O nosso problema e o problema do FMI

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Após meses de muita indecisão e sem alterações positivas no mercado do petróleo bruto o Governo angolano resolveu recorrer ao Fundo Monetário Internacional (FMI) para tentar melhorar a situação. As negociações começam dentro de dias e encima da mesa está uma proposta para um Programa de Financiamento Ampliado (Extended Fund Facility ou EFF em inglês).

Quando um país enfrenta graves problemas de médio prazo na balança de pagamentos por causa de deficiências estruturais cuja resolução exige tempo, o FMI apoia o processo de ajuste por intermédio de um Programa de Financiamento Ampliado (EFF). Em comparação à assistência prestada no contexto do Acordo Stand-By, a assistência no âmbito de um acordo ampliado difere por envolver um programa de maior duração — para ajudar os países a implementar reformas estruturais de médio prazo — e um prazo de amortização mais longo.

Fonte: FMI

O Governo rejeita categoricamente que formalizou um pedido de resgate junto do FMI, enfatizando que o FMI entrará em cena como consultor do governo no desenho de um pacote de reformas que ajudarão a acelerar a diversificação. De facto um EFF não é um bail out, mas possibilita o financiamento à taxas mais favoráveis que as praticadas no mercado e em face do estado débil das finanças públicas o envelope financeiro será bem-vindo.

A quebra gigante das receitas do Estado têm conduzido à sistemáticos atrasos no pagamento de salários a funcionários públicos e acumulação de dívidas a fornecedores, apesar de medidas draconianas para o aumento da receita fiscal que a par da inflação têm estado a castigar o rendimento disponível dos angolanos. Este filme de horror faz crescer a tensão social e a pressão para o aparecimento de soluções, no discurso de parte significativa dos angolanos o Governo tem sido incapaz de resolver a maka e as manifestações de alívio e esperança com o anúncio do início de negociações com o FMI revelam este sentimento.

Por outro lado, depois de ter tomado várias medidas impopulares num curto espaço de tempo (aumento de impostos, redução e eliminação de subsídios aos combustíveis, aumento das tarifas de electricidade e água, etc.) o Governo não quer arriscar novas medidas impopulares, nomeadamente a tão falada redução da função pública, sem ter um consultor para atribuir a autoria da ideia. Assim, o “vilão” passa a ser o FMI que há alguns meses atrás sugeriu ao Governo que reduzisse os custos com a função pública em nome da sustentabilidade das contas públicas.

Seja qual for o formato do pacote de apoio do FMI, será sempre acompanhado de medidas duras tal é o nível de necessidade de correcção que a nossa sociedade precisa para ter uma economia competitiva.

O FMI insistirá certamente na revisão dos custos com funcionários públicos que o Governo espera aliviar com a eliminação de fantasmas, uma missão que expõe o nível de desorganização das instituições públicas angolanas, quer sejam organismos públicos ou empresas públicas como foi o recente caso de pilotos fantasmas na TAAG.

Nos últimos tempos o FMI tem feito várias referências à saúde do sistema financeiro angolano e poderá sugerir medidas que conduzam à consolidação da banca comercial, implicando a liquidação de bancos mais frágeis ou a absorção destes por parte dos mais sólidos. Os técnicos do FMI deverão igualmente recomendar uma nova abordagem para questão cambial, exigindo ainda mais desvalorização uma vez que o kwanza continua sobrevalorizado como abordei aqui e aqui. A nível fiscal fala-se na introdução do IVA como tem vindo a pregar a Associação Industrial de Angola há alguns anos. O FMI poderá ainda pedir que o Estado reduza a sua presença no sector privado e que implemente um programa de privatizações que garanta algum encaixe financeiro e ajude a criar empresas mais eficientes.

Infelizmente, por questões estatutárias o FMI não pode ir muito além de recomendações para reformas económicas e sugestões genéricas para melhorar a qualidade de instituições públicas porque não tem mandato para sugerir mudanças profundas no sistema político dos países que apoia. Esta limitação – apesar dos discursos mais abrangentes de Christine Lagarde – implica que estamos perante a velha lógica que privilegia questões técnicas à questões institucionais na luta pelo desenvolvimento económico o que limita o meu entusiasmo com os resultados no médio/longo prazo desta nova “participação especial” do FMI no filme de terror que se tornou a economia angolana.

O FMI não poderá abertamente pedir ao Governo que abandone a sua filosofia de centralização do poder e de subalternação do poder legislativo. O FMI não poderá abertamente exigir uma reforma na justiça que crie um ambiente mais equilibrado para todos e que esta sirva o seu papel de resolução de conflitos sociais com maior grau de isenção possível. O FMI não pode exigir o fim imediato do sistema de gestão local anacrónico e ineficiente que retira competitividade à economia e qualidade de vida aos cidadãos que são excluídos tanto na escolha dos seus governantes locais como na governação das regiões em que vivem. O FMI não poderá pedir a revisão urgente da política comercial em relação à SADC pese o facto de poder abordar a questão da política de promoção do investimento privado que continua a vender o nosso mercado como um “privilégio para poucos” em flagrante contradição com a realidade. O problema do FMI é que tem que obedecer a velha Xica,  não pode falar de política abertamente e o nosso problema é precisamente a vigência de um modelo político que não é amigo do desenvolvimento económico equilibrado e sustentável.

Em 1951 o economista sul-africano S. Herbert Frankel e forte opositor do modelo do apartheid chamou a atenção do mundo para a importância das escolhas políticas no desenvolvimento ou não de uma nação. Vale a pena reler.

