As contas da Sonangol e o país real

A Sonangol, a maior empresa nacional, considerando a sua abrangência e dimensão dos activos, publicou recentemente o Relatório & Contas referente ao exercício de 2020 (R&C 2020). O primeiro ano da pandemia de COVID-19 foi marcado pela quebra de expectativas e redução do consumo global que arrastaram para baixo os preços do petróleo e, consequentemente, para os resultados historicamente negativos da Sonangol. O resultado líquido negativo de Kz 2.384 mil milhões (c. USD 4,1 mil milhões) representa cerca de 6,6% (!) do PIB angolano de 2020 de acordo com estimativa apresentada pelo FMI.

Contudo, folheando o relatório, dei por mim fascinado pelo mapa que indica o número de postos de abastecimento da Sonangol Distribuidora espalhados pelo país e fui transportado para um artigo que escrevi em Fevereiro de 2015 titulado “A geografia do comércio externo angolano e a ‘luandização’ do consumo” em que procurei expor o peso desproporcional de Luanda no consumo da economia angolana.

Considerando as exportações por casas fiscais, sobressai a delegação do Soyo com exportações de $50,7 mil milhões em 2012 e $49,7 mil milhões em 2013, as exportações processadas no Soyo, no total do país, em 2012 e 2013 representaram 71,9% e 73,5% respectivamente. Cabinda ocupa o segundo lugar com 25,3% (2012) e 23,2% (2013) enquanto que Luanda aparece em terceiro lugar entre os principais portos de exportação com 2,8% (2012) e 3,3% (2013).

O contraste aparece com os números sobre as importações. Luanda aparece a cabeça com $23,1 mil milhões em 2012 e $21,4 mil milhões em 2013 (80,2% e 77,4% do total), segue-se o Lobito com 8,2% (2012) e 11,3% (2013) e depois aparece Cabinda com 5,7% (2012) e 7,4% (2013).

Na página 54 do R&C 2020 é apresentado um mapa com a dimensão da rede de postos de abastecimento (PA) e quotas de consumo que é demonstrativo do nível de desequilíbrio do consumo na nossa economia com Luanda a chamar a si 57,3% do consumo da rede da Sonangol apesar de ser a casa de 27,4% da população nacional segundo estimativa do INE (8,8 milhões de 32,1 milões de habitantes em 2021). Curiosamente as províncias integrantes da proposta de nova divisão político-administrativa estão na parte de baixo do ranking do consumo de combustíveis, o que indica a dimensão das suas economias e níveis de consumo em particular. As 5 províncias em causa respondem em conjunto por 8,1% do consumo de derivados de petróleo na rede da Sonangol que pode ser usada como proxy para o consumo nacional, uma vez que em 2020 a rede contava com 959 postos de abastecimento (Luanda com 345) e a segunda maior rede (Pumangol) tem apenas 79 postos de abastecimento.

Este mapa é mais uma ilustração de como a centralização do poder e da economia em Luanda tem criado uma país desequilibrado em que Luanda se constitui como um íman para grande parte das outras províncias que assistem a um êxodo contínuo que agrava a situação económica e afasta as perspectivas de desenvolvimento local num contexto de défice crónico de infra-estruturas e incapacidade institucional para alteração do quadro.

Na visão do governo uma reorganização das fronteiras sem alteração do modelo de governação é a solução para inverter a situação mas é pouco provável que a manutenção do modelo centralizado e centralizador que vigora com ligeiras alterações desde 1975 colocará a maior parte das províncias no caminho do desenvolvimento. Na verdade, Luanda é igualmente prejudicada pela falta de equilíbrio na distribuição da riqueza em termos geográficos porque passa a viver sob constante pressão demográfica que debilita a qualidade de vida na província.

Luanda é territorialmente uma das menores províncias do país e a sua população é 1/3 do total dos habitantes de Angola e consome, no mínimo, entre 55-70% do total consumido em Angola e estes números deveriam alimentar um debate sério sobre a forma que se está a construir Angola e como pode ser melhor aproveitado o potencial de todo o território nacional.

No R&C em que a Sonangol apresenta os seus piores resultados de sempre, foi o desequilíbrio na distribuição da riqueza em termos geográficos apresentado no mapa acima que deixou-me mais preocupado e acredito que este tema tem de passar a ser central nas discussões sobre o futuro de Angola, só espero que a sua solução não se resuma à discussão de uma nova divisão político-administrativa de mérito duvidoso como já discuti aqui.

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COVID em Angola. Regras rígidas não evitam pior letalidade da região

A pandemia de COVID continua entre nós, a nível global e local o número de infectados cresce e crescem também as preocupações com a possibilidade da deterioração total da saúde pública em Angola se o número de casos positivos graves crescer exponencialmente. Olhando para a nossa região, apesar do número de infecções confirmadas ser relativamente baixo (eventualmente com significativa subnotificação por incapacidade de testagem) a taxa de letalidade em Angola é relativamente elevada, por exemplo, a 21 de Agosto a Zâmbia tinha 10.372 casos confirmados e 274 óbitos que resulta numa taxa de letalidade de 2,64%, a África do Sul tinha 599.940 infecções confirmadas e 12.618 mortes, taxa de letalidade de 2,10%, Moçambique com 3.115 infecções e 20 óbitos tem  uma taxa de letalidade de 0,64%, a Namíbia com 4.912 infecções confirmadas e 42 óbitos tem uma taxa de letalidade de 0,86%, a mesma data, segundo dados da OMS, Angola tinha 2.044 infecções confirmadas e 93 óbitos, uma taxa de letalidade de 4,55%.

Fonte: OMS

Estes números não favorecem a nossa causa, pelo contrário, transparecem algum fracasso do nosso combate à COVID, não tanto no número de infecções – que mais uma vez não pode ser devidamente julgado com baixa capacidade de testagem – mas sobretudo a nível da letalidade porque estamos claramente desviados do “grupo”. Por outro lado, parece que a resposta tem adoptado uma postura preguiçosa e pouco ou nada se tem feito para gerir melhor o risco da pandemia sem castigar tanto o impacto económico e, sobretudo, social.

