Petróleo em 2017, hoping for the best

2016 foi um ano complicado para a economia angolana, os sinais de 2015 agravaram-se e as dificuldades aumentaram. A actividade económica diminuiu e o desemprego aumentou ainda mais e todos já ouvimos o “culpado” disto tudo ser apontado várias vezes: o petróleo (pelo menos na versão do Governo).

Infelizmente, quando o petróleo sustentava os nossos vícios não investimos o suficiente na educação e formação das pessoas, nas infra-estruturas de qualidade e consequentes, nas reformas direccionadas para criação de um quadro político-económico mais liberal e inclusivo que certamente nos ajudariam a diversificar a nossa economia e não estaríamos hoje a lamentar a oportunidade perdida. Por isso, para o curto prazo a nossa solução passa pelo bom e velho amigo petróleo e a boa notícia é que as decisões a nível da OPEP (com participação de não-membros) nas últimas semanas estão a surtir efeito e o preço do barril está a aproximar-se dos 60 dólares.

O Governo angolano tem estado a fazer crescer a dívida pública, sobretudo via emissão de títulos em kwanzas, e sinalizou a manutenção desta tendência com o OGE 2017 recentemente aprovado. O recurso sistemático à dívida pública para realização de despesas correntes e de investimento levanta questões a nível da sustentabilidade das contas públicas e sobre o valor contabilístico dos títulos de dívida emitidos pelo Governo de Angola, com riscos acrescidos para a saúde sector financeiro. Mas tudo isto, no curto prazo, poderá ser mitigado por um preço do petróleo mais favorável às nossas aspirações porque melhora a capacidade do Governo na realização de despesas e  servir a dívida (em particular a externa) e dá ao BNA mais capacidade para gerir a taxa de câmbio e reduzir o paço da delapidação das Reservas Internacionais Líquidas.

Os esforços recentes da OPEP permitem antever um mercado petrolífero mais estável com tendência de subida do preço do barril de petróleo pela combinação de alguns factores como a redução da produção, a redução dos stocks nos países desenvolvidos e um desempenho económico global ligeiramente melhor. A maior ameaça à esta perspectivas são os produtores dos Estados Unidos, precisamente os mesmos que contribuíram grandemente para o aumento da oferta nos últimos anos e, consequentemente, para a descida acelerada do preço do barril num contexto de desaceleração económica.

Os preços baixos não só forçaram a redução da produção de alguns campos com custos de exploração mais elevados como acabaram por adiar muitos investimentos no sector, empurrando o nível de investimento para valores não vistos há muitos anos com possíveis consequências no output no médio/longo prazo. Os reajustamentos em curso poderão significar o aumento do investimento no sector e este é também um dos objectivos dos mais recentes acordos da OPEP (Argel e Viena) como referiu recentemente o Secretário Geral da OPEP Mohammad Sanusi Barkindo numa conferência na Columbia University.

Pela a evolução do último mês e pelas expectativas da OPEP, 2017 deverá ser um ano de recuperação do preço do barril, provavelmente de forma moderada mas sustentada. A tendência antecipada para 2017 deverá manter-se em 2018 se a economia mundial recuperar. Contudo, preços mais altos poderão suportar o aumento da produção não-OPEP, em particular nos Estados Unidos onde a nova administração manifestou-se contra as restrições actuais que limitam a exploração de hidrocarbonetos no off-shore americano.

Muito se tem falado sobre o potencial impacto da administração Trump na economia mundial mas muito pouco tem sido falado sobre o potencial choque da oferta que as posições defendidas por Trump poderão causar no longo prazo por via do aumento significativo da produção nos Estados Unidos que poderá, no longo prazo, precipitar mais um período de petróleo barato se a filosofia drill, baby, drill tornar-se no guia da política energética de Trump como se espera.

Contudo, há que ter presente que as previsões historicamente batem muito ao lado do que se realiza no longo prazo pelo dinamismo das economias e por factores geopolíticos de difícil previsão, mas em função dos dados que temos em mãos hoje, tudo indica que no próximo par de anos o preço não deverá registar quedas acentuadas e o mercado deverá ser mais estável, estando reservada para meados da década de 2020 mais um ciclo de preços baixíssimos mas até lá, se tivermos juízo, a dependência do ouro negro não já não será a mesma.