O progresso económico depende muito da adopção de acção administrativa e legislativa apropriada por parte dos governos (…) Gostaríamos de enfatizar que as pessoas são influenciadas por aqueles que detêm autoridade sobre elas. Se os líderes são reaccionários, egoístas e corruptos, as pessoas ficam desanimadas, e aparentam não ter iniciativa. Por outro lado, se os líderes ganham a confiança do país, e provam ser vigorosos na erradicação dos privilégios e das grandes desigualdades, podem inspirar as massas com um entusiasmo para o progresso que carrega tudo consigo (…) todos os problemas de desenvolvimento económico são solucionáveis.

S. Herbert Frankel in “Primer for Development”

O KFC Index e o valor do kwanza

O site do serviço em língua portuguesa da  Voice of America (VOA) reportou que o kwanza é a moeda africana mais sobrevalorizada entre aquelas que foram consideradas no cálculo do KFC Index realizado pela Sagaci Research, uma empresa de consultoria focada nos mercados africanos.

O KFC Index (gratuito aqui) procura replicar o modelo do Big Mac Index para calcular as taxas de câmbio ideais com base na teoria do preço único, servindo-se de um único produto como cabaz de comparação, no caso um balde com doze pedaços de frango frito da cadeia de restaurantes Kentucky Fried Chicken (KFC).

No mês de Janeiro de 2016 usei a mesma lógica – tendo a gasolina como produto base – para aferir se a nossa taxa de câmbio deveria ir mais para norte ou mais para sul. Na altura, aproveitando a variação cambial do fim do ano e o ajuste nos preços dos combustíveis comparei o preço da nossa gasolina com o preço da gasolina nos Estados Unidos e concluí que o kwanza estava 66,7% acima do seu valor ideal comparando com o dólar.

A Sagaci Research diz que o kwanza (Fevereiro 2016) está cerca de 72%* sobrevalorizado em relação ao dólar, ou seja, para chegarmos à uma taxa de câmbio de equilíbrio o BNA teria que desvalorizar (muito) mais ainda a nossa moeda aumentando assim a pressão inflacionária e a destruição do poder de compra do angolano, enquanto o aumento da produção nacional (a dita diversificação) não chega para reduzirmos a nossa exposição ao mercado externo, ao qual recorremos para tudo independentemente do grau de sofisticação do produto ou serviço, tal é a nossa incapacidade de produzir internamente.

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Fonte: “KFC Index Feb 16”, Sagaci Research

Um elemento interessante no estudo da Sagaci Research é o cálculo do mesmo índice usando as taxas de câmbio do mercado paralelo. Para o kwanza foi usada  a taxa de 440 kwanzas por cada dólar sendo que usando esta taxa concluiu-se que no paralelo pede-se mais que a taxa de equilíbrio uma vez que a taxa de câmbio USD/AOA 440 a moeda está subvalorizada em 38%, desta forma, a correcção ocorrida no paralelo nos últimos dias aproxima a taxa das kínguilas da taxa de equilíbrio.

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Fonte: “KFC Index Feb 16”, Sagaci Research

No curto prazo, sem aumento de influxo de divisas para gestão mais folgada da taxa de câmbio, a melhor maneira de estabilizar o kwanza sem esvaziar o saco de Reservas Internacionais Líquidas é desvalorizar a moeda de forma agressiva, sendo que os maiores riscos são o aumento vertiginoso dos preços e uma perda de confiança no kwanza que crie uma espiral depressiva que leve o valor da moeda para níveis ainda mais assustadores. Resumindo: o BNA e todos os outros intervenientes na política monetária de Angola têm em mãos uma batata quente.

* a Sagaci terá usado a taxa de câmbio oficial do BNA a qual têm acesso apenas os bancos comerciais, se considerarmos a margem de 3% dos bancos comerciais a taxa não seria 157,9 kwanzas por cada dólar mas sim 162,6 kwanzas por cada dólar o que implicaria que o kwanza estaria sobrevalorizado em 68,8% e se usarmos a mais recente taxa que os bancos oferecem aos clientes de 164,5 kwanzas por cada dólar a grandeza da sobrevalorização do kwanza seria 66,9%, praticamente igual à apresentada neste blogue em Janeiro: 66,7%.

Inflação: Escassez ou Malandrice?

Eu acredito nos mercados mas tenho presente que os operadores, se forem reunidas as condições, tendem a abusar do seu poder de mercado. Assim, é fundamental que exista regulação eficiente mas devemos igualmente evitar que a regulação seja asfixiante ou mesmo despropositada.

Nos últimos dias o governo angolano tem expressado a necessidade de maior fiscalização dos preços porque, segundo representantes do estado, os distribuidores estão a restringir deliberadamente as quantidades que vendem para assim poderem aumentar os preços.

O governo tem avançado com algumas soluções difíceis de implementar e que ignoram por completo o poder do mercado. O diagnóstico feito pelo governo da origem da tendência inflacionária que vivemos hoje parece igualmente ignorar alguns desenvolvimentos recentes da economia angolana como a quebra do valor das exportações que reduziu a entrada de divisas e forçou a desvalorização do kwanza tornando as importações mais caras, a consequente redução das importações que devido a nossa dependência de produtos importados levou à uma forte quebra na oferta que naturalmente pressiona os preços para cima. Pelo meio houve um aumento sensível do preço dos combustíveis e os efeitos são transversais.

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No meu ver, a grande função das regras de convivência social, quer sejam informais ou formais é prevenir que algum actor abuse do sistema, quer por falhas sistémicas quer pela sua capacidade de utilizar algum poder que tenha. Esta apetência pelo abuso de poder é um instinto da humanidade e a regulação deve servir para bloquear e punir tais instintos.