Com efeito, a comissão interministerial a esta altura, na minha modesta opinião, já deveria ter criado condições para a flexibilização das medidas restritivas a nível da mobilidade. Não se pode explicar porquê que até hoje a província de Luanda continua praticamente inacessível para cidadãos que estejam noutras províncias que não se façam acompanhar de uma justificação laboral. O corte total das ligações aéreas, reservadas a voos irregulares para o transporte de carga e voos baptizados de “humanitários” parece desproporcional pelos constrangimentos que causam e pelas possibilidades existentes para mitigação dos riscos inerentes. A imposição de regras pesadas que bloqueiam o acesso ao país de cidadãos nacionais parece igualmente excessiva, sobretudo porque a esta altura já deveríamos ter criado condições para suportar um maior fluxo de entradas do exterior.

A comissão interministerial parece estar paralisada pelo medo e não se vê obrigada a encontrar soluções para que as medidas que adopta não agudizem os problemas económicos que potencialmente produzirão igualmente um número de vítimas de todo tipo.

Infelizmente a nossa estrutura económica e social é caracterizada por uma maioria a viver em condições de pobreza e um Estado sem mecanismos de suporte social suficientemente fortes para alívio das famílias mais afectadas pelo agravamento da situação económica e o impacto do isolamento contínuo de Luanda que precisa de uma abordagem mais consentânea com os custos astronómicos que está a criar para as economias de certas localidades.

A falta de pressão social efectiva, porque infelizmente a nossa jovem democracia precisa de melhorar, não pode ser explorada pelos decisores políticos para pautaram a sua acção pela regulação dos transportes públicos em Luanda e por refinamentos de medidas sobre o uso de máscaras faciais, é preciso a esta altura começar a implementar um plano de abertura do país para dentro e para fora, com medidas de segurança plausíveis e exequíveis.

A destruição de emprego em alguns sectores e o impacto da pandemia no mercado de petróleo vão adiar ainda mais uma possível mudança de trajectória da economia nacional que vinha em sentido decrescente há pelo menos 5 anos. Nesta altura começa a ser imperioso encontrar soluções de alívio de pobreza para a maior parte da população angolana, o governo angolano tem demonstrado nas suas acções que não tem capacidade financeira para tal, pelo contrário, no lugar de medidas contra cíclicas o governo tem estado a anunciar algumas medidas de agravamento fiscal para trabalhadores formais (IRT) e para as famílias e empresas no geral (IVA).

Não sendo expectável que o governo crie mais mecanismo de suporte directo às famílias, o mais indicado para aliviar os impactos da pandemia é dar mais espaço à actividade económica privada para permitir que esta consiga preservar algum grau de funcionalidade e capacidade de geração de riqueza.

Contudo, em termos gerais, as acções da comissão interministerial são confusas, guiadas mais por ímpeto securitarista e medo do que por ciência e bom senso económico. Angola parece estar ruas atrás de onde deveria estar nesta altura, o país continua fechado, as escolas estão fechadas e só recentemente se deu início à um diálogo sectorial para avaliação de uma possibilidade de regresso das actividades lectivas e os milhares de colaboradores do ensino privado continuam sem apoios oficiais e a viver num inferno de incertezas.

Tomei conhecimento hoje, 21 de Agosto, que por via GAVI (aliança global para vacinação) liderada pela UNICEF e Bill & Melinda Gates Foundation, Angola tem garantida a recepção de 12 milhões de doses de vacina que deverão servir para vacinação dos grupos de risco, uma vez que este número não cobre a população de 30 milhões, que no caso de não serem abrangidos pela primeira leva de imunização deverão aguardar pelas doses a adquirir com fundos próprios do Estado em termos que ainda desconheço. Espero que a priorização tenha como critérios principais a situação de saúde (idade e existência de comorbilidades) e risco de exposição (profissionais de saúde e outras pessoas nas linhas da frente) e não a posição social ou política que, por exemplo, já nos trouxe a situação de vermos deputados serem testados antes que médicos.

Espero que para breve seja tornado público um esboço de modelo de aquisição e acesso às vacinas e quais vacinas estariam em consideração por parte das autoridades angolanas, mas para já, andamos ainda a ajustar medidas destoadas como o internamento de todos os casos positivos e se o condutor solitário deve ou não conduzir de máscara.

  • este artigo foi editado no dia 21.08.2020 às 13H38: foi acrescentada informação sobre o acordo entre o Estado angolano e a GAVI para a disponibilização de doses de vacinas, tão logo estejam disponíves.

Primeiro a saúde, depois a economia. SQN

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Luanda, 21 de Março de 2020

O mundo atravessa um período complicado, a pandemia que alguns epidemiologistas e estudiosos como Bill Gates previram está entre nós. Angola começou a sentir os efeitos primeiro na economia com a queda abrupta dos preços do petróleo que fez soar todos os alarmes uma vez que o preço actual inviabiliza o OGE e periga ainda mais a já débil saúde da economia angolana.

Para piorar a ministra da saúde Sílvia Lutucuta anunciou na manhã de ontem, 21 de Março, que Angola tem dois casos de infecção por coronavirus confirmados. Como se previa, era uma questão de tempo e mais casos virão, o desafio é conter as infecções para que os nossos hospitais não entrem em colapso, que é uma fronteira não muito afastada da situação diária no país. Obviamente a prioridade é garantir que as pessoas estejam saudáveis quer por via de medidas de contenção quer garantindo a capacidade de resposta dos serviços de saúde. Infelizmente não podemos isolar estes desafios da economia.

Angola pode procurar replicar práticas que estão a dar certo noutras geografias mas as características específicas do nosso país tornam esta hipótese quase impossível porque os casos de sucesso foram quase todos em territórios com nível de desenvolvimento incomparável ao nosso como a China continental, Taiwan, Hong Kong, Singapura, Coreia do Sul e Japão. Aqui a nossa falta de investimentos em infra-estruturas básicas ficará exposta e poderá mais uma vez nos assombrar, é o preço a pagar por escolhas governativas persistentemente negligentes.

Uma das medidas tomada por muitos países foi o distanciamento social com diferentes níveis de coerção, mas a medida de confinamento para ser eficiente precisa de ser combinada com a capacidade de detectar casos suspeitos, testar e rastrear os cidadãos e os seus pontos de contacto para possíveis contágios associados. Ademais, em caso de infecções significativas, após esvaziar as ruas estas terão de ser limpas e desinfectadas periodicamente por equipas especializadas que provavelmente não temos e tendo, teriam muita dificuldade em ser eficientes na confusão urbana que são as nossas cidades.