Sonangol, o que é que o BCP tem?

A PCA da Sonangol, Isabel dos Santos, revelou recentemente que a empresa precisa de cerca 1,5 mil milhões de dólares para honrar compromissos de muito curto prazo, isto é, até ao final deste ano que tem menos de 30 dias para terminar. Curiosamente, na mesma conferência de imprensa a PCA da maior empresa do país confirmou que empresa já endereçou um pedido ao Banco Central Europeu (BCE) para reforçar a sua participação no banco português Millennium BCP, de que era até bem pouco tempo o maior accionista e passou a ser o segundo com a entrada da empresa chinesa Fosun no capital do banco.

É por demais evidente que a Sonangol tem de continuar o processo de reforma estrutural de forma a melhorar a eficiência e a reduzir os custos de estrutura que ameaçam a saúde financeira da empresa e, quem sabe, a sua sobrevivência. E ficou também evidente que o processo de reforma do modelo de gestão da Sonangol não passa por terminar com a crise de identidade de uma empresa de engenharia que se confunde com uma holding financeira uma vez que, apesar do aperto de tesouraria, a Sonangol continua a acreditar no sucesso do Millennium BCP que embora seja o maior banco privado português tem vindo a acumular prejuízos há muitos anos e olhando para a saúde económica de Portugal, o principal mercado do banco, não é expectável que o cenário mude nos próximos tempos.

De todo modo, olhando para o valor em bolsa do BCP, cerca de 1,1 mil milhões de euros à data de hoje, para reforçar a participação no banco português a Sonangol não terá de investir uma fortuna mas ainda assim continua a investir num cavalo que mais vezes perde do que ganha corridas na última década e não se espera que mude tão cedo. A obsessão da Sonangol pelo BCP e por outros investimentos financeiros longe da sua cadeia de valor precisa de ser melhor explicada sobretudo quando a empresa ao fim de tantos anos suspendeu o investimento da refinaria no Lobito e pouco fez para fomentar a indústria petroquímica em Angola que potencialmente criaria mais emprego e riqueza para a nossa economia do que o investimento no BCP.

Mesmo antes do anúncio da suspensão do investimento na refinaria a voz autorizada de Lago de Carvalho questionou a racionalidade do investimento porque provavelmente não seria rentável e até representar uma perda líquida se trocarmos o modelo actual de exportação de petróleo bruto e importação de refinados. Contudo, existem quem defende o potencial de exportação de refinados (influxo de divisas) e a possibilidade de rentabilidade no longo prazo mas por razões nunca antes expostas a Sonangol priorizou na década da bonança uma série de investimentos estranhos ao petróleo e gás que vão desde o imobiliário em Nova Iorque à aviação civil na Tanzânia e, tal como aconteceu na banca portuguesa, os resultados não foram famosos. Tendo em conta os resultados da política de investimentos da Sonangol dos últimos anos, especificamente no BCP, sendo a Sonangol uma empresa pública seria útil um esclarecimento do racional que sustenta  insistência neste investimento porque penso que muita gente, eu incluído, tem dificuldade em perceber.

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Fonte: Millennium BCP

Pôr termo ao limite de endividamento público é mau sinal

When the facts change, I change my mind.

John Maynard Keynes

Keynes terá escrito* que na presença de uma nova realidade não tinha dificuldades em mudar de opinião e o Governo angolano deve seguir o mesmo princípio porque na presença de dificuldades de financiar o Orçamento Geral do Estado com receita fiscal e, por esta razão, antecipando a necessidade de angariar mais dívida para realização de despesas em 2017 o Governo decidiu deixar cair a imposição legal de manter a dívida pública abaixo dos 60% do PIB, limite que foi violado em 2015 e será certamente violado em 2016.

A adopção dos 60% como referência para equilíbrio das contas públicas é quase global mas é discutível que todas as economias são capazes de sustentar tais níveis como abordei aqui anteriormente. Certamente a capacidade da economia alemã sustentar stocks de dívida pública que superem 60% da riqueza criada anualmente não é a mesma que a nossa, sendo que nós temos muito menos capacidade. Contudo, o fim da imposição do limite de 60% para o stock da dívida pública em relação ao PIB é um indicativo que o governo pretende ultrapassar este limite.