Provavelmente existem alguns operadores em Angola com grande poder na oferta de determinados produtos e não há mal nenhum que sempre que for pertinente sejam feitas investigações para apuração de possíveis abusos mas assumir que a escassez de produtos e consequente subida dos preços é malandrice dos importadores parece ser redutor e de certa forma falacioso.

O governo quer travar a inflação por decreto e demonstra pouca crença nas forças do mercado. O sector da distribuição alimentar em Angola é dos mais concorrenciais que temos e isto dificulta o abuso do poder de mercado de forma consistente a não ser que exista um cartel. Caso não exista poder monopolístico e existam bens no mercado, as margens anormalmente altas são insustentáveis porque a dinâmica do mercado corrigirá os preços. Deste modo, o governo deveria focar-se na identificação de possíveis abusos de poder de mercado e cartelização em vez de elaborar uma extensa lista de preços fixos e vigiados ou levar a cabo impraticáveis acções de fiscalização de preços in loco.

Inflação, tributação sem representação

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Na segunda metade do século XVIII os colonos da América do Norte popularizaram a frase “No taxation without representation” (“não à tributação sem representação”) numa batalha contra a tributação do Parlamento Britânico que os colonos diziam não os representar.

Anos mais tarde, já no século XX, Milton Friedman afirmou que “inflation is taxation without representation” ou seja: “a inflação é tributação sem representação”. Friedman acertou na mosca, a inflação é provavelmente o mais eficiente dos impostos porque dela os consumidores não conseguem escapar. A inflação é pois, um imposto sem necessidade de representação ou legislação.

O governo angolano tem estado a aumentar impostos com o objectivo de tapar os buracos deixados pela redução da receita fiscal sobre a produção e exportação de petróleo, focando a sua missão no aumento de impostos indirectos sobre o consumo e produção, taxas consignadas e impostos sobre a propriedade, ou seja, o “alvo” do governo são os produtores locais e as famílias que em si já estão a levar porrada da inflação que é hoje o papão dos rendimentos dos angolanos.

Os últimos números oficiais indicam que a inflação em Angola anda nos 14,27%, mas o aumento do preço dos combustíveis associado à desvalorização do kwanza e as persistentes dificuldades na importação de bens estão a contribuir para o aumento do passo da taxa de inflação. Os relatos (e imagens) da subida galopante de alguns bens essenciais são preocupantes porque a par do desemprego, a inflação descontrolada é uma das maiores ameaças à estabilidade social.

As economias precisam de consumo e as sociedades dominadas por uma vasta classe média tendem a ser mais estáveis económica e socialmente. No nosso caso, a nascente classe média está ser atacada pela tributação oficial e pela “tributação sem representação”, a inflação. Este facto pode reduzir ainda mais a nossa já minúscula classe média. Assim, apesar da pressão da redução das receitas fiscais do petróleo o estado começa a ser pressionado a rever a sua nova abordagem fiscal dominada pelo aumento da contribuição fiscal das famílias uma vez que existe o risco de aumento da contestação social.

Se os cidadãos podem fugir aos impostos ninguém que consome consegue livrar-se da inflação e a tendência para aumento descontrolado dos preços tem que ser o foco da política monetária mas está a ficar claro que o BNA está a ficar sem instrumentos para controlar os preços. A académica teoria de absorção da liquidez pouco pode fazer para esfriar os preços de bens essenciais cada vez mais escassos.

Se os monetaristas defendem que a base da inflação é a massa monetária, em economias pouco maduras e altamente dependentes de importações de bens essenciais um choque cambial pode conduzir à um choque da oferta e, consequentemente, à aceleração dos preços. A dimensão do choque pode significar níveis absurdos de inflação e desequilíbrios sociais difíceis de gerir como (i) diminuição acentuada do poder de compra, (ii) empobrecimento. (iii) desemprego e (iv) insegurança. Os números oficiais do INE ainda não reflectem um aumento descontrolado dos preços mas os preços nos supermercados e armazéns contam outra história.

A estratégia do governo para saída da crise

A crise económica que acordou boa parte dos angolanos de um sonho, criou milhões de devotos da “Nossa Senhora da Diversificação” levou o Governo de Angola a elaborar uma “Estratégia para Saída da Crise Derivada da Queda do Preço do Petróleo No Mercado Internacional“. As linhas mestras apresentadas pelo governo trazem boas ideias e transmitem a vontade de virar a página, contudo não estão livres de velhas ideias falhadas.

O documento revela alguns dados interessantes que ajudam a compreender a gravidade da maka das divisas.

O BNA vendeu US$ 18.728,4 milhões no mercado cambial primário, em 2014, e em 2015, 16.351,3 milhões de dólares, o que perfaz uma média mensal em torno de US$ 1.486,5 milhões.

De notar, entretanto, que adicionalmente em 2014, os bancos comerciais adquiriam às empresas petrolíferas um montante estimado em US$ 15.288 milhões, o que de facto significa que o mercado cambial nesse mesmo ano movimentou 48% mais de divisas, num total de US$ 31.639,3 milhões, contra US$16.351,3 milhões registados em 2015.

Isto é, o sistema financeiro angolano disponibilizou 48% menos dólares em 2015 do que em 2014 quando os bancos comerciais além de comprar dólares ao BNA compravam também às empresas petrolíferas. Esta equação mantinha-se equilibrada com um certo nível de preço para os barris de petróleo e com a alteração desta realidade a entrada de divisas caiu a pique uma vez que praticamente só exportamos petróleo.