Ainda assim, o desafio maior será manter o vasto exército de angolanos que dependem de rendas diárias obtidas em actividades precárias como venda ambulante longe das ruas. O prolongar de um confinamento poderá ser fatal para estas pessoas e mesmo que voltem às ruas em desespero é pouco provável que tenham sucesso comercial se os melhores clientes se mantiverem confinados, aí restará a intervenção do Estado por via de estímulos à economia que estão a ser desenhados lá fora para garantir a sobrevivência de empresas e rendimentos das famílias durante a crise e que a economia arranque o mais rápido possível após o fim deste pesadelo.

Infelizmente o Estado angolano não tem disponibilidade financeira para injectar dinheiro nas empresas e fazer transferências directas para as famílias, sobretudo as mais vulneráveis que não só enfrentarão o virus como também serão fustigados pela pobreza. O Governo deverá certamente pedir apoio internacional para que os hospitais tenham mais equipamentos básicos (a China tem estado a doar milhões de meios para todo mundo nos últimos dias) mas não bastará. Se tivermos contágio epidémico localmente mais do que arranjar fundos para reanimar a economia será necessário garantir que as pessoas têm como se suster durante o tsunami por intermédio de transferências directas e dada a nossa maka de desorganização urbana e registos de pessoas vamos precisar de soluções criativas para catalogar famílias e garantir que têm o mínimo para poderem comer, comprar medicamentos (as outras doenças continuam aí), pagar rendas e outros compromissos.

As nossas  empresas em caso de confinamento rigoroso deverão afundar-se ainda mais em função da quebra quase total da procura e da cadeia de valor e as dificuldades de operação em teletrabalho para a maioria das empresas e colaboradores num país em que os custos com comunicação são elevados e os meios de pagamento electrónicos são uma miragem.

Uma forma de assegurar a manutenção de empregos é desenvolver programas para apoiar as empresas como (i) apoio à tesouraria em condições especiais, (ii) descontos ou “férias fiscais” e (iii) imposição de moratórias nos contratos de crédito para aliviar as obrigações das empresas com os bancos que em contrapartida deverão igualmente receber algum tipo de estímulo, quer por via da redução de reservas obrigatórias ou redução dos custos com financiamento junto do banco central. A fragilidade da tesouraria do Estado angolano limita grandemente a sua capacidade de resposta sem suporte externo, preferencialmente, via parceiros multi ou bilaterais. Pode ser inclusive um bom momento para negociar perdões, ou alargamento de prazos de dívidas bilaterais com países mais ricos.

Outro mecanismo de suporte para os mais vulneráveis caso sejam extremadas as medidas de contenção, terá de ser a solidariedade que permitirá que transferências de meios de pessoas com mais possibilidade para as mais necessitadas ou mesmo doações para instituições públicas encarregadas de acudir as diferentes urgências em tempo de crise e talvez poderemos aproveitar a situação para incentivar e promover a responsabilidade social que em caso de massificação ganharia o país uma vez que as crises e a escassez de meios são o pão nosso de cada dia.

Sobre as soluções de confinamento forçado aplicadas pelo mundo como resposta a pandemia é pouco provável que garantam uma vitória sobre o vírus. Alguns especialistas defendem que tão logo a vida for normalizada os países voltarão a experimentar surtos de infecções (provavelmente menos abrangentes) até que apareça uma vacina. O que permite o isolamento é garantir a sustentabilidade dos serviços públicos e assim ganhar tempo para o lançamento de uma solução eficiente e abrangente de imunização. Mas o sucesso destas soluções dependerá muito da qualidade das infra-estruturas dos países, muitos deles dão-se ao luxo de implementar medidas de confinamento não tão severas porque apostam na capacidade de diagnosticar, isolar, acompanhar e tratar os pacientes como a Coreia do Sul, Japão, Singapura e Taiwan. Por outro lado, a Itália continua a viver uma situação de desespero apesar de medidas de extremas tendo já mais mortes registadas do que a China, um cenário que se encaixa na descrição inicial do que a OMS antecipava para países com sistemas de saúde mais frágeis nomeadamente os africanos que poderão estar a beneficiar de uma alegada dificuldade de transmissão pelo ar do virus em climas mais quentes.

É importante realçar que a COVID – 19 vitima a minoria dos infectados e destes são quase todos maiores de 60 anos ou pessoas com condições de saúde que afectam negativamente o seu sistema imunitário. As nossas dificuldades poderão obrigar Angola a apostar com fé na teoria da imunização de grupo aproveitando factores potencialmente favoráveis como o clima quente e população jovem que regista menos casos graves que necessitem cuidados médicos intensivos. O arriscado caminho de imunização de grupo pressupõe que muitas pessoas serão infectadas, uma minoria terá problemas graves mas a maioria recuperará e se tornará imune e espalhará a imunidade pelo grupo. Mas para isto acontecer seria necessário garantir que as pessoas agrião sem pânico mesmo nos casos de sintomas leves e isto é quase impossível de garantir mas com dificuldades para testar massivamente e isolar os casos positivos poderemos embarcar num confinamento infinito e ineficiente.

Contudo, é possível que dentro de 18 meses a fotografia seja bem mais rosada com a consolidação de terapias que funcionam melhor com os doentes e a possível existência de uma vacina eficiente e de produção massiva uma vez que a capacidade humana, a meio de tanto caos, tem estado a surpreender sobretudo nos países onde o investimento no conhecimento estruturado é mais visível.

Sobre o metro de Luanda

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Segundo estimativas do INE, a população actual de Luanda supera os 8 milhões de pessoas. A província de Luanda tem uma das cidades mais populosas de África, segundo o site World Atlas em 2019 Luanda era a quarta cidade mais populosa de África com 6,5 milhões de pessoas e superada apenas por Lagos (21 milhões), Cairo (20,4 milhões) e Kinshasa (13,3 milhões).