Com efeito, o governo planeou ter 7.3 biliões de kwanzas para gastar em 2017 e deste valor 3.1 biliões terá a forma de dívida pública, ou seja, o governo espera financiar 42.5% das suas despesas com dívida em 2017.

Não consegui perceber ainda quanto desta dívida será externa, mas olhando para a yield da Eurobond angolana (14,2%) podemos dizer que as condições poderiam ser piores olhando para o estado da nossa economia, mas espero que o Governo não esteja a olhar para a relativa resiliência da Eurobond Angola 2025 como um convite para aumentar a dívida externa sobretudo depois das declarações do presidente José Eduardo dos Santos em Julho quando disse  os montantes que o Estado estava a receber da Sonangol mal serviam para pagar as dívidas do Estado e da própria Sonangol.

Afirmei há poucos dias que o Governo não está a receber receitas da Sonangol [petrolífera estatal] desde o princípio do ano, por causa da baixa significativa do preço do petróleo, pois as receitas que são arrecadadas mal chegam para pagar as dívidas contraídas pelo Estado e pela própria Sonangol

José Eduardo dos Santos, Julho de 2016

Outra alteração na proposta de lei, como reportou o jornal Expansão é a não contabilização da dívida de empresas públicas como dívida pública, ao contrário das recomendações do FMI, Eurostat e do bom senso. Esta alteração e os números apresentados na proposta de OGE indicam que o Governo tenciona fazer recurso à dívida para cumprir com o seu programa, independentemente da qualidade do mesmo o que significa que existe o risco real de no médio prazo os problemas de serviço da dívida virem a agudizar-se se as receitas fiscais não melhorarem significativamente.

Mais, caso recorra a emissão exagerada de dívida em kwanzas, que é maioritariamente “estacionada” no balanço dos bancos comerciais e recorrer à emissão de moeda para pagar a dívida interna o Governo arrisca-se a fragilizar ainda mais o sector financeiro contaminando o balanço dos bancos e contribuindo para piorar ainda mais o problema da inflação.

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* aparentemente Keynes terá escrito “When my information changes, I alter my conclusions. What do you do, sir?” e aparentemente não existe evidência documental que Keynes terá se referido à factos (facts).

Lies, Damned Lies and Statistics

O Presidente José Eduardo dos Santos recentemente apresentou uma versão optimista do passado recente e do futuro próximo da nossa debilitada economia. Segundo o PR a economia angolana não estagnou, apenas “perdeu pujança”. O presidente não indicou exactamente quando é que a economia perdeu pujança mas desconfio que esteja a falar de 2009 porque desde 2008 que a economia angolana, em termos reais, deixou de crescer na casa de dois dígitos (13,8% em 2008 e 2,4% em 2009), a não ser que o Presidente se esteja a referir ao crescimento nominal do PIB, aquele que considera os preços correntes para bens e serviços. Caso estejamos a falar do PIB nominal em kwanzas, a economia angolana em 2009 cresceu 26%, graças ao retomar da trajectória ascendente do preço do barril de petróleo, o “pai e a mãe” do nosso crescimento económico.

Pois bem, olhando para o PIB real, dizer que a economia perdeu pujança e não estagnou é discordar em absoluto com a estimativa de crescimento do PIB real para 2016 formulada pelo FMI: 0%. Esta evolução nula não surpreende uma vez que a taxa de inflação subiu assustadoramente e a produção industrial não extractiva durante o ano tem decrescido apesar da inversão de sentido nos últimos meses e o sector petrolífero não cresceu em termos de produção como se esperava. Se olharmos para a evolução do PIB traduzido em dólares a situação é de levar as mãos a cabeça. As nossas exportações em kwanzas, apesar do preço do Brent caído, são positivamente afectadas com a desvalorização do kwanza quando contabilizadas em moeda nacional, um efeito nulo quando se contabiliza o PIB em dólares.

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Fonte: FMI

A moeda nacional não tem valor fora das nossas fronteiras, não é usada para trocas fora de Angola em volume suficiente para que seja considerada um meio de troca com valor internacional, ou seja, se o mundo começasse em Cabinda e terminasse no Kuando Kubango olhar para o nosso PIB em kwanzas bastaria para perceber a situação económica nacional. Mas o mundo é maior que Angola e nós gostamos muito de bens e serviços do exterior e, por esta razão, olhar para nossa capacidade de consumo em kwanzas não é suficiente. Com efeito, olhando para a  evolução do PIB per capita nominal em kwanzas e em dólares percebemos que “empobrecemos mais em dólares do que em kwanzas” em termos nominais, uma vez que a nossa riqueza em kwanzas tem sido engolida pela inflação.