Ao longo da sua história independente, durante vários períodos desta história de quatro décadas, Angola falhou o objectivo de diversificar a economia e, sobretudo, diversificar a carteira de produtos que exporta reduzindo assim a exposição ao petróleo. Sendo a nossa história económica como país independente marcada pela economia planificada e pela guerra civil, a nossa melhor oportunidade de realmente lançar as bases para a diversificação foi a década de 2000 quando alcançámos a paz e atravessámos um contexto económico externo favorável. Contudo, na década de 2000 não foram só vitórias no campo político e económico, a década foi igualmente marcada por um modelo de desenvolvimento obcecado com o hardware (e muitos de qualidade duvidosa), de investimento público pouco criterioso e da subvalorização de áreas-chave como a formação de técnicos com qualidade.

No presente, e olhando para o futuro, o governo compromete-se com investimentos que contribuam para o aumento da produção de investimentos privados e para mim é um bom princípio.

Nas circunstanciais actuais os investimentos públicos deverão concentrar-se cada vez mais nos projectos estruturantes provedores de bens públicos e promotores da diversificação da economia, sobretudo daqueles que contribuem para a viabilização e aumento da produtividade dos investimentos privados.

Os investimentos públicos não devem replicar cegamente projectos coloniais inacabados, o tempo é outro. Os investimentos públicos não devem ser utilizados como instrumento para criar ricos sem mérito, mas sim para melhorar a condição social das pessoas e criar riqueza. Construir estradas de má qualidade e sem contratos de manutenção não é investimento, é aldrabice. Um estado que investe sem critério e permite o abuso de servidores públicos sem consequências não está a criar um futuro melhor, está a criar instabilidade social. Se o princípio que indica a nova filosofia para realização de investimentos públicos for cumprido, certamente teremos uma economia mais eficiente no futuro.

Infelizmente, muitos investimentos falhados nos últimos anos foram privados, muitos com grande apoio institucional e até financeiro do estado. Para estes projectos é igualmente fundamental repensar os apoios e , sobretudo, a selecção. Aparentemente, o governo está disponível para repetir a dose do apoio, desta feita com recurso à financiamento angariado para projectos públicos.

Deverão utilizar-se os saldos de linhas de crédito existentes, estimados em 5,47 bilhões de dólares americanos, antes contraídas para fins públicos, para financiar projectos privados de elevada rendibilidade e que sejam promotores da diversificação da produção e das exportações.

O ser humano (ou o economista) por dificuldade em prever o futuro, recorre ao passado para projectar o futuro e julgando o passado do governo angolano, tenho reservas sobre o sucesso desta intenção de financiar projectos privados com fundos públicos (em dívida). Contudo, desejo boa sorte.

Falando em passado, parece que o governo não abandonou as suas raízes socialistas e continua a acreditar no dirigismo como remédio para os nossos problemas económicos.

Os investimentos devem ser feitos na base de Programas Dirigidos a serem definidos pelo Executivo, com vista a aumentar a produção interna com vista ao  aumento das exportações a curto prazo e ao aumento dos produtos da cesta básica e outros produtos essenciais para o consumo interno e para as exportações

Existe alguma razão científica ou histórica para acreditar que os “Programas Dirigidos definidos pelo Executivo” terão mais sucesso que a liberdade de escolha dos milhões de investidores e empreendedores? Não será a livre interacção entre agentes económicos o melhor guia para construção de uma economia concorrencial eficiente e produtiva?

Pelo meio, há uma parágrafo interessante:

O exercício de sensibilidade da dívida existente indica como breack even para o equilíbrio mínimo do Serviço da Divida um preço do barril de petróleo de US$ 38,00. Abaixo deste preço será necessário restruturar a carteira da divida.

Ou seja, neste momento com petróleo a negociar abaixo dos 38 dólares, o serviço da dívida pública está em desequilíbrio e segundo o autor “será necessário restruturar a (…) dívida”. Não é detalhado qualquer plano de restruturação da dívida nem indicado se envolve a totalidade ou apenas parte da dívida.

O documento indica caminhos que ajudarão o estado a poupar nas despesas e a ser mais eficiente daqui para frente, como a limitação ao mínimo de compras de carros de alta cilindrada e o recadastramento do pessoal público civil, militar e paramilitar para que se ponha termo à maka dos funcionários fantasmas que oneram as contas públicas numa grandeza ainda desconhecida.

Na política monetária, não parece que é desta que o kwanza é atirado para o “mundo selvagem das moedas flutuantes”. O BNA continuará a ser dependente da orientação política do executivo e o kwanza continuará a ser uma moeda gerida, não se vai seguir o caminho da Rússia e do Azerbaijão que no meio de crises semelhantes soltaram as suas moedas. Prefiro sistemas em que a política monetária é independente (mas não indiferente) da política fiscal, mas compreendo que o momento não é o melhor para a “liberdade incondicional” do kwanza mas maior flexibilidade (“liberdade condicional”) seria bem-vinda, se calhar até é inevitável.

Com efeito, devem ser desenhados pelos respectivos sectores os Programas Dirigidos destes produtos,   traze-los para o circuito normal de exportação e garantir a entrada de cambiais no país.

A frase acima demonstra duas coisas: (i) o governo acredita no dirigismo e (ii) tem noção que existe o risco dos exportadores parquearem as divisas lá fora. Para travar este impulso dos potenciais exportadores o governo tenciona garantir que as divisas associadas à exportação entrem para a nossa economia, mas não indica como. Na verdade, a vontade de parquear divisas lá fora prende-se com a desconfiança no futuro do país. Os agentes temem arbitrariedades que limitem a circulação do seu dinheiro e prejudiquem a execução das suas escolhas, esta confiança demora para ser construída e no nosso caso necessitará de uma mudança de paradigma.

