
O mundo atravessa um período complicado, a pandemia que alguns epidemiologistas e estudiosos como Bill Gates previram está entre nós. Angola começou a sentir os efeitos primeiro na economia com a queda abrupta dos preços do petróleo que fez soar todos os alarmes uma vez que o preço actual inviabiliza o OGE e periga ainda mais a já débil saúde da economia angolana.
Para piorar a ministra da saúde Sílvia Lutucuta anunciou na manhã de ontem, 21 de Março, que Angola tem dois casos de infecção por coronavirus confirmados. Como se previa, era uma questão de tempo e mais casos virão, o desafio é conter as infecções para que os nossos hospitais não entrem em colapso, que é uma fronteira não muito afastada da situação diária no país. Obviamente a prioridade é garantir que as pessoas estejam saudáveis quer por via de medidas de contenção quer garantindo a capacidade de resposta dos serviços de saúde. Infelizmente não podemos isolar estes desafios da economia.
Angola pode procurar replicar práticas que estão a dar certo noutras geografias mas as características específicas do nosso país tornam esta hipótese quase impossível porque os casos de sucesso foram quase todos em territórios com nível de desenvolvimento incomparável ao nosso como a China continental, Taiwan, Hong Kong, Singapura, Coreia do Sul e Japão. Aqui a nossa falta de investimentos em infra-estruturas básicas ficará exposta e poderá mais uma vez nos assombrar, é o preço a pagar por escolhas governativas persistentemente negligentes.
Uma das medidas tomada por muitos países foi o distanciamento social com diferentes níveis de coerção, mas a medida de confinamento para ser eficiente precisa de ser combinada com a capacidade de detectar casos suspeitos, testar e rastrear os cidadãos e os seus pontos de contacto para possíveis contágios associados. Ademais, em caso de infecções significativas, após esvaziar as ruas estas terão de ser limpas e desinfectadas periodicamente por equipas especializadas que provavelmente não temos e tendo, teriam muita dificuldade em ser eficientes na confusão urbana que são as nossas cidades.
Ainda assim, o desafio maior será manter o vasto exército de angolanos que dependem de rendas diárias obtidas em actividades precárias como venda ambulante longe das ruas. O prolongar de um confinamento poderá ser fatal para estas pessoas e mesmo que voltem às ruas em desespero é pouco provável que tenham sucesso comercial se os melhores clientes se mantiverem confinados, aí restará a intervenção do Estado por via de estímulos à economia que estão a ser desenhados lá fora para garantir a sobrevivência de empresas e rendimentos das famílias durante a crise e que a economia arranque o mais rápido possível após o fim deste pesadelo.
Infelizmente o Estado angolano não tem disponibilidade financeira para injectar dinheiro nas empresas e fazer transferências directas para as famílias, sobretudo as mais vulneráveis que não só enfrentarão o virus como também serão fustigados pela pobreza. O Governo deverá certamente pedir apoio internacional para que os hospitais tenham mais equipamentos básicos (a China tem estado a doar milhões de meios para todo mundo nos últimos dias) mas não bastará. Se tivermos contágio epidémico localmente mais do que arranjar fundos para reanimar a economia será necessário garantir que as pessoas têm como se suster durante o tsunami por intermédio de transferências directas e dada a nossa maka de desorganização urbana e registos de pessoas vamos precisar de soluções criativas para catalogar famílias e garantir que têm o mínimo para poderem comer, comprar medicamentos (as outras doenças continuam aí), pagar rendas e outros compromissos.
As nossas empresas em caso de confinamento rigoroso deverão afundar-se ainda mais em função da quebra quase total da procura e da cadeia de valor e as dificuldades de operação em teletrabalho para a maioria das empresas e colaboradores num país em que os custos com comunicação são elevados e os meios de pagamento electrónicos são uma miragem.
Uma forma de assegurar a manutenção de empregos é desenvolver programas para apoiar as empresas como (i) apoio à tesouraria em condições especiais, (ii) descontos ou “férias fiscais” e (iii) imposição de moratórias nos contratos de crédito para aliviar as obrigações das empresas com os bancos que em contrapartida deverão igualmente receber algum tipo de estímulo, quer por via da redução de reservas obrigatórias ou redução dos custos com financiamento junto do banco central. A fragilidade da tesouraria do Estado angolano limita grandemente a sua capacidade de resposta sem suporte externo, preferencialmente, via parceiros multi ou bilaterais. Pode ser inclusive um bom momento para negociar perdões, ou alargamento de prazos de dívidas bilaterais com países mais ricos.
Outro mecanismo de suporte para os mais vulneráveis caso sejam extremadas as medidas de contenção, terá de ser a solidariedade que permitirá que transferências de meios de pessoas com mais possibilidade para as mais necessitadas ou mesmo doações para instituições públicas encarregadas de acudir as diferentes urgências em tempo de crise e talvez poderemos aproveitar a situação para incentivar e promover a responsabilidade social que em caso de massificação ganharia o país uma vez que as crises e a escassez de meios são o pão nosso de cada dia.
Sobre as soluções de confinamento forçado aplicadas pelo mundo como resposta a pandemia é pouco provável que garantam uma vitória sobre o vírus. Alguns especialistas defendem que tão logo a vida for normalizada os países voltarão a experimentar surtos de infecções (provavelmente menos abrangentes) até que apareça uma vacina. O que permite o isolamento é garantir a sustentabilidade dos serviços públicos e assim ganhar tempo para o lançamento de uma solução eficiente e abrangente de imunização. Mas o sucesso destas soluções dependerá muito da qualidade das infra-estruturas dos países, muitos deles dão-se ao luxo de implementar medidas de confinamento não tão severas porque apostam na capacidade de diagnosticar, isolar, acompanhar e tratar os pacientes como a Coreia do Sul, Japão, Singapura e Taiwan. Por outro lado, a Itália continua a viver uma situação de desespero apesar de medidas de extremas tendo já mais mortes registadas do que a China, um cenário que se encaixa na descrição inicial do que a OMS antecipava para países com sistemas de saúde mais frágeis nomeadamente os africanos que poderão estar a beneficiar de uma alegada dificuldade de transmissão pelo ar do virus em climas mais quentes.
É importante realçar que a COVID – 19 vitima a minoria dos infectados e destes são quase todos maiores de 60 anos ou pessoas com condições de saúde que afectam negativamente o seu sistema imunitário. As nossas dificuldades poderão obrigar Angola a apostar com fé na teoria da imunização de grupo aproveitando factores potencialmente favoráveis como o clima quente e população jovem que regista menos casos graves que necessitem cuidados médicos intensivos. O arriscado caminho de imunização de grupo pressupõe que muitas pessoas serão infectadas, uma minoria terá problemas graves mas a maioria recuperará e se tornará imune e espalhará a imunidade pelo grupo. Mas para isto acontecer seria necessário garantir que as pessoas agrião sem pânico mesmo nos casos de sintomas leves e isto é quase impossível de garantir mas com dificuldades para testar massivamente e isolar os casos positivos poderemos embarcar num confinamento infinito e ineficiente.
Contudo, é possível que dentro de 18 meses a fotografia seja bem mais rosada com a consolidação de terapias que funcionam melhor com os doentes e a possível existência de uma vacina eficiente e de produção massiva uma vez que a capacidade humana, a meio de tanto caos, tem estado a surpreender sobretudo nos países onde o investimento no conhecimento estruturado é mais visível.