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Fonte: FMI

Em 2015 o PIB angolano em dólares caiu os impressionantes 18,8% e o FMI estima uma queda de 10,7% para este ano. Estes valores evidenciam a nossa vulnerabilidade por excessiva dependência das exportações de petróleo. Contudo, olhando para mesma grandeza,  variação do PIB nominal, mas em kwanzas ficamos com uma fotografia mais colorida, uma vez que o FMI espera um crescimento nominal do PIB na casa do 30%, graças a desvalorização do kwanza. No entanto este crescimento nominal é crescimento acelerado dos preços, ou seja, pura fantasia cambial.

Se olharmos para a evolução das exportações e como esta se reflectiu na evolução das importações por redução das divisas que suportam as trocas com o exterior conseguimos ter uma ideia da redução da oferta de bens e serviços externos no nosso mercado e, atendendo o crescimento diminuto da produção interna, conseguimos inferir destes números a evolução da oferta agregada nos últimos anos.

Conseguir encontrar sinais positivos na evolução recente da economia angolana é difícil, o Presidente fez referência à desaceleração da subida dos preços nos dois últimos meses mas não falou da taxa de inflação acumulada porque nem pintada de rosa ela parece uma princesinha, mas como dizia Mark Twain existem lies, damned lies and statistics… usando a estatística verdadeira é possível apresentar uma imagem que nem vizinha da verdade é e apesar da crise estar a transformar-se no “novo normal” não existem ainda razões para optimismo e as projecções de diferentes instituições, apesar de algumas diferenças concorrem todas para um período de crescimento económico anémico. Hoping for best, anyway.

Estará Angola “oficiosamente em recessão”?

A meio do ano o Orçamento Geral do Estado (OGE) aprovado para o corrente ano tinha sido parcamente executado, a razão principal para a baixa execução da receita (38,6%) e do investimento (6,1%) é a mesma: o preço do petróleo no período foi abaixo do que estimou o Governo e o domínio exercido pelo petróleo nas nossas contas públicas esteve bem patente. Historicamente, mesmo nos tempos das vacas gordas, a execução do OGE sempre deixou muito a desejar, a tal ponto que o dito orçamento muitas vezes parecia um guia com linhas mestras e não propriamente um plano para realização de receitas e despesas por parte dos organismos públicos.

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Contudo, o baixo nível de execução do actual OGE, que na verdade será substituído por um OGE rectificado, demonstra a fragilidade do nosso modelo económico e como a âncora das exportações do petróleo pode revelar-se uma armadilha para o crescimento económico. Sem dinheiro do petróleo o Estado ficou sem fundos para alimentar o programa de investimentos públicos que está cada vez mais dependente do financiamento externo, vale de alento o sinal positivo dos mercados internacionais onde a Eurobond angolana está a negociar a yields abaixo da taxa de emissão apesar de continuar a ser relativamente alta (9,50% vs. 9,45%). Com estes condicionalismos, o investimento público terá de ser 15 vezes superior no segundo semestre para que se alcance o valor orçamentado segundo o jornal Expansão e certamente não será o motor que a economia precisa. Ademais, como sabemos, o investimento privado não tem sido o substituto das aplicações de capital do Governo porque continuamos com sérias makas no ambiente de negócios apesar do discurso oficial em contrário.

Com os empresários a reportarem quebras significativas na produção, com as empresas a reduzirem pessoal, com o investimento público diminuto e com IDE pouco auspicioso, é mais do que certo que não existe possibilidade de evolução positiva do PIB angolano. Para 2016 é “matematicamente” impossível Angola apresentar um crescimento do PIB positivo e provavelmente esta evolução do PIB já foi negativa no primeiro semestre, mas infelizmente não temos publicação intercalar das contas nacionais em Angola assim como não são publicados por organismos oficiais tantos outros indicadores económicos e sociais como, por exemplo, a taxa de desemprego. O Instituto Nacional de Estatística (INE) publica mensalmente a taxa de inflação mas é necessário alargar o número de indicadores para termos em tempo real melhor informação sobre o estado geral da economia.