Temos que começar a colocar o poder das instituições no centro do poder e criar um sistema político-económico equilibrado, justo e previsível. Sem confiança e sem lucros astronómicos potenciais atrair investidores será difícil, apenas mudanças profundas a nível institucional voltarão a colocar Angola na rota do investimento externo.

A necessidade de investimento externo deve obrigar o governo a baixar a bola e ser mais aberto, a integração regional já não pode esperar. O documento indica esta vontade e espero que se materialize.

É essencial proceder à assinatura de Acordos Bilaterais de promoção de comércio com os países potenciais compradores, em particular os países vizinhos.

Temos que ter presente que o nosso maior problema é estrutural e não se resolve no curto prazo. Estamos a pagar caro por termos investido sem critério e utilizado de forma abusiva o sector público para o enriquecimento ilícito. Ao longo dos anos não demos liberdade e igualdade de oportunidade suficiente à todos criando um ambiente saudável para o florescer de ideias. Criámos uma sociedade de excluídos e privilegiados, um sistema económico amigo de monopólios e oligopólios, abraçámos o compadrio e a mediocridade e demos as costas ao mérito.

A estratégia do governo pouco fala no nosso maior problema de forma directa. O nosso maior problema é sistémico. Não vamos a lado nenhum se seguirmos a filosofia que defende que o desenvolvimento é um problema técnico, observando a história, como defende William Easterly o problema do desenvolvimento é institucional. O mundo está repleto de exemplos, bons e maus e um bom exemplo para nós poderia ser o Peru.

 

O Hoje é Filho do Ontem e Pai do Amanhã

O conceito económico de “Trindade Impossível” – ou Trilema – defende que a autoridade monetária de um país não pode seguir simultaneamente três objectivos específicos sem causar problemas financeiros no futuro. Os objectivos de politica monetária irreconciliáveis segundo os teóricos são: (i) manter uma taxa de câmbio fixa ou agressivamente gerida; (ii) permitir a livre circulação de capitais e (iii) ter uma política monetária discricionária (taxas de juro).

Quando em Agosto de 2015 a autoridade monetária chinesa viu-se obrigada a desvalorizar o yuan percebeu-se que a principal razão desta decisão foi a violação da trindade impossível. A manutenção do peg com o USD expunha a economia chinesa à política monetária do Estados Unidos e quando a Fed sinalizou a subida das taxas de juro os mercados cambiais reagiram comprando dólares e com a apreciação do dólar o yuan valorizou-se e isto afectou a competitividade da economia chinesa e antecipando o ajustamento do valor do yuan, com a relativa facilidade de circulação de capitais entre a China e o mundo, milhares de milhões de dólares saíram da China.

Antes de desvalorizar o yuan em Agosto, a autoridade monetária da China baixou quatro vezes a sua taxa de juro de referência entre o princípio de 2014 e  o primeiro semestre de 2015. Uma taxa de juro mais baixa pressionou a taxa de câmbio do yuan o que contribuiu para a saída de capitais. Numa aparente mudança de política, para defender o peg o banco central chinês teve que usar as reservas em dólares até ao ponto que percebeu que este caminho delapidava as reservas e mantinha a moeda sobrevalorizada. Como diz a teoria, e como já demonstrou a prática, seguir os três objectivos não funcionou e a China teve que fazer  um ajustamento. Este ajustamento pode ser extremamente doloroso para economias mais frágeis como a nossa.

Em Angola, na prática estávamos a seguir os três objectivos irreconciliáveis no longo prazo com a agravante da nossa economia não ter a robustez da economia chinesa e da confiança na nossa economia ser tão real quanto o pai natal. (i) Em Angola vigorava uma espécie de crawling peg que permitia uma taxa de câmbio estável enquanto existisse um fluxo importante de divisas por via de exportações de petróleo permitindo assim que continuássemos a importar desalmadamente; (ii) como precisávamos de receber investidores e, sobretudo, mandar dinheiro para fora de Angola existia uma espécie de livre circulação de capitais, uma vez que com maior ou menor dificuldade conseguia-se converter os kwanzas em divisas e enviar para fora para diversos fins; (iii) o BNA fixa as taxas de juro directoras, sendo que tradicionalmente manteve taxas elevadas até a alteração dessa política a favor da redução de taxas para incentivar o crédito bancário; política entretanto revertida para apagar o fogo da inflação.

O nosso sonho acabou com o início da trajectória descendente continuada dos preços do petróleo na segunda metade de 2014 que induziu à seca de divisas que obrigou o BNA a rever o modelo de venda directa das petrolíferas aos bancos comerciais e depois foi reduzindo a oferta de divisas no mercado. A sub-alimentação de divisas estrangulou as importações o que pela nossa reduzida capacidade produtiva significou uma redução sensível da oferta e contribuiu para o aumento do passo do nível de preços.

Por outro lado, a falta de confiança agudizou a corrida às divisas e a fuga de capitais para o exterior. Para responder a este fenómeno o BNA subiu as taxas de juro e implementou medidas efectivas de controlo de capitais refazendo as regras dos leilões do mercado primário e apertando na fiscalização das transferências para o exterior. Outro indutor das medidas restritivas do BNA foi a delapidação das Reservas Internacionais Líquidas que foram sendo usadas para estabelecer a taxa de câmbio. A medidas adoptadas tiveram resultados pouco satisfatórios porque não conseguiram recuperar a confiança.

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Fonte: BNA

Angola viveu em 2015 um anus horribilis passando por uma crise política com repercussão internacional e por uma crise económica causada pela redução das receitas do petróleo exportado que se reflectiu em menos disponibilidade financeira do governo, menos dólares para o BNA manter a taxa de câmbio sobrevalorizada e as importações baratas, deixando o país a mercê de uma inflação galopante. A situação serviu, mais uma vez, para expor a fragilidade da nossa economia e a indesejável e longa dependência do petróleo. A incapacidade do BNA defender o valor do kwanza está directamente ligada a redução acentuada das receitas com exportação de petróleo como se observa no gráfico abaixo.