Um centro urbano com mais de 8 milhões de pessoas precisa certamente de soluções de mobilidade que privilegiem os transportes públicos eficientes. O crescimento demográfico de Luanda tem na sua génese a guerra civil que reforçou o conceito de Angola como um arquipélago de cidades onde Luanda representava o ponto mais seguro e, naturalmente, de atracção para milhões de pessoas forçadas a migrar das zonas mais afectadas pelo conflito e agudizou-se um modelo económico suportado por exportações de petróleo extraído no norte do país com a gestão das receitas concentrada em Luanda.

Ao longo dos anos, a semelhança do resto do país, Luanda pagou caro pela governação pouco inspirada que na presença de óbvias dificuldades que o contexto apresentava pouco fez para solucionar questões de desorganização urbana e provisão de serviços básicos aos cidadãos. A problemática urbana que tem efeitos transversais na gestão económica de um país incluindo na capacidade de cobrança de impostos nunca mereceu a devida atenção em Luanda fora a tentativa de elaboração de um plano director que por questões de integridade do processo viu a sua implementação interrompida.

Os sistemas de transportes públicos modernos nos grandes centros urbanos combinam um conjunto de meios como autocarros, comboios suburbanos, metro ou comboios ligeiros e no caso de cidades na margem de rios navegáveis ou do oceano podem ser integrados barcos.

A qualidade e a extensão das estradas pavimentadas constitui um desafio para qualquer operação de transportes rodoviários e o investimento nos caminhos-de-ferro não surtiu o efeito esperado porque não parece ter sido devidamente pensado e ajustado à nova geografia de Luanda com a reconstrução de uma linha colonial limitada à uma região muito específica e com serviço deficiente e imprevisível.

A iniciativa recentemente apresentada de um serviço de metro ligeiro para Luanda é uma nova versão de iniciativas tornadas públicas no passado mas desta vez parece que vai mesmo acontecer tendo a empresa alemã Siemens como parceira principal do governo angolano neste projecto de três mil milhões de dólares. O metro é parte de um projecto de mobilidade integrado previsto num Plano Director aprovado pelo governo.

Além do Metro de Superfície, o Plano Director de Luanda, já aprovado pelo Executivo, prevê também dois sistemas de metro de superfície, designadamente o Bus Rapid Transit (BRT) e o Veículo Rápido sobre Trilhos (carris), abreviadamente VLT.
O primeiro é utilizado para sistemas de transporte urbano com autocarros, que são alvo de consideráveis melhorias na infra-estrutura, nos veículos e nas medidas operacionais que resultam em qualidade de serviço mais atractiva.

A necessidade de investir numa solução para  a mobilidade em Luanda é inquestionável, contudo existem questões sobre a sua prioridade num país que o défice de infra-estruturas de base e equipamentos sociais fundamentais continua a ser gritante como estradas interprovinciais adequadas, escolas de diferentes níveis, electricidade, redes de distribuição de água e hospitais.

Um sistema de transportes públicos eficiente em Luanda tem o potencial de melhorar a qualidade de vida e a eficiência da economia da província onde vive cerca de 30% da população de Angola mas se o investimento nos 149 km da linha de metro de superfície e, numa segunda fase, em linhas complementares de BRT e VLT limitar a capacidade do governo em melhorar as estradas nacionais que ligam diferentes províncias com custos elevados para empresas e pessoas ou mesmo concluir infra-estruturas como um novo aeroporto de Luanda (onde já foram enterrados milhares de milhões de dólares) poderá ser mais indicado melhorar as estradas principais e secundárias de Luanda e apostar nos transportes em massa rodoviários, mas o investimento no metro (o governo afirma que contribuirá apenas com 30% do investimento) não pode significar que o estado perde toda a sua capacidade de investimento.

Por outro lado, a mobilidade deverá estar sempre o centro de qualquer projecto de reorganização urbana de Luanda que é actualmente um quebra-cabeças com impacto incomensurável na qualidade de vida e na eficiência económica da cidade. Assim, investir em soluções de transportes públicos modernas para Luanda assume uma carácter de inevitabilidade e urgência o que exige do governo capacidade de gestão para que a necessária modernização de Luanda não venha a alienar as outras urgências do país. Ademais, os processos de reposicionamento urbanístico obrigam normalmente ao realojamento de pessoas e o nosso histórico neste capítulo não é dos melhores mas poderá ser esta mais uma oportunidade para começarmos a fazer as coisas bem, incluindo a própria gestão do sistema de transportes públicos que se quer construir sob pena dos potenciais benefícios não passarem de potencial como em parte tem sido a experiência do comboio ligeiro que serve há alguns anos cidade de Adis Abeba na Etiópia onde foram investidos 475 milhões de dólares numa rede com duas linhas que se estendem por 34 km, mas com locomotivas com capacidade abaixo da procura em hora de ponta e constantes incumprimentos de horários o serviço, que em termos gerais melhorou a mobilidade da cidade, tem muito espaço para melhorar.

Olhando para a realidade actual de Luanda, a expansão da cidade para sul e norte sem que tenham sido criadas infra-estruturas suficientes transformam a viagem de um ponto da cidade para outro num pesadelo e num exercício caro que penaliza grandemente os rendimentos das famílias mais necessitadas que por norma não têm automóvel próprio que continua a ser o melhor meio de transporte na desarrumada cidade de Luanda. Assim, a entrada em cena do metro beneficia potencialmente as pessoas mais pobres sobretudo se as linhas cobrirem os principais movimentos diários de pessoas e com capacidade suficiente.

Construir uma linha de quase 150 km em Luanda levará certamente à alterações estruturais com impactos negativos na vida de muitos cidadãos com o potencial de realojamentos, mas estas mudanças podem criar oportunidades para o desenvolvimento de novas zonas de comércio num quadro, espera-se, mais organizado. Ao potencial impacto positivo na economia de Luanda há que acrescentar a possibilidade do sucesso do projecto levar ao desenvolvimento de de soluções de transportes públicos noutros centros urbanos do país ajustados às necessidades de cada localidade e, se tivermos sorte, poderá impulsionar o surgimento de comboios interprovinciais com equipamentos mais modernos e linhas adaptadas à nova realidade de Angola e afastadas da reprodução linhas coloniais que serviam objectivos e necessidades da sua época.