Seria óptimo termos dados sobre a evolução do PIB trimestralmente mas a falta de publicação de informação oficial não se limita ao INE (que até publica trimestralmente o Índice de Produção Industrial), a nível ministerial a pouca informação produzida é muitas vezes encarada como segredo de Estado e muito do que deveria ser publicado não é partilhado com quem é governado e na ausência de informação reina a especulação. A Nigéria está oficialmente em recessão económica mas nós, não tendo a publicação oficial de dados intercalares não podemos estar “oficialmente” em recessão apesar de ser sensível e visível. Os dados económicos intercalares são nalguns casos comunicados por representantes do Governo, mas a periodicidade e o modelo de divulgação não são convencionais nem facilmente acessíveis. Quando o INE passar a publicar as contas nacionais trimestralmente poderemos afirmar que estamos “oficialmente em recessão” mas até lá só poderemos estar “oficiosamente em recessão”.

Pão nosso.

O pão é cada vez mais caro porque a generalidade dos inputs estão cada vez mais caros. A base do pão é a farinha de trigo que importamos cada vez menos à uma taxa de câmbio cada vez mais desfavorável.

Em momentos difíceis aparecem obviamente várias teorias, que não devem ser totalmente desprezadas, mas o que explica o aumento galopante do preço do sagrado pão é a velha e fiável “teoria da oferta e da procura” que diz que o preço de um bem aumenta quando a sua oferta diminui. Os “esquemas” reportados, ao existirem de facto, são na verdade derivados da escassez que, mais uma vez, está associada à redução da oferta de divisas que nos permitem importar.

A solução apontada por alguns passa por “maior fiscalização” dos importadores mas até que ponto o problema está na falta de fiscalização não sei. Ao que parece, a situação só poderá mesmo melhorar com maior oferta e para voltarmos aos preços de antes, mesmo que seja possível aumentar a oferta, só com a taxa de câmbio antiga uma vez que a farinha de trigo é toda importada. O estado actual da nossa economia e a forma que tem sido conduzida a política cambial retira qualquer esperança de ver invertida a tendência actual do preço do pão no curto prazo.

Olhando para a cadeia de valor do pão notámos que nos últimos tempos a generalidade dos custos aumentaram, muitos cresceram de forma exponencial ao que se somou a escassez da principal matéria-prima, a farinha de trigo. Algumas versões muito presentes em situações semelhantes defendem acerrimamente a teoria do açambarcamento e da má fé dos operadores comerciais mas normalmente ignoram o que aconteceu recentemente com o preço da electricidade, com os impostos, com custo dos combustíveis, com a variação cambial desfavorável e muitos mais.

Em suma, com tudo o que se passou nos últimos meses estranho seria o preço do pão não aumentar. A evolução recente das condições do mercado ditam a trajectória do preço do pão e tentar implementar um limite para o preço do pão por parte do governo implicará sempre a introdução de um mecanismo para subsidiar os produtores/comerciantes porque vender o produto abaixo do custo ninguém o fará e a oferta (que é cada vez menor) desaparecerá, como aconteceu, por exemplo, na Venezuela quando o governo escolheu impor preços máximos abaixo do preço de custo para determinados produtos e serviços.

Exportar $20 mil milhões fora do petróleo não será fácil

A redução  expressiva das receitas com exportação do petróleo e consequente quebra acentuada nas receitas fiscais do Estado angolano e a menor disponibilidade de divisas para a economia centram as discussões sobre a nossa economia desde o final de 2014. Com a redução das receitas petrolíferas ganhou espaço o discurso sobre a necessidade urgente de diversificação da economia. O domínio do petróleo nas exportações angolanas é antigo, antecede mesmo a independência de Angola em 1975 e agudizou-se na década de 1980.

Em 2012 Angola exportou petróleo no valor de USD 69,8 mil milhões que compara com os USD 33,4 mil milhões exportados em 2015. O valor das exportações petrolíferas totais em 2015 foram inferiores à receita fiscal petrolífera de 2012 (USD 39,8 mil milhões) e 2013 (USD 34,9 mil milhões) e o esvaziar dos cofres públicos alimentaram preces a “nossa senhora da Diversificação” por parte de agentes  privados e, sobretudo, representantes do Estado que estão agora convertidos a devotos de uma economia menos dependente do petróleo.