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Fonte: BNA, MINFIN

Entre Novembro de 2014 e Novembro de 2015 o kwanza perdeu 29,1% do seu valor em relação ao dólar (taxa oficial), a taxa de inflação passou para 12,4% e foram implementadas medidas draconianas para reduzir a procura por divisas limitando o acesso à moeda estrangeira e a sua movimentação (interna e externamente). O BNA procura evitar uma desvalorização acelerada do kwanza e manter um nível mínimo de importações sem afectar ainda mais as reservas cambiais mas parece que estamos perante nova impossibilidade porque a procura de divisas não está apenas a ser alimentada por importadores e viajantes mas também por gente que perdeu confiança no kwanza como unidade de reserva de valor mas com os preços do barril de petróleo em queda 2016 apresenta-se mais desafiante. O Standard Bank aponta para uma taxa de câmbio média de 192.3 kwanzas por cada dólar no próximo ano.

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Contudo, a crise cambial, como tenho vindo a defender, tem na base uma crise económica cuja paternidade deve ser atribuída à escolhas políticas erradas que na década de 2000, com ventos favoráveis, negligenciaram as reformas estruturais necessárias para criarmos uma base de crescimento assente no capital humano capacitado, na descentralização dos mecanismos de decisão política, no maior liberalismo dos mercados, na justiça eficiente e confiável e em legislação e instituições amigas do investidor. O presente não é independente do passado: o hoje é filho do ontem e pai do amanhã.

O estado da coisa

variação real PIB AO (INE)

A mensagem do Presidente da República sobre o Estado da Nação lida pelo vice-presidente Manuel Vicente no passado dia 15 de Outubro na Assembleia Nacional, diz que:

Todas as economias têm ciclos altos e baixos. A boa notícia é que não haverá recessão, mas apenas uma ligeira desaceleração do crescimento da economia, sendo essa uma boa base de trabalho para o próximo ano.

Tenho algumas reservas que o estado da economia nacional não evolua para uma recessão em termos reais (o FMI estima um crescimento real de 3,5%) sendo que em termos nominais, sabemos todos que o PIB de 2015 será significativamente menor do que o de 2014. Quanto à desaceleração, os números do INE (“Contas Anuais Definitivas 2013”) mostram que desde 2008 o nosso PIB real não apresenta uma taxa de crescimento de dois dígitos e cresceu abaixo de 5% entre 2009 e 2013 com excepção de 2012 (7,6%), ou seja, a desaceleração não é de agora e não é ligeira.

Os sinais de esgotamento do modelo de crescimento assente nas exportações de petróleo foram sendo ignorados nos últimos anos e as bases necessárias para a diversificação não foram criadas quando tínhamos condições de as criar. Agora temos perante nós o difícil desafio de reestruturar a economia com menos meios sem que tenham sido criadas as condições institucionais para termos um país melhor para investir.

A mensagem trouxe poucas luzes sobre uma estratégia orientada para o crescimento da economia fora do sector petrolífero e menos dependente do estado. A mensagem fala em reformas na Sonangol mas nada diz sobre reformas na Administração Pública que continua a ser um “gato gordo” para muitos mas que para o governo ainda é uma “vaca sagrada”. A mensagem aborda a necessidade de melhorar o critério nas decisões de consumo do sector público e das famílias, mas não foram apresentados caminhos específicos para reduzir tais despesas, sobretudo no sector público. Nos corredores falam-se de cortes de benefícios e de benesses na função pública mas no discurso lido por Manuel Vicente nem isso foi confirmado.

Como defendi aqui, é urgente rever o peso da função pública e repensar o posicionamento do estado na economia. Não acredito no estado empresário e não percebo porquê que num momento como este o tema das privatizações esteve ausente do discurso do Presidente da República. O governo precisa desenhar e implementar com a maior brevidade que o bom trabalho permitir, um programa de privatizações que reduza o peso do sector público na economia, permita a realização de receitas extraordinárias e o relançamento de várias empresas, assim como o encerramento de tantas outras.

Não conheço os pressupostos que permitem antecipar Investimento Directo Estrangeiro não-petrolífero na ordem dos $10 mil milhões para os próximos dois anos. O Presidente na sua mensagem menciona a nova Lei do Investimento Privado como um dos indutores de mais investimento mas acredito que o optimismo tenha tomado conta das contas do Presidente porque a nova lei é mais complexa em termos fiscais e porque hoje não somos necessariamente um país muito atractivo para investidores externos sobretudo num contexto de escassez de petro-dólares e com tantas restrições nas transacções com o exterior por indisponibilidade de divisas.

A mensagem do Presidente absteve-se igualmente de apontar um caminho para uma real integração regional, fiquei com a impressão que a integração é dispensável no esforço de diversificação económica. Anda muita gente a pensar que a integração regional é meramente comercial e que não fomenta o investimento, por exemplo, seria útil ter presente que, em termos de investimento externo em actividade industrial fora do sector petrolífero no nosso país, temos muitos bons exemplos vindos da África do Sul, a SAB Miller nas fábricas da Coca-Cola Bottling Angola e Cerveja N’Gola e a Nampak na Angolata servem de exemplo.

Gostaria imenso de partilhar o optimismo plasmado na mensagem do Presidente da República, mas o realista em mim não permite.