Algumas grandes cidades africanos têm estado a construir sistemas de comboios metropolitanos desde o princípio da década passada como Argel, Adis Abeba ou Abuja mas 149 km projectados para Luanda (cujo calendário de execução desconheço) são bem mais ambiciosos o que faz-nos questionar a sua exequibilidade, em termos de comparação: (i) Argel tem uma linha de menos de 20 km, (ii) Adis Abeba não chega a 40 km e (iii) Barcelona não chega a 130 km. A nível de custos de construção, a nossa linha custará cerca de 20 milhões de dólares por km que comparam com os cerca de 14 milhões de dólares de Adis Abeba que foi erguido por uma empresa chinesa enquanto que o sistema angolano será construído com recurso à tecnologia alemã que por norma é mais cara que a chinesa e, espera-se, mais confiável.

Em suma, o metro tem o potencial para melhorar a mobilidade em Luanda e redireccionar o desenvolvimento urbano da província para um futuro mais organizado e funcional, mas o elevando investimento, ainda que maioritariamente realizado por privados como anunciou o ministro dos transportes Ricardo d’Abreu, faz-nos questionar a sua priorização em face das insuficiências registadas noutros importantes sectores mas de forma alguma podemos aceitar que a realização de um projecto possa significar o adiamento ou cancelamento de todos os outros, se quisermos construir finalmente uma nação nova temos que ter a capacidade para levar a cabo vários projectos de grande impacto.

 

Teoricamente deveríamos estar a passar por um boom do turismo

Há alguns dias fui exposto a um tweet que dava conta de uma tarifa incrivelmente baixa de uma viagem entre Londres e Luanda, cerca de USD 370, que é de facto uma das viagens mais baratas entre uma capital africana e uma capital europeia e em face da desvalorização acentuada do Kwanza nos últimos anos Angola deveria ser neste momento um destino em alta junto de turistas de países desenvolvidos pela combinação de passagens aéreas baratas e depreciação cambial, mas o boom do turismo não está a acontecer. Porquê será?

 

2019-04-23

Para sermos um destino turístico com grande procura precisamos de melhorar uma série de elementos que permitam aos visitantes alguma autonomia a um preço comportável durante a sua estadia nas nossas terras, até lá seremos um destino apenas para alguns aventureiros e não para o turista típico que anda a procura de descanso, experiências únicas, passeios distintos e imersão cultural sem ter colocar-se em desafios diários.

Olhando em particular para Luanda o potencial para se tornar num destino de referência em África é visível mas muito pouco tem sido feito para que seja materializado tal potencial. Luanda tem ligação directa de avião para cidades africanas, europeias, das Américas e Médio Oriente e com um novo aeroporto poderá ser ainda mais acessível. Luanda tem igualmente uma história muito rica e com impacto global assim como um clima e geografia ideias para o turismo veraneio com grande procura durante o inverno no hemisfério norte. Luanda é ainda pela sua natureza de cidade de confluência de diferentes culturas há vários séculos um caldeirão de criatividade com uma cultura urbana explosiva e apelativa. Contudo, este potencial é órfão de infra-estruturas e da implementação efectiva do Plano Nacional do Turismo que é de facto um caminho que vale a pena seguir.

A capital angolana não tem uma rede de transportes públicos funcional e o sistema alternativo que emergiu da ausência de uma política de transportes públicos não é user friendly, em particular para um forasteiro que fica dependente de serviços privados que incluam chauffeur extremamente caros. O típico turista de mapa na mão visto mundo afora – hoje mais com mapas dos smartphones do que em papel – não terão grande sucesso de ir do ponto A ao ponto B em Luanda deste modo pelo inexistente sistema de mobilidade urbana na província e as saídas para locais afastados do centro ou para outras províncias a mesma lógica aplica-se.

Acresce que, a nível nacional, pouco tem sido feito para preservação e catalogação de locais históricos que nos permitam incluir a rica história dos povos de Angola num catálogo promocional do destino Angola como de resto têm estado a fazer alguns países africanos para grupos específicos de turistas que buscam histórias relacionadas com o período do comércio transatlântico de escravos com destaque para o Ghana, Nigéria e Benin. Angola que tem em Luanda em Benguela dois dos principais portos de embarcação de escravizados (Luanda é destacadamente o principal porto e cidade africana do período em questão) pouco temos feito para explorar este segmento e nem sequer temos um museu da escravatura  a altura da importância que território que hoje constitui Angola teve na época do infame comércio.

Outro factor que faz com que não estejamos a viver um boom no turismo internacional apesar de alguns factores com potencial de impacto positivo é a inexistência de comunicação estruturada desenhada para o mercado externo e, em boa verdade, sem fazer as correcções que falei acima não faz muito sentido investir na promoção de Angola como destino internacional sob pena de estarmos a criar uma legião de turistas desiludidos.

No curto prazo, podemos tentar explorar Luanda como um destino de curta duração para turistas em ligação (stopover) com o realinhamento das rotas da TAAG mesmo antes do novo aeroporto (target: viajantes das Américas e Europa em ligação para destinos africanos como Cape Town e Joanesburgo) ou viajantes africanos que usem voos de ligação da TAAG para o Brasil ou Portugal. Em paralelo, podemos igualmente promover a entrada de viajantes por estrada que são muito tradicionais na África do Sul que apresenta o maior potencial de visitantes na nossa região mas sem nunca perder de vista o objectivo maior de fazer crescer o turismo a medida que se desenvolvam as infra-estruturas do país e assim combinar a hospitalidade nacional com condições estruturais mais acolhedoras para quem nos queira visitar.

O programa director da política do turismo nacional tem elencados os segmentos prioritários com os quais concordo como (i) sol e mar para tirar proveito do clima com Cabo Ledo a ocupar um lugar de destaque (ii) natureza e vida selvagem com aposta forte no projecto Okavango e (iii) cultura e lazer que deverá potencializar a história desde o Reino do Kongo às cidades costeiras que integraram a economia global dos séculos passados e a promoção de festivais internacionais que exponham a música local que já goza de apreciável aceitação mundial (como a kizomba). O que falta é implementar de forma assertiva mas para que isso aconteça é preciso reconhecer o potencial do sector para que “custe” menos realizar o investimento necessário.

Turismo: bons sinais de um longo caminho.