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Fonte: MINFIN, BNA

As receitas estão a ser castigadas pela redução do preço do barril que passou de USD 107,4 em 2013 para USD 51,7 em 2015 enquanto que a quantidade exportada variou pouco. Assim, as exportações petrolíferas em 2015 são USD 36,4 mil milhões mais baixas que as exportações petrolíferas realizadas em 2012 ou seja, mantendo-se o nível de exportações petrolíferas Angola precisaria de exportar outros produtos no valor de USD 36,4 mil milhões para voltarmos ao nível de exportações de 2012 ano em que as exportações não petrolíferas foram USD 2,2 mil milhões que são mais do dobro dos cerca de mil milhões de dólares exportados fora do sector petrolífero em 2015.

Será que dentro de 4/5 anos as nossas exportações de madeira, diamantes, serviços, produtos agrícolas, bebidas e outros conseguirão crescer 16 vezes ou pelo menos 10 vezes e assim somar cerca de USD 20 mil milhões? Certamente não será possível com tantos problemas estruturais e com tão poucas divisas já que sem elas será impossível realizar os investimentos necessários para diversificar as exportações. A nossa capacidade de atrair investimento externo em quantidade e qualidade dependerá igualmente de reformas institucionais profundas que permitam criar um ambiente político e social mas estável, confiável e previsível.

Não acredito que vamos ter sucesso mantendo o actual quadro de organização social e a mesma filosofia centralizadora que ao longo dos anos produziu um almanaque de grandes projectos falhados e apostou mais na exclusão do que na inclusão e participação.

Exportar USD 20 mil milhões em produtos não petrolíferos no médio prazo não me parece ser realizável. Assim, no futuro próximo, sem que sejam promovidas reformas profundas, continuaremos a viver sob ditadura do petróleo.

Olhos postos na Nigéria

1000 naira bills, Nigerian currency.

No comunicado emitido pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) sobre a visita da equipa chefiada por Ricardo Velloso entre 1 e 14 de Junho à Luanda o FMI alertou para necessidade de maior flexibilidade da taxa de câmbio como medida para redução de constrangimentos que afectam a actividade económica.

Será necessário comunicar claramente a estratégia para reequilibrar o mercado cambial aos participantes do mercado e recorrer a uma taxa de câmbio mais flexível, apoiada em condições monetárias mais restritivas para conter a inflação. Além disso, as restrições administrativas existentes para aceder a divisas à taxa oficial, que constituem um constrangimento à actividade e diversificação económicas, precisarão de ser levantadas gradualmente.

Os mesmos apelos têm vindo a ser feitos à Nigéria, a economia africana mais parecida com a nossa. A autoridade monetária da Nigéria, Central Bank of Nigeria (CBN) respondeu e no dia 15 de Junho anunciou que a taxa de câmbio da Naira, a moeda nigeriana, deixará de ser administrada pelo banco central e passará a ser determinada pelo mercado. As novas medidas entram em vigor no próximo dia 20 de Junho e é expectável que os primeiros tempos da nova realidade sejam marcados por alguma instabilidade no valor da moeda nigeriana mas antecipa-se a estabilização depois do período de ajustamento e uma taxa de câmbio mais consentânea com a realidade económica assim como é expectável assistirmos à redução progressiva do gap entre a taxa de câmbio oficial e a taxa de câmbio do mercado paralelo.

O anúncio foi bem recebido pelo mercado de capitais que se traduziu em fortes ganhos na bolsa nigeriana. Economistas nigerianos e o próprio CBN esperam que o novo modelo torne o país mais atractivo para o investimento externo e torne a alocação de divisas mais eficiente e justa, eliminado a efectiva subsidiação da taxa de câmbio para alguns agentes. O CBN tenciona ainda estancar a quebra contínua da Reservas Internacionais Líquidas que passaram de USD 42.8 mil milhões em Janeiro de 2014 para USD 26.7 mil milhões em Junho de 2016.

