O desconfinamento é inevitável e necessário

A data de hoje, 23 de Abril, Angola tem confirmados 60 casos de COVID-19. A todos os níveis, olhando para os piores casos mundo afora ou mesmo a nível da região austral de África a nossa situação não é das mais graves sobretudo considerando os piores prognósticos da OMS. Ainda que considerando o número reduzido de testes e o critério de testagem desastroso que levou 6 semanas para testar aqueles que deveriam ser prioridade pela escassez de kits de testagem, em termos globais a nossa situação está longe de estar descontrolada.

O Governo angolano, apesar do estado de emergência declarado no final de Março e da renovação sucessiva da medida ainda que com ajustamentos, nunca chegou aos extremos experimentados noutras geografias mas ainda assim, a maior parte das pessoas foram obrigadas ou aconselhadas a ficar em casa e parte importante da vida social e económica foi suspensa e as consequências são comparáveis em todas geografias: queda acentuada da actividade económica e natural crescimento acelerado do desemprego.

Luanda

Os problemas económicos estão na raiz de muitos problemas sociais e como tal tornou-se insustentável negligenciar o impacto do desemprego na saúde global das sociedades e os governos estão a ver-se forçados a abraçar o desconfinamento quase com a mesma assertividade que implementaram medidas de confinamento porque no curto prazo a cura poderá revelar-se na causa da morte de muita gente, em particular nos países mais pobres como o nosso que preocupam as Nações Unidas que admitem que o mundo enfrenta a possibilidade de ver até ao final deste ano cerca de 130 milhões de pessoas em risco de morte por fome se não forem mitigados os impactos causados pelas medidas de contenção e prevenção contra a infecção por coronavírus.

O mundo vai aprendendo cada vez mais sobre a doença, sobre os riscos e sobre quem deve ser mais protegido para que se reduza ao máximo o número de vítimas mortais. Hoje é conhecimento comum que se for possível escolher uma única variável decisiva para a mortalidade por COVID, a variável a escolher será: idade. A letalidade entre os infectados mais velhos é muito mais elevada, por exemplo um estudo publicado na revista Science sobre a pandemia em França revela que a taxa de mortalidade entre pacientes com menos de 20 anos é 0,001% enquanto que para as pessoas com mais de 80 anos a taxa de letalidade registada foi de 10,1%.

France has been heavily affected by the SARS-CoV-2 epidemic and went into lockdown on the 17 March 2020. Using models applied to hospital and death data, we estimate the impact of the lockdown and current population immunity. We find 3.6% of infected individuals are hospitalized and 0.7% die, ranging from 0.001% in those <20 years of age (ya) to 10.1% in those >80ya. Across all ages, men are more likely to be hospitalized, enter intensive care, and die than women.

O impacto da demografia na mortalidade foi igualmente abordado num estudo publicado pela National Academy of Sciences dos Estados Unidos conduzido por um grupo de demógrafos que analisaram dados de vários países e concluíram que a estrutura demográfica é o factor mais decisivo na taxa de mortalidade, sendo que a cultura social (como contactos entre pais e filhos) e a dinâmica urbana (densidade populacional e utilização de transportes públicos) também têm um impacto relevante na evolução da pandemia.

The pandemic’s progression and impact are strongly related to the demographic composition of the population, specifically population age structure. Demographic science can provide new insights into how the pandemic may unfold and the intensity and type of measure needed to slow it down. Currently, COVID-19 mortality risk is highly concentrated at older ages, particularly those aged 80+ y. This age pattern has been even more stark in Italy, where, as of March 30, 2020, the reported CFR is 0.7% for those 40 y to 49 y, and 27% for those >80 y, with 96.9% of deaths occurring in those aged 60 y and over. Current CFR are likely overestimated due to underascertainmet of cases. In South Korea, with broader testing and strong health care capacity (only 158 deaths), the current CFR for those 80+ y is still an alarming 18.31%.

Estes dados recentes, formulados após melhor conhecimento sobre a evolução da doença e os seus impactos, não podem ser ignorados na formulação de políticas que não devem nunca deixar de contemplar a protecção dos grupos mais vulneráveis a COVID mas que não podem esquecer de proteger aqueles que são mais vulneráveis ao confinamento, cujo impacto negativo é mais severo nas classes mais pobres que no caso de Angola dependem grandemente de rendas diárias de negócios informais.

A impossibilidade de operar dentro da normalidade num país onde não existem mecanismos de suporte social agravou ainda mais a situação precária de muitos angolanos que enfrentam um futuro cada vez mais incerto com a principal fonte de receitas de exportação do país, o petróleo, a passar por uma travessia no deserto sem fim a vista.

O Governo segundo todas as cogitações deverá substituir o estado de emergência por estado de calamidade cujas medidas são ainda conhecidas mas antecipa-se maior abertura e provavelmente uma mudança estratégica na comunicação com o desfasamento progressivo da mensagem “fique em casa” por algo do género “mantenha-se em segurança” porque infelizmente ficar em casa é um luxo e com o prolongar das medidas está a tornar-se um luxo para uma franja minúscula da nossa sociedade, ainda que este facto é uma realidade global no que as classes diz respeito como demonstra um estudo recente da Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade Nova de Lisboa.

Os dados preliminares parecem indicar que a infeção por Covid-19 é marcadamente desigual, afetando de forma mais acentuada os concelhos e países que já têm um perfil socioeconómico mais precário e podendo mesmo exacerbar as vulnerabilidades socioeconómicas pré-existentes ao nível individual

Apesar de notícias encorajadoras sobre vacinas e potenciais terapias nas últimas semanas, a possibilidade de não termos uma vacina eficaz no curto-médio prazo é real e como tal, aprender a viver com o vírus a circular entre nós é fundamental porque a paralisação generalizada da vida económica é possivelmente mais perigosa e num contexto de evolução económica recessiva que Angola vive há 4 anos induzir a economia ao coma é uma receita para o desastre sobretudo considerando o número reduzido de infecções e da estrutura etária de menos risco como mostram diferentes estudos. Com efeito, ainda que aumentam as infecções, não é expectável – apesar do sistema de saúde sofrível – uma alta taxa de mortalidade por COVID em Angola que tem uma idade média de 16,7 anos que compara com os 47,3 anos da Itália.

Por outro lado, a abertura “unilateral” poderá ser apenas uma atenuante para a gravidade dos problemas económicos de cada país até que o mundo todo esteja em condições de normalizar, o que configura um desafio mundial na busca de ideias e soluções para um desconfinamento com menos riscos possível para generalidade da nossa multifacetada vida.

O desconfinamento é assim, inevitável e necessário sob pena de criar mais problemas do que resolver, sem prejuízo de serem necessários ajustamentos em face de alterações da tendência das infecções.

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