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José Carlos Costa (flickr)

Os governantes angolanos habituaram- nos com a elaboração de programas sectoriais pomposos que poucas vezes chegam a fase de implementação e quando acontece a implementação não produz o preconizado. Sendo o país dos projectos e planos, o sector do turismo também tem os seus planos, o mais recente que me lembro aponta correctamente os segmentos a apostar como:

  • Praia e sol: aproveitando o potencial do clima veraneio durante 3/4 do ano e a longa e diversificada costa angolana;
  • Natureza: foco no projecto Okavango sem esquecer na melhoria de outros parques nacionais que no presente não têm condições de constituir atracção turística em face da concorrência regional (sobretudo Namíbia, Botswana, África do Sul);
  • Cultura e eventos: aqui a aposta seria em eventos com impacto internacional a nível das artes como tivemos no passado o Luanda Jazz Festival desenhado a imagem do bem sucedido Cape Town Jazz Festival e aproveitar o rico passado dos povos de Angola para construção de produtos turísticos.

Na minha opinião os segmentos foram bem identificados mas a sua materialização tem longo percurso considerando as actuais condições que temos, quer seja a nível de infra-estruturas como a nível institucional. Desta frente – institucional – têm surgido boas notícias com o aumento da lista de países cujos cidadãos podem visitar Angola como turistas sem necessitar de vistos (reciprocamente) e o lançamento de uma comissão que visa basicamente desburocratizar a emissão de vistos com foco em potenciais grandes emissores de turistas como países da Europa ocidental.

Contudo, ainda que seja uma condição necessária para a expansão significativa do sector do turismo, a isenção de vistos e/ou facilitação da sua emissão por si só não tornará Angola no próximo destino turístico de eleição na África Austral. O nosso caminho é longo e o turismo é afectado pelos mesmos problemas que mutilam as outras indústrias em Angola como: (i) quantidade e qualidade reduzida das infra-estruturas, (ii) custos de estrutura agravados pela falta de infra-estruturas que obrigam sistemas backup para geração de electricidade e fornecimento de outras utilidades, (iii) falta de pessoal formado, (iv) alto nível de imprevisibilidade/discricionaridade no sistema de justiça e (v) segurança pública frágil.

No estado actual Angola o país consegue atrair turistas curiosos (e corajosos) que olham para Angola como “a última fronteira da África Austral” como o Paul Theroux aborda no seu livro “O último comboio para Zona Verde” , mas este pequeno grupo não constituirá a massa de turistas que o nosso país tem potencial para atrair se conseguir eliminar todos os elementos ruidosos.

Nos últimos tempos o destino Angola tornou-se mais barato para estrangeiros fruto da desvalorização/depreciação do kwanza e da quebra dos preços das passagens aéreas com destino Luanda a partir do estrangeiro. Mas ainda não existem sinais de um boom no número de visitantes estrangeiros a Angola eventualmente porque a desvalorização da moeda e quebra dos preços das passagens aéreas (que poderão estar associadas à menor procura para o número de lugares disponibilizados pelas companhias aéreas) não são factores suficientes para tornar o nosso país num destino de férias do turista médio.

A divulgação profissional do destino Angola é um passo natural mas antes disto existe muita organização interna por fazer para podermos receber turistas com elevados níveis de exigência. Um dos segmentos apontados no plano de desenvolvimento do turismo em Angola é precisamente o cultural mas neste campo o caminho é muito longo. O recente reconhecimento de Mbanza Congo como património da humanidade deve aumentar as responsabilidades do Estado na melhoria das condições gerais daquela localidade, dos acessos à esta e da devida inventariação, catalogação e sinalização dos locais de interesse histórico e turístico e deverá ser o ponto de partida para Angola reclamar o seu lugar na construção do mundo como o conhecemos hoje, especialmente em termos culturais como já várias vezes escrevi neste espaço (aqui, aqui, aqui e aqui).

Na minha modesta opinião, o curto-médio prazo do turismo angolano, mais do que o segmento natureza, deverá estar centrado no património cultural, quer seja material como imaterial e não apenas na associação ao comércio de escravos entre os séculos XV e XIX como também na evolução cultural relativamente recente que trouxe-nos o popular estilo musical e de dança kizomba que, por incrível que pareça, não tem ainda um grande festival de renome mundial em Luanda. Infelizmente o “país” conhece mal a sua história e como tal não existe esforço para sua divulgação. Por exemplo, há algum tempo numa conferência nos Estados Unidos o historiador brasileiro Roquinaldo Ferreira mencionou Luanda entre os locais que preservam mal a história da escravatura e considerou mesmo o museu da escravatura no litoral sul de Luanda como uma amostra desproporcional para a importância que este local teve no período do tráfico transatlântico. O Gana aposta muito no turismo associado ao tráfico de escravos e é o destino preferencial da Diáspora africana nas Américas (em particular nos Estados Unidos) e a Serra Leoa tem um projecto desenhado para maximizar os visitantes que buscam este tipo de turismo com resultados até aqui parecidos.

No entanto, o facto de considerar o segmento cultural o de maior potencial para atracção de turistas estrangeiros não implica que devemos deixar de apostar nos outros segmentos. Angola não pode dar-se ao luxo de não investir no projecto do Okavango e da exploração turística responsável do corredor do rio Kuito cujo potencial tem sido revelado pelas recentes expedições da National Geographic Society. O parque nacional do Iona no sul pode ser parte integral do turismo das províncias da Huíla e Namibe, constituindo assim uma oferta diversificada que inclui praia, aventura e história.

As limitações  a nível da mobilidade em Angola e o facto de Luanda ter o principal aeroporto do país implicam que no curto prazo grande parte do turismo internacional será feito em Luanda e arredores e a oferta cultural superior da cidade capital é um elemento a explorar. A vida nocturna, a rica e dinâmica cultura urbana, a história, a restauração colocam a capital como elemento central de qualquer estratégia de desenvolvimento do turismo nacional.

Contudo, as correcções específicas do sector turístico precisam de ser acompanhadas pela melhoria de questões com alcance transversal como mencionado anteriormente e este facto coloca os desafios do desenvolvimento do turismo ao nível do resto do país. Mas os sinais são positivos.

Luanda, 440 anos

No dia 25 de Janeiro de 1576 Paulo Dias de Novais fundou a vila de Luanda com o pomposo nome de São Paulo de Assunção de Loanda. Paulo Dias de Novais fundou a vila que se transformou na actual capital de Angola na sua segunda visita depois de ter regressado à Portugal e solicitado ao rei D. Sebastião a doação de uma capitania nas margens do rio Kwanza, onde se acreditava existirem grandes depósitos de metais preciosos.