Campeões mundiais do Imposto de Consumo

No mês de Julho de 2015, as Receitas Totais (corrente e de capital) apresentam uma redução de 64% em relação ao período homólogo de 2014. Esta variação negativa resultou de uma diminuição nas Receitas Correntes e nas Receitas de Capital de 41% e 94%, respectivamente. As mesmas participaram na composição das Receitas Totais em 93% e 7%, respectivamente. No período de Junho a Julho, nota-se um aumento de 21% nas Receitas Totais causada por uma variação positiva de 33% nas Receitas Correntes. Em relação ao Plano de Caixa de Junho de 2015, as receitas totais arrecadadas apresentam-se 35% inferiores ao previsto.

O gráfico e o texto acima estão publicados no site do Ministério das Finanças (MINFIN) e ilustram bem as dificuldades  da Administração Geral Tributária (AGT) para arrecadar as receitas previstas no OGE 2015, como alias já tinha sido abordado aqui. Como momentos difíceis exigem medidas difíceis, se focarmos a frase “as receitas totais arrecadas apresentam-se 35% inferiores ao previsto” e se olharmos para recente actualização das taxas de Imposto de Consumo (IC) percebemos que já passámos a barreira dos “momentos difíceis” e estamos no campo do “desespero”.

Aparentemente, o agravamento das taxas de IC para produtos importados é uma medida que visa proteger a produção nacional mas se formos consultar a segunda tabela ilustrada no Decreto Legislativo Presidencial 5/15 de 21 de Setembro percebemos logo que a produção nacional também está sobre ataque do governo que em desespero pretende acertar as suas contas às expensas dos produtores, importadores nacionais e, indirectamente, dos consumidores.

Se a cerveja importada paga 60% de IC sobre o valor aduaneiro, sobre os custos de produção da cerveja nacional incidem 60% de IC. A água engarrafada nacional passa a pagar entre 20-30% de IC quando antes pagava 10% tal como os sumos que passam a pagar 20%. As subidas de 100% (e mais) nas taxas não têm paralelo a nível mundial em impostos indirectos sobre o consumo, nem na Grécia as medidas para enfrentar a crise foram tão agressivas, se quisermos equiparar o nosso IC ao Imposto sobre Valor Acrescentado (IVA) cobrado mundo afora, temos hoje as taxas mais altas do mundo segundo esta lista disponível na Wikipedia e o KPMG Corporate and Indirect Tax Rate Survey 2014 (números de Angola por actualizar).

A redução forte e acelerada das receitas está a dificultar a capacidade do estado em honrar os compromissos fiscais assumidos no OGE 2015 Revisto, esta realidade está a motivar medidas muito agressivas para tentar melhorar a execução das receitas fiscais mas poderão piorar ainda mais o estado da nossa economia.

As medidas em causa são altamente inflacionistas porque pressionam produtores e importadores que deverão “transferir” os impostos para os seus clientes o que afectará negativamente o consumo que já anda nas ruas da amargura por redução do rendimento real das famílias (inflação + desvalorização do kwanza).

O estado reduziu forte e indiscriminadamente o investimento público aquando da revisão do OGE, esta que foi a principal medida de contenção da despesa pública arrefeceu de forma brusca a economia pelo facto de se ter desenhado em Angola um modelo económico que coloca o sector público no centro da economia. Com menos actividade económica as empresas perderam receitas e muitas tiveram que fechar e este novo quadro não só significou mais desemprego como implicou menos impostos sobre a actividade das empresas.

Como o estado mantém a relutância em ir mais longe na redução da despesa pública, como rever o quadro remuneratório da função pública, a solução passa por agravar a carga fiscal e uma vez que a AGT tem-se mostrado incapaz de alagar a base de pagantes o objectivo é cobrar mais onde parece ser mais fácil: importações e produção industrial. O estado basicamente está dizer que não está disponível para exigir mais sacrifícios do seu lado e quer que sejam os privados a pagar por isto.

Na minha modesta opinião o governo poderia ser menos agressivo contra os importadores e produtores nacionais se olhasse para outros sectores da actividade económica. Fora da indústria petrolífera – que está a pressionar o governo para pagar menos impostos – creio que os sectores mais rentáveis da nossa economia são as telecomunicações e serviços financeiros (banca e seguros) mas estes sectores, designadamente empresas de telefonia móvel e bancos, não são grandes contribuintes fiscais a nível de impostos sobre resultados, por isso, antes que se passe para o aumento dos impostos indirectos sobre serviços de telefonia e bancários (Imposto de Selo e IC) sugeria que se olhasse para a linha dos impostos sobre os resultados destes sectores que andam muito abaixo do ideal, o relatório Banca em Análise 2015 recentemente publicado pela Deloitte demonstra que os nossos bancos praticamente não pagam impostos sobre os resultados porque a legislação favorece a sua posição, o governo não ficaria mal se repensasse tal legislação “porque quando todos pagam, todos pagam menos”.

Como a evolução das receitas fiscais petrolíferas está a matar o optimismo do governo

Há alguns meses atrás, quando o petróleo ainda estava a rondar os 65-70 USD resolvi analisar a sensibilidade da receita fiscal petrolífera de Angola às alterações do preço do barril do petróleo, no caso o Brent. A análise foi alimentada por dados históricos do Ministério das Finanças e prospectivos que constam no relatório de fundamentação do OGE (para as quantidades produzidas).

