficial do Governo faz com frequência referência aos investimentos realizados nos últimos 15 anos mas pouco se fala do impacto real que estes investimentos tiveram na estrutura económica do país e este deve ser o objectivo do investimento público: melhorar a estrutura económica e social e contribuir assim para a melhoria do nível de vida das pessoas.
Infelizmente, parte considerável dos investimentos realizados em infra-estrutura logística nos últimos 15 anos não teve o impacto desejável na economia por diferentes razões como falta de qualidade e falta de critério no processo de decisão. O Logistics Performance Index (LPI) que tem uma pontuação máxima de 5 pontos tem a cabeça na mais recente publicação (2016) a Alemanha com 4.23 pontos e Angola aparece na posição 139 com 2.24 pontos num universo de 160 países, menos que a RDC na posição 127 (2.38) e muito menos que a África do Sul na posição 20 (3.78). Temos que realçar o LPI não considera apenas o betão mas também questões institucionais que afectam o desempenho da logística de uma nação e Angola teve pontuações baixas em todas as categorias sendo que a eficiência das alfândegas teve a pior nota (1.80) o que é surpreendente porque, segundo consta, os funcionários das Alfândegas destacam-se na função pública como os que auferem os melhores salários.
Facilidade de realizar negócios – Doing Business (Banco Mundial)
A persistência de Angola nos lugares mais baixos do Doing Business (DB) demonstra que a nossa evolução tem sido lenta. Os dados compilados pelo Banco Mundial procuram relacionar a qualidade institucional de um determinado território com a facilidade de iniciar actividade económica nos mesmos e Angola não se consegue livrar da cauda do mundo há muitos anos apesar das frequentes alusões feitas aos avanços no discurso oficial. No DB 2017 Angola ocupa a posição 182 de 190 e isto representa mais um desafio para o novo presidente, abaixo de Angola aparecem apenas Afeganistão, República Democrática do Congo, República Centro Africana, Sudão do Sul, Venezuela, Líbia, Eritreia e Somália.
Governação em África – Ibrahim Index of African Governance
A qualidade da governação é determinante para a prosperidade de uma nação, sobretudo num país em que a presença do Estado é tão visível nas mais diferentes áreas da vida social. O raking da Mo Ibrahim Foundation procura classificar a qualidade da governação nos países africanos e no Ibrahim Index of African Governance (IIAG) mais recente Angola obteve 39.2 pontos (pontuação máxima 100) o que nos colocou na posição 45 entre 54 países, ficando um lugar acima da RDC (35.8) e muito abaixo da Namíbia que obteve 69.8 pontos para ficar na 5.ª posição.
O atestado do IIAG demonstra que a nossa posição não é apenas inquietante quando comparada com o mundo inteiro porque mesmo a nível do continente africano a nossa governação está entre as piores e sem termos consciência disto e investirmos na narrativa que somos uma potência continental em ascensão e a caminhar na direcção certa não vamos conseguir mudar o país e vamos apenas continuar a alimentar uma fantasia que se poderá transformar numa bomba de instabilidade social em face do crescimento económico anémico e flagrantes insuficiências institucionais.
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