Neste blogue, já falei algumas vezes sobre a actual crise cambial (aqui e aqui) focando na taxa de câmbio desajustada e na necessidade de desvalorizar ainda mais o kwanza. A prazo, o ideal é mesmo deixar o mercado determinar a taxa de câmbio para que a alocação de divisas seja mais eficiente e, sobretudo, se ponha termo ao regime de alocação sectorial de divisas à taxas de câmbio subsidiadas que constituem uma vantagem desleal para um grupo reduzido de agentes. Neste contexto seria perfeito se a mantra do novo governador do BNA – “ética e moral” – fosse levada a sério e quando ela falhasse existissem medidas punitivas ajustadas porque a manipulação dos mercados deve ser encarada como um pecado capital.

De todos os riscos que a flexibilização da taxa de câmbio do kwanza pode trazer o mais pernicioso é o da aceleração ainda mais acentuada dos preços, uma vez que o BNA tem utilizado a taxa de câmbio como  instrumento para controlar a inflação, mecanismo que tem tido sucesso limitado nos últimos tempos. Com efeito, o kwanza sobrevalorizado combinado com a oferta satisfatória de divisas significa importações mais baratas e preços baixos em kwanzas, mas uma taxa de câmbio mais ajustada à realidade e défice na oferta de divisas implicam mais inflação uma vez que não temos capacidade de substituir importações competitivamente no curto prazo.

Contudo, o BNA e outros decisores da nossa política económica devem estar com os olhos postos na evolução do mercado cambial nigeriano sob esta nova configuração e, se possível, colaborar com o CBN. A evolução da taxa de câmbio da Naira nos próximos meses e o funcionamento do novo modelo cambial nigeriano são uma boa oportunidade para aprendermos e sustentarmos uma decisão sobre o caminho a tomar para a nossa política cambial no futuro próximo.

Taxas, Tarifas, Impostos & Cia., Lda.

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O governo angolano está a confundir “reforma estrutural” com a introdução de novas “Taxas, tarifas, impostos e simpatizantes”. Julgando pelas palavras e, sobretudo, medidas/acções do governo como resposta à adversidade financeira que vivemos, fico com a ideia que a solução encontrada passa essencialmente pela cobrança de mais tributos às pessoas e empresas.

No argumentário usado pelos servidores públicos aquando da abordagem desta realidade é comum ouvir os mesmos dizer “os angolanos têm o hábito de ter tudo de borla, é preciso pagar”, uma frase altamente deslocada da realidade angolana que choca violentamente com as leis que isentam o utente do pagamento de, por exemplo, serviços de saúde e educação uma vez que em Angola pagamos tudo que a lei diz ser gratuito.

Desde que o governo deu início à terapia de choque, poucas foram as medidas que tinham como alvo cortar nas gorduras do sector público, como a pomposa medida de exclusão de directores nacionais da lista de receptores de carros por inerência da função. Do lado da despesa, o governo poupa também com as desvalorizações da moeda e “aguentando” fornecedores e salários de funcionários públicos, medida que não deve ser louvada por estar coberta de ilegalidade. A redução da subvenção aos combustíveis foi seguramente a medida com mais impacto nas despesas públicas e uma das principais contribuintes para o aceleramento dos preços pela forma que foi realizada. As tarifas da água e electricidade em algumas províncias também foram alteradas de forma brusca e hoje as facturas registam aumentos superiores à 100% nalguns casos.

Contudo, chama mais atenção a aposta na cobrança que tem revelado a criatividade, o optimismo e algum autoritarismo do governo. Cada semana que passa surge um novo imposto, uma taxa ou uma tarifa.

Diferentes departamentos governamentais têm estado a apresentar as suas medidas milagrosas, supostamente disciplinadoras dos cidadãos angolanos que gostam de ter tudo de borla. A AGT atira-se cheia de fé numa campanha pela cobrança do IPU (aguardo ansiosamente pelos resultados), os governos provinciais, encabeçados pelo de Luanda, avançam com a “taxa do lixo”, o Ministério do Turismo fala em cobrar pelo acesso aos “monumentos turísticos municipais” (estou curioso para ver a lista dos monumentos e aferir a sua preservação), o Ministério da Construção prepara-se para introduzir portagens nas estradas nacionais (sim, aquela constelação de buracos que liga as províncias), o Ministério do Ambiente vai avançar com a cobrança de 5 kwanzas por cada saco plástico leve usado, o Ministério das Finanças introduziu a Contribuição Especial sobre Operações Bancárias (CEOB) que onera quase todas as operações bancárias em 0,1% do valor transaccionado.