Considerando a percentagem histórica das receitas fiscais no total da produção/exportação de crude, criei alguns cenários que eram combinados com diferentes níveis de preço para o barril de petróleo, na altura o preço mais baixo que considerei foi $55, que era um valor considerado pessimista. No pior dos cenários, a receita fiscal petrolífera anual – que considera os impostos e as receitas com a concessão – situa-se nos 17,6 mil milhões de USD e é aqui que surge a grande maka.sensibilidade

Até Julho de 2015 o estado angolano arrecadou 830 mil milhões de kwanzas de receitas fiscais petrolíferas contra os 1,8 bliões de kwanzas no mesmo período em 2014. Admitindo linearidade da receita até ao final do ano deverão entrar 1,42 biliões de kwanzas (bilião são 12 zeros!) de receitas fiscais petrolíferas, muito abaixo dos 17,6 mil milhões de USD do meu cenário pessimista, sendo que 1,42 biliões de kwanzas à uma taxa de câmbio média de 120 kwanzas por cada dólar equivalem a 11,9 mil milhões de USD, e isto é um cenário optimista porque a tendência da receita fiscal é decrescente.

Olhando para estes números percebe-se porquê que o FMI aconselha o governo angolano a rever os custos com pessoal da função pública, que eu igualmente considerei exagerados há meses atrás neste blogue. O estado angolano inscreveu no OGE 2015 custos com pessoal no valor de 1,4 biliões de kwanzas, ou seja, se o estado executar na totalidade a despesa com pessoal prevista no OGE o kumbu do petróleo deste ano servirá apenas para pagar o pessoal do estado e nada mais… tudo o resto dependerá de reservas e do aumento da dívida pública.

O estado angolano parece que abandonou o tom optimista do princípio do ano e começa finalmente a ser mais realista nos discursos. Recentemente o governador do BNA disse em entrevista que os cortes têm que ser mais profundos e disse mesmo que somos hoje mais pobres e como tal, temos que ajustar os nossos gastos.

Nos últimos anos, o estado angolano cresceu muito rapidamente, sem que isso implicasse melhores serviços. As receitas petrolíferas cresceram exponencialmente entre 2002 e 2008 e voltaram a recuperar da crise de 2009 já em 2010 (+49% por barril) e tiveram um desempenho melhor ainda em 2011 (+62% por barril) mas a estagnação de 2012 (-0,7% por barril) e a quebra expressiva em 2013 (-12,1%) não conduziram aos ajustamentos necessários e os funcionários públicos (pelo menos os que ocupam cargos de chefia) continuaram a tratar-se bem, tanto é assim que as despesas com pessoal para 2015 chegaram ao nível da obscenidade se considerarmos a qualidade do serviço que prestam.Está na hora de mostrarem coragem e exercerem algum sentido de nação, há que dar menos leite ao gato gordo e é urgente começar a tomar medidas. Cortar benefícios e viagens é capaz de não chegar. Cortar o 13.º seria uma saída imediata (haverão aí contingências legais) e convém avisar já as pessoas que este ano não haverá cabaz de natal porque o desequilíbrio das contas públicas não só é um facto financeiro como é um “facto matemático”.

O “camarada Petróleo” e a inflação

Quando as economias são maduras e contam com alguma capacidade produtiva, os períodos de contracção da procura dão lugar a deflação, ou seja, baixa dos preços em termos globais.

Infelizmente a nossa economia não é saudável e assenta numa base frágil. Angola importa boa parte dos bens de consumo e a nossa moeda é administrada com base nas disponibilidades de divisas que entram na nossa economia essencialmente por via das exportações de petróleo que num contexto de quebra acentuada e acelerada das exportações coloca o nosso modelo económico em cheque.

A quebra nas exportações teve vários efeitos na economia que estão a tornar cada vez mais difícil a vida dos angolanos:

  • Em face da quebra de receitas fiscais, o governo reduziu em um terço o seu orçamento para 2015 face o OGE original;
  • Sendo o Estado o principal consumidor da nossa economia, a redução da sua capacidade financeira afectou fortemente a procura e fez crescer os atrasados do governo com os seus fornecedores;
  • Com menos consumo público as empresas vêem a sua situação económica a deteriorar-se dia após dia o que implica incapacidade de honrar compromissos com colaboradores, menos capacidade de investimento e menos emprego;

Com menos emprego e com salários congelados o consumo privado diminui o que poderia forçar os produtores/vendedores a reduzir os preços (deflação). Contudo, como no nosso caso boa parte dos bens de consumo é importada os preços aumentam.

O preços aumentam porque os grandes distribuidores importam menos (por dificuldade de acesso às divisas) e mais caro (porque a taxa de câmbio é menos favorável). Passámos a ter uma situação de redução da oferta de bens de consumo que são adquiridos a preços mais elevados, esta combinação é a mãe e o pai da aceleração generalizada dos preços que não deverá ser contida nos 9,61% de inflação registada a Junho de 2015.

Muitos economistas defendem que na presença de quebra da procura agregada o estado deve expandir o consumo público para relançar a economia mas a realidade mostra-nos que as reservas muito publicitadas no “bom tempo” não existem e o governo angolano é incapaz de injectar dinheiro fresco na economia, pelo contrário, o governo reduziu as despesas de forma pouco criteriosa e pouco se sentem as reformas que visavam melhorar a eficiência e transparência da máquina pública o que torna o estado no principal contribuinte da quebra da procura global, incluindo a “boa despesa”.

Com este quadro, não havendo qualquer mudança de humor do “camarada Petróleo” a inflação deverá manter a sua trajectória ascendente e os angolanos deverão continuar a ver o seu poder de compra a “viajar para sul”.

O professor e político português Miguel Cadilhe disse uma vez com certa graça que a inflação está para economia como o sal está para culinária: é preciso a medida certa. Não se quer uma comida sem sal (inflação nula ou negativa) e não se quer uma comida salgada (inflação elevada), a nossa economia está salgada e o cozinheiro ainda tem uma mão cheia de sal para pôr no tacho nos próximos tempos, só o “camarada Petróleo” pode travá-lo.