Doação a Paulo Dias de Novais

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Fonte: Carlos Alberto Garcia (Revista Militar)

No fim do século XVII a procura por mão de obra escrava continuava a crescer com o aumento da exploração colonial nas Américas e o domínio de Portugal no comércio de escravos colocou Luanda na posição de principal porto africano de embarque de escravos. A vila tornou-se numa povoação portuária cercada de bairros mal estruturados (musseques) e barracões para embarque de escravos e recepção de mercadoria diversa para cobrir necessidades, vícios e para trocar por escravos. O porto de Luanda era tão importante para o funcionamento da economia global do século XVII que os holandeses ocuparam-na em 1641 para garantir o fornecimento de mão-de-obra escrava para as terras que haviam ocupado no norte do Brasil. Luanda era tão relevante no infame comércio que o mundo conhecia o escorbuto como “mal de Loanda” uma vez que muitos escravizados mal alimentados desenvolviam a doença antes ou pouco depois de embarcar em Luanda.

Há séculos que a cidade de Luanda pode ser caracterizada como uma pequena vila urbanizada cercada por bairros desorganizados onde habitam a maioria dos seus habitantes. Segundo o INE 88% das famílias em Angola vive em habitações inadequadas, sendo que nas áreas urbanas este valor é de 79%  (IBEP 2011), segundo o Plano Director Geral Municipal de Luanda (PDGML) “actualmente 49% da área urbana de Luanda é composta por (…) musseques”. Pela realidade exposta, a questão urbana é um dos principais problemas da cidade e o PDMGML promete resolver parte importante destes problemas nos próximos quinze anos, assim como procura arranjar uma solução para preservação e reabilitação do património histórico. O prazo proposto parece-me optimista mas espero ser positivamente surpreendido.

Infelizmente, como em outras partes de Angola, por priorização da resolução de problemas mais urgentes e/ou por falta de sensibilidade o património arquitectónico de Luanda tem sido maltratado, quer por abandono ou por excessos do sector imobiliário como a construção do Shopping Fortaleza que esconde atrás de si a Fortaleza de São Miguel e a demolição do mercado do Kinaxixi. O mercado integra um conjunto de obras de arquitectura moderna erguidas nas décadas de 1950 e 1960 registadas no projecto modernidad ignorada que em breve se poderá tornar em modernidade desaparecida.

Por outro lado, Luanda continua a ter um rico património imaterial. Sendo uma cidade portuária e um grande centro de trocas comerciais e um porto relevante para o embarque de escravizados a cidade cedo se tornou num centro de confluência de culturas diferentes de cá e de acolá. Luanda é uma cidade crioula que mistura com mestria várias culturas que suportam uma cultura urbana que deu ao mundo o semba, a kizomba e o kuduro e uma língua portuguesa enriquecida pelos encontros das diferentes línguas nacionais e até forasteiras (como lingala) em solo kaluanda.

A vibrante cultura urbana de Luanda cresce vagabunda, sem travões, absorve tudo e serve como fusão o que alguns chamariam de confusão, se calhar não há que colocar travões neste movimento frenético, a liberdade pode ser a chave dos frutos da criatividade kaluanda. Mas para os inúmeros problemas de Luanda, serão certamente necessários alguns travões e novas ideias, sobretudo a nível do modelo de governação local que grita por descentralização há anos. Ademais, é preciso renegociar o contrato entre o governante e os governados e iniciar uma nova era que privilegie a eleição dos governantes locais em detrimento do modelo da nomeação.

Os grandes problemas da cidade precisam da contribuição de todos, individual e colectivamente mas é preciso que as pessoas que moldam o sistema de interacção entre pessoas e instituições cedam mais espaço aos governados. Muitas vezes – independentemente do sistema – as soluções apresentadas agudizam ou criam novos problemas. Os mecanismos de correcção do sistema actual são lentos, muito dependentes do governo central que resolveu parte dos problemas de habitação com as novas zonas habitacionais na periferia (Zango, Kilamba, Sequele) mas cujos problemas de mobilidade está há anos por solucionar. Os populares não têm espaço para pressionar os decisores de forma consequente e as soluções são continuamente adiadas como se vê na recolha de resíduos sólidos e recuperação de estradas.

Centralidade do Sequele – Cacuaco, Luanda

Nova Centralidade de Cacuaco

(Fonte: Flickr)

A cidade foi crescendo ao longo dos anos de forma pouco disciplinada, ao ritmo das necessidades e das urgências da maioria dos seus habitantes que foram chegando de todos os lados por diferentes motivos e com as mais variadas aspirações. O PDGML propõe-se disciplinar este crescimento urbano o que potencialmente resolverá outros problemas sociais (segurança, saúde pública, etc.). Luanda vê sistematicamente a população crescer mais rápido que as infra-estruturas, piorando problemas cujas soluções esbarram num modelo político-administrativo anacrónico. Mas está viva a esperança num futuro que Luanda merece, melhor que o passado e certamente melhor que o presente. Para o curto prazo, o meu desejo seria ver o 25 de Janeiro feriado provincial de novo.

E se o preço do táxi fosse livre?

O combustível é um custo operacional relevante para o sector dos transportes e por esta razão os candongueiros (táxi colectivo) vinham reclamando a actualização da tarifa autorizada pelo MINFIN de 100 kwanzas desde o início do movimento de eliminação dos subsídios aos preços dos combustíveis em Setembro de 2014. Apenas este mês o governo cedeu e foi aprovada a tarifa de 150 kwanzas por corrida para Luanda.

Ago14Jan15_Gas

Entre Agosto de 2014 e Janeiro de 2015 a gasolina ficou 167% mais cara e o gasóleo subiu 238%. Durante este período a tarifa do táxi não saiu dos 100 kwanzas. Contudo, é difícil perceber as ditas tarifas porque os passageiros pagam por rota e estas são variáveis, podendo ser de 7 km ou 15 km, com engarrafamento ou com “pista livre”. Acresce que os taxistas podem encurtar as rotas em função do clima, trânsito ou outra razão qualquer, o que efectivamente é um aumento do preço.