A CEOB é fácil de cobrar porque tecnologicamente parametrizar taxas não é novidade para os bancos e o sector opera dentro da formalidade. Contudo, a informalidade que caracteriza a nossa economia limita o sucesso de grande parte das medidas anunciadas. A desorganização urbana, a complexidade da lei e insuficiências no registo de propriedades tornam a cobrança eficiente do IPU num desafio gigante, o mesmo pode dizer-se sobre a “taxa do lixo” que foi desenhada para acompanhar a tarifa da electricidade quando o INE diz que apenas 32% das residências têm contrato de electricidade no país. Sobre os sacos gostaria de saber como será feita a reconciliação entre as contas das lojas com as do estado e como é que vai funcionar no sector informal, será que o pagamento é feito na altura que o distribuidor compra os sacos ao seu fornecedor? Sobre as portagens escrevi há pouco tempo e a minha maior questão é se serão introduzidas agora com as estradas esburacadas ou se serão introduzidas apenas depois das estradas serem reconstruídas.

O governo tem que empregar mais esforço no corte das despesas e apostar na realização de receitas extraordinárias por via da venda de activos que não tem necessidade de os ter (boa parte deles) in lieu de apostar todas as fichas na tributação predatória que tem caracterizado as medidas anti-crise do governo que revelam uma inclinação para realização de receitas que permitam sustentar o estado gordo e não o desejado corte na má despesa em favor da boa despesa.

O movimento de aumento agressivo da tributação começou com as alterações draconianas no Imposto de Consumo no Segundo semestre de 2015 e o pé continua no acelerador. No entanto, acho que já atingimos o pico da curva de Laffer e está na hora de implementar mais medidas de restrição da ração do gato gordo que é o estado e deixar de obrigar o cidadão faminto a pagar pela alimentação do gato.

Portagens nas estradas nacionais

O ministro da construção Waldemar Pires Alexandre confirmou após a reunião conjunta das comissões Económica e da Economia Real do Conselho de Ministros que os utentes das estradas nacionais vão passar a pagar portagem para ajudar a manter as estradas.

Segundo uma notícia do jornal O País o governo investiu desde 2005 cerca de 25 mil milhões de dólares na reabilitação de cerca de 12,4 mil km de estrada. Parte importante destes km encontram-se hoje em muito mau estado o que nos faz questionar a qualidade da construção e, sobretudo, o mérito do “investimento” em causa como fez a UNITA, que nas suas contas diz que foram gastos entre 2004 e 2015 cerca de 19 mil milhões de dólares na construção e reparação de infra-estruturas rodoviárias.

A nova linha do discurso do governo culpa parcialmente o actual estado das estradas nacionais à falta de fundos para a sua reabilitação e daí o surgimento das portagens para fundear o programa de recuperação e manutenção das estradas nos próximos anos.

Não sendo orçamentista, parece-me que 25 ou 19 mil milhões de dólares para construir estradas que desaparecem numa década é um desperdício de fundos e a aplicação de fundos em equipamentos que normalmente têm vida útil longa que se revelam descartáveis não pode ser classificada como investimento.

O governo angolano foi surdo e irresponsável durante a época da bonança e vê agora nas portagens a salvação para um problema que não existe porque faltavam fundos mas essencialmente porque faltava uma política de investimento público responsável e um programa de manutenção à altura dos fundos aplicados.

No último Concelho Consultivo do Ministério da Construção o ministério apontou algumas causas para o estado de degradação das estradas nomeadamente a qualidade dos projectos e dos materiais utilizados. Segundo o ministério a falta de informação sobre tráfego afecta negativamente a qualidade dos projectos e a resposta de curto prazo passa pela instalação de centros de pesagem. Na visão do ministério a culpa é mais dos camionistas que sobrecarregam os seus camiões do que dos constructores pagos a preço de ouro  para fazer estradas de papel.

Agora são convocados os utentes para pagar a conta da renovação, ou reconstrução, das estradas. Os mesmos utentes que pagam uma taxa de circulação cuja contrapartida – manutenção das estradas – não tem sido cumprida pelo mesmo governo que agora promete reabilitar as estradas a troco de uma portagem cujo valor não foi ainda avançado.