O modelo do preço fixado pelo governo segue a lógica dos “preços máximos” e não impede ninguém de cobrar abaixo da tarifa nem determina as distâncias mínimas e máximas por rota. Com efeito, existindo um número significativo de candongueiros (e sucedâneos como kupapatas) as condições do mercado podem nos levar à um preço inferior aos 150 kwanzas por corrida, sobretudo se for possível prevenir acções concertadas de fixação de preços por parte dos operadores (cartelização). Vale lembrar que os custos operacionais podem impor limites inferiores aos operadores, sendo que em concorrência quando existe muita oferta os preços aproximam-se dos limites inferiores enquanto que num mercado com um operador ou grupo de operadores (cartel) dominante o preço afasta-se do limite inferior.

Por outro lado, numa situação de preços totalmente livres  pelo risco de cartelização e, sobretudo, pela pressão dos custos com combustíveis a tarifa poderia superar os 150 kwanzas por corrida e assim aumentar a penúria das famílias angolanas. Esta possibilidade ajuda a perceber não só a intenção do governo de manter vivo o regime de fixação de uma tarifa máxima como ajuda a explicar a relutância do governo em atender aos sucessivos pedidos dos taxistas para aumento da tarifa. Numa cidade populosa e desorganizada como Luanda, o táxi colectivo desempenha um papel central no sistema de transportes, pelo que, o preço da corrida tem grande impacto no orçamento de muitas famílias.

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Desde Setembro de 2014, os preços do gasóleo e da gasolina triplicaram e assumindo diferentes cenários para a nova tarifa, podemos dizer que a tarifa de 150 kwanzas está longe de ser o pior cenário possível.

Os taxistas de outras províncias deverão seguir os passos dos seus colegas de Luanda, no Cunene já foram inclusive aprovadas novas tarifas e sendo o aumento dos preços dos combustíveis uma realidade nacional não se pode esperar por um final diferente noutras localidades. A dona Inflação vai continuar a dar porrada aos habitantes desta terra.

Terminal da Macon vs. Terminal Nosso Centro

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Imagem Google Maps

Foi recentemente inaugurado (12 de Maio de 2015) um terminal rodoviário interprovincial da Macon na Avenida 21 de Janeiro em Luanda junto a antiga rotunda do Gamek. O projecto foi inteiramente financiado pela empresa e custou cerca de cinco milhões de dólares (c. 547 milhões de kwanzas). Não muito longe do moderno terminal da Macon, basta atravessar a estrada e caminhar uns duzentos metros, existe um terminal nas traseiras do centro comercial público Nosso Centro, contudo, o terminal do Nosso Centro nunca teve operação desde que foi inaugurado em 2009 pela então governadora de Luanda Francisca do Espírito Santo.

Os terminais rodoviários estão para os autocarros como estão os aeroportos para os aviões e em Luanda existem várias empresas de transportes de passageiros a operar em terminais próprios, uma situação que poderá não ser a mais eficiente; noutra dimensão, era como se a Sonair e a TAAG construíssem aeroportos próprios.

Para colocar Luanda dentro da norma internacional, isto é, com terminais centrais que albergam diferentes operadores, o governo de Angola construiu um terminal adjacente ao Nosso Centro da avenida 21 de Janeiro mas nunca passou a actividade. O dito terminal foi mais um investimento público que (ainda) não teve consequências práticas. Na verdade, o próprio centro comercial parece ser uma estrutura muito mal aproveitada porque mesmo estando numa localização de grande circulação de pessoas não se consegue impor como o local de lazer e compras por excelência da zona.

O facto de um privado decidir investir num terminal próprio na mesma localização sugere que poderia não ser má ideia o estado conceder a exploração do espaço aos privados no lugar de deixar uma infra-estrutura a porta fechada. Contudo, vale lembrar, que o terminal rodoviário do estado é apenas mais um membro da família de terminais de transporte promovidos pelo estado angolano que não têm operação que justifique o que lá foi investido como acontece com alguns aeroportos construídos nos últimos anos.

Investimento público que não tem efeitos positivos na vida dos cidadão não merece ser chamado de investimento.

Assaltos em Luanda e os seguranças

Malcolm Gladwell não acredita em coincidências. No seu livro “Outliers: The Story Of Success” o autor aborda as razões por detrás do sucesso de determinados indivíduos ou comunidades em áreas específicas, para o autor as capacidades individuais não se podem separar do contexto. Para Gladwell é possível identificar os passos que determinaram o sucesso dos judeus europeus que emigraram para os Estados Unidos no início do século XX, o fenómeno Beatles, o número anormal de acidentes da Korean Air ou como Bill Gates e Bill Joy se tornaram astros no mundo da informática.

Olhando para os assaltos recentes em Luanda nas imediações e dentro de agências bancárias (e noutros ambientes) o traço comum muitas vezes avançado pela polícia é a participação de seguranças que deveriam precisamente proteger as instalações e indivíduos dos assaltos. No assalto violento recentemente praticado contra uma funcionária da clínica Meditex em Luanda, a polícia mais uma vez avançou com a hipótese de conluio entre os assaltantes e os seguranças. Tal é a frequência destes casos que quase podemos dizer que o segurança é “suspeito por defeito”.

Por ser frequente, a participação de seguranças nos assaltos deve ser vista com profundidade por quem investiga, não apenas na perspectiva da operacionalização do acto, mas sobretudo tentar entender o que leva os seguranças a alinharem tão facilmente com os meliantes. Afinal, como defende Gladwell: não há coincidências.

Olhando para o problema sem grandes números a mão, fico com a impressão que este “desvio” dos seguranças pode ser explicado por dificuldades financeiras. Segurança numa cidade como Luanda é uma profissão de alto risco, contudo a remuneração é baixa, muito baixa. Tão baixa que torna os seguranças em seres facilmente aliciáveis.

Entre arriscar a vida por um salário miserável e arriscar a vida por um bilhete de lotaria a ele vendido como “vencedor”, muitas vezes o segurança vai pela lotaria. A quantidade de seguranças que vai pela lotaria deveria levantar o debate sobre as condições de trabalho a que estão sujeitos estes profissionais porque um pedinte não pode garantir a segurança patrimonial de ninguém.

Título: “Outliers: The Story Of Success | Autor: Malcolm